Seguindo em frente.( Larissa)

936 Words
" Se era pra ser amor, não deveria machucar." Por: Larissa. Recomeçar nunca é fácil, especialmente quando se está em frangalhos por dentro. No entanto, tenho tentado com todas as forças superar tudo o que me aconteceu. Meus sorrisos não são mais livres e expansivos como costumavam ser, agora eles são comedidos, talvez até retraídos. Durante os três primeiros dias, minha tia estranhou meu comportamento prostrado e cabisbaixo, e eu atribuí as minhas más condições físicas e psicológicas, consequências das viagem longa que fiz. Ela parece ter engolido a desculpa cabeluda. Estou organizando o estoque que fica no segundo andar da loja de sapatos Margarita, localizada no centro de Uberlândia. Faz uma semana que cheguei e apenas dois dias que fui admitida no serviço. Exerço duas funções por aqui, a de estoquista e vendedora. Isso é até bom, porque recebo dois salários e uma generosa comissão com as vendas que faço. Planejo procurar um curso de inglês para dar continuidade ao que tive que interromper em Alegrete. Na grande realidade, quero mesmo é ocupar minha cabeça para não pensar no passado. Verifico cor, numeração e modelo, assim separo as caixas e vou organizando-as em prateleiras que vão do chão ao teto. _ Muito trabalho aí, novata? - uma vendedora antiga, que gosta de se sentir a gerente do estabelecimento, me pergunta. _ Não, Soraya, apenas o normal de todos os dias. - respondo, pegando duas caixas e alocando nos espaços vazios. _ Nossa, fala como se trabalhasse aqui há tempos, sendo que hoje é só o seu segundo dia. - fala com desdém. Procuro não responder e foco no meu serviço. Ouço quando seus saltos fazem barulho ao descer a escada que leva para o primeiro piso. _ Esquenta com essa m*l-amada diz, ela não suporta se sentir ameaçada. - fala Valéria, uma senhora responsável pela limpeza do ambiente. _ Não sei em que posso ameaçar essa criatura. - expresso, levantando-me e limpando a poeira da minha calça social preta. _ Todos comentam que você vende bastante e isso está deixando a Soraya inflamada, uai. Antes, ela era a melhor vendedora da Margarita. Arrumo meu r**o de cavalo e estico a blusinha rosa de três quartos de mangas tulipas que uso, uniforme da loja. _ Só estou tentando fazer de maneira eficiente o meu trabalho, dona Valéria. Não estou aqui querendo prejudicar ninguém. - falo, olhando para a senhora gordinha que usa um jaleco cinza. _ Eu sei, menina. No entanto, a inveja faz o trabalho dela e se apossa de pessoas sombrias. - manifesta, pegando o esfregão. _ Preciso ir, depois nos falamos. Desço a escada indo rumo à loja. São perto das seis da noite, horário em que se encerra o expediente por aqui, quando deixo o trabalho, vou caminhando pela calçada até uma praça que fica aqui perto e sempre está cheia de pessoas conversando. Compro um saquinho de pipocas. Antes que eu possa pegar uma para comer, meu celular toca. Pego o aparelho no bolso da minha calça e vejo o nome do meu pai na tela. _ Oi, pai! _ Fala, minha princesa, como você está? "Péssima, mas tentando levar a vida. Não é assim que muitos fazem?", penso. - Bem, acabei de sair do serviço. Pai, o senhor fez o que lhe pedi, entregou o livro ao meu professor? - Fiz isso ontem. Daniel perguntou por você, quis saber por que não tem ido mais às aulas. - O senhor não falou nada, né, pai? - Claro que não, minha filha. Jamais vou te expor. Você sabe que pode contar comigo e com sua mãe para tudo, Larissa. Só te peço: não esconda mais nada de nós. Por mais que nos doa, sempre seja honesta, meu bebê. - Serei, pai. Como está a mamãe? - Com saudades. - Vocês estão bem? - Estamos, meu amor. Enquanto você estiver bem, nós também estaremos. - Amo vocês, pai. - Também te amamos, meu solzinho. Encerro a chamada e procuro por um banco vazio para me sentar. Avisto um numa parte mais deserta da praça, caminho para ele e me acomodo. Fico observando as pessoas: crianças brincando e correndo, soltando seus risos de alegria; senhores de idade numa mesa jogando; adolescentes com seus grupinhos conversando; e casais curtindo o momento a dois. Foco neles, naquele amor que transborda, sendo visível para qualquer um; nos olhares afetuosos que trocam; nos carinhos ternos ao darem as mãos para provar de um simples passeio. A tristeza me vem forte, abaixo minha cabeça olhando para dentro do saquinho de pipocas. Eu queria isso, eu sonhava em viver momentos assim com ele, no entanto eu não tive nada. Fui uma trouxa, uma massinha de modelar em suas mãos. Me levanto sentindo meu estômago pesar e minha garganta travar. Sigo para casa caminhando, precisando que meu corpo entre em exaustão para que eu consiga dormir, para que eu me sinta tão cansada que meu cérebro se desligue e eu não seja alvo das lembranças doloridas. A mente é algo que nos tortura, e nosso pior algoz é o nosso coração, carrasco de nossos destinos. Me sinto como uma folha bailando ao sabor do vento, sem saber onde vai parar. O vazio imenso que ficou se tornou o atalho para o desespero. Olho para o céu salpicado de estrelas. É isso, estou sendo castigada pela minha ingenuidade. Enquanto os corações de muitas mulheres batem, o meu apanha. O que sobrou de mim foram trapos e farrapos, uma dignidade esculhambada e mais nada Respiro fundo, prendendo o choro que quer sair com força. Caminho, tendo a dor como minha única companhia.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD