" Isso não vai passar tão cedo, estamos seguindo em direções opostas, mas você continua dentro de mim."
Por: Pietro.
Eu nem sei mais se os meus traços são perfeitos como costumavam ser aos meus dezesseis anos, tão pouco presumo que sei dar luz e sombra nos locais adequados para que a pintura fique real e não caricaturada. Desejo captar a alma dela, a essência que aqueles olhos expressavam e toda a sua beleza.
Em minha mão tenho um godê com vários tons de tinta, entre meus dedos um pincel chanfrado e no cavalete a tela com a imagem da garota que vem me enfraquecendo a cada dia.
Pinto Larissa como a vejo em meus sonhos, sempre com um vestido branco, ela em torno de um halo brilhante correndo no meio de uma floresta com árvores tortas e negras. Ela sempre se apresenta assim, no entanto quando corro atrás dela e consigo alcançá-la, a ragazza some como um fantasma e me deixa sozinho no escuro na travessa da desolação, vai embora sem mim.
Esses "pesadelos" têm sido recorrentes, sempre na mesma cronologia, o mesmo cenário, nada muda.
Tem noites em que acordo chamando por ela, gritando seu nome. Por que ela desapareceu quando eu estava tão perto dela? Por quê?
Faz uma semana que trabalho nessa obra, uma semana que me entrego a algo que abandonei por muitos anos.
Talvez seja uma tentativa do meu subconsciente de resgatar algum fragmento dela, uma forma que encontrou de me fazer senti-la por perto.
A intenção que eu tinha de trazer a menina para viver aqui comigo foi para casa do c*****o, depois que soube que ela não mora mais na Caravaggio.
Aos poucos a pintura vai ganhando forma. Pego o meu cigarro de maconha e dou uma tragada.
Escuto meu celular tocar, o nome de Matteo aparece na tela.
_ Fala! - digo assim que atendo a chamada.
_ Estou subindo, trouxe pizza!
_ Certo. - falo desligando.
Em poucos minutos, meu primo chega munido de várias embalagens de comida.
_ Pensei ter te ouvido dizer que era só pizza? - pergunto levantando uma sobrancelha.
_ É que eu resolvi comprar mais algumas contas e... Que catinga da desgraça é essa? p***a, cara, seu apartamento só fede a marola, c*****o, vai morrer assim. Só por curiosidade, seus vizinhos não reclamam? - pergunta, entrando na minha cozinha e depositando as sacolas em cima da ilha da cozinha.
_ Primeiro, não tenho vizinhos, é um apartamento por andar e o meu é o único habitado nesse prédio. Segundo...
_ Qual é a novidade da vez? - meu primo diz, apontando para o avental sujo de tinta que estou usando.
Me xingo mentalmente por não ter me lembrado de tirá-lo.
_ Estou tentando algo novo para espantar o marasmo. - sou sucinto.
_ Pintando as paredes da casa?- diz, franzindo o sobrolho - Você? Duvido, Pietro!
_ Pintura em tela, stronzo. Preciso fazer alguma coisa com esse tempo livre que tenho de sobra.
_ Eleonora tem perguntado por ti, faz dez dias que você não dá as caras por lá. O que houve? Resolveu quebrar as regras e está curtindo a noivinha antes do tempo? - diz, sustentando um sorriso safado no rosto.
_ Nem uma coisa nem outra, apenas sem saco para aturar aquele bando de putas. - falo, abrindo a geladeira e retirando duas long necks de dentro, e jogo uma para o meu primo.
_ Você retornou estranho do Brasil, comeu algo diferente por lá? Fiquei sabendo que as latinas são donas de um fogo no r**o, que o d***o reside nos quadris das brasileiras, uma perdição total. - diz, abrindo a garrafa e bebendo um gole.
Talvez essas vertentes tenham lá sua dose de verdade, a minha latina ferrou comigo para outras mulheres.
_ Não fiquei com nenhuma brasileira e é conversa fiada tudo isso que você ouve falar. - minto na cara dura, pegando a embalagem da pizza e abrindo.
_ Que seja, bom, quero ver mesmo é a tal tela que o artista está pintando. - expressa, indo em direção à sala.
_ Ainda não terminei. - comunico, seguindo meu primo que emburaca pelo corredor e vai procurando por sua própria conta onde está a pintura.
_ Aqui está! - fala depois de empurrar a porta de um quarto de hóspedes que transformei em ateliê temporário - Caramba! Que coisa linda! É o quê, um anjo? - pergunta vidrado na pintura.
_ É isso mesmo, um anjo. - afirmo, me aproximando dele e fixando meu olhar no rosto pronto da ragazza.
_ O que vai fazer com ele depois de pronto? Se não for querer ficar com o quadro, eu quero. - diz, sem desviar os olhos - Colocarei na parede do meu quarto.
Ouvir aquilo me enervou, olhei para o meu primo. Mas nem fodendo ele ficaria com a pintura da garota.
_ Se estou pintando é porque tenho a intenção de ficar com o quadro. - retruco, dando uma golada na bebida.
_ De onde você tirou essa imagem? - pergunta, saindo do cômodo.
_ Dos meus sonhos.
_ Caramba! As deusas visitam suas noites. Me ensina o caminho para o paraíso que eu também quero! Você prestou atenção na harmonia fácil que aquele anjo tem? Perfeição é a definição certa para descrevê-la.
Se Matteo continuar a tecer elogios para Larissa, mesmo que ele não tenha a menor idéia de que a imagem impressa naquela tela é de uma mulher de carne e osso, eu quebrarei todos os dentes da sua boca.
_Vamos parar de analisar a minha pintura e me conta como estão as coisas lá no QG".- peço, me sentando no sofá.
_ Vittorio está parecendo mais uma fera no covil, esperando pela próxima vítima. Estamos caçando o Fausto, só que o desgraçado parece ter cavado um buraco e se enterrado, típico de quem é covarde.- fala, sentando ao meu lado.
_ Ele está com sangue nos olhos. Ele foi bem estratégico, deixou que pensássemos que tudo ficaria sem um revide à altura. Fausto esperou nos acomodarmos e agora está vindo com artilharia pesada.
_ Você e suas merdas que causaram isso, Pietro. Ultimamente parece que toda essa loucura tem dado as caras novamente - meu primo se expressa.
E estava mesmo. Tem vezes que estou bem, mas em certos momentos me desespero, sentindo falta dela, e me refugio nas drogas e nas bebidas. Apesar de meu irmão ter proibido que qualquer entorpecente chegue até mim por quaisquer mão, ainda consigo maconha com Leonardo, que também é fissurado na erva. Minha válvula de escape nesse momento em que sou uma verdadeira confusão.
Quando transei com Larissa, procurava por água e só encontrei fogo, e nele me queimei, incendiei. Tem dias em que a saudade é tão forte que sinto a respiração me faltar. Perco as contas de quantas vezes me masturbo pensando na garota. Estou sofrendo duplamente, meu coração sangra por uma e minha mente e meu corpo clamam por outra.
Estou vivendo meu inferno particular. Às vezes, gargalho da vida infeliz que tenho.
_ Vou arrumar essa confusão, só preciso de tempo. - profiro, levantando-me do lugar.
_ Esquece, Pietro, o Don quer você longe de tudo por um tempo. Por quase duas vezes dentro de um mês você foi... bom, é melhor ficar resguardado.
_ Não irei ficar me escondendo como um rato, Matteo.
_ Você sabe que não se trata de se esconder, e sim de preservar o próximo da linhagem que herdará o comando. Se trata de tudo, droga! Se você "cai", e Vittorio "cai", uma guerra feroz se instalará dentro da organização. Todos querem estar no topo, Pietro, e você tem consciência de que uma guerra dentro da organização a deixará enfraquecida e vulnerável. Um "prato cheio" para as outras máfias que tem interesse em nos derrubar.
_ Você poderia ser o próximo Don se algo ocorresse. - jogo com meu primo para saber até onde vai seu interesse.
_ Tô fora, não tenho culhão para encarar os abacaxis que Vittorio enfrenta. Gosto do que sou, um hacker, e quando a coisa está muito monótona, eu topo uma incursão.
_ Certo, alguma novidade sobre a escuta que implantamos na casa da Andrea?
_ Se temos, Vittorio não abre. As gravações estão indo diretamente para ele, estamos sem acesso nenhum. E por falar na sua noiva, que empregadinha gostosa eles contratam, hein?
_ Poupe-me dos detalhes sordidos do sexo que você e seu irmão compartilharam, não tenho interesse em saber.
Matteo ri, ergue-se e caminha para a cozinha.
_ Vamos comer, Pietro, ficar só fumando maconha vai acabar com você. - diz mexendo nas sacolas.
A maconha não estava acabando comigo; quem estava acabando comigo era ela: Larissa. A droga que me fascinou e hoje não sei nem por onde anda.