Helena
Depois de alguns segundos me encarando intensamente, que pareceu mais uma eternidade ele tira a mão de cima da minha e pergunta:
— Você é enfermeira? — Tentando controlar a minha respiração que estava ofegante, respondi:
— Não, não sou, mas para sua sorte fiz um curso de primeiros socorros há pouco tempo…
Ele riu tentando sentar na cama…
— Sorte? Que horas são, agora?
— Um pouco mais de quatro horas da tarde.
— Então, fazem quase dois dias que quase me mataram e ainda estou sobrevivendo… — Ele diz fechando os olhos e encostando a cabeça na cabeceira da cama.
— Está sobrevivendo sim. Você está melhorando, mesmo que seu corpo ainda esteja bastante quente, mas a febre baixou um pouco. As duas injeções que eu apliquei em você estão fazendo efeito.
Ele riu e eu entendi que ele não estava falando do estado de saúde dele e sim do que aconteceu…
— Você é uma enfermeira muito boa, mesmo tendo só um curso de primeiros socorros. — Ele elogia, com um sorrisinho desanimado no rosto…
— Saiba que eu estou muito orgulhosa de mim, não tenho aptidão pra ver sangue, corte, essas coisas e mesmo assim fiz um ótimo trabalho com você, mas você precisa fazer repouso e tomar mais injeções e remédios. Seus ferimentos estão abertos e você levou um tiro, e mesmo ele pegando de raspão, lhe feriu. E teve também os ferimentos causados pelo impacto da bomba.
— Não sei porque, mas eu sobrevivi a um belo ataque…
— É verdade, mas é muito cedo pra dizer que você está livre de infecção. Tem que se cuidar, porque você pode morrer.
— Não posso ficar aqui muito tempo… Eles podem me achar e seus pais podem aparecer a qualquer momento…
— Não se preocupe com isso, confie em mim, ninguém vai aparecer. Agora você vai provar da minha segunda especialidade.
— Segunda especialidade? E qual seria?
— Sei fazer um caldo de frango delicioso e acho que você deve está morrendo de fome. — Falei animada.
— Fome? Confesso que não sei, porque no momento só sinto muita dor.
— Como sou sua enfermeira, trate de me obedecer e coma pelo menos um pouco para poder tomar outro remédio para dor.
Ele fica me observando enquanto eu coloco o termômetro nele e vou pegar sua comida.
Com um pouco de dificuldade ele come tudo… Com o estômago cheio, o cansaço bateu e ele se encostou na cabeceira da cama novamente e fechou os olhos.
Eu me aproximei, fiz ele descer mais na cama para ele ficar mais confortável e dormir… ajeitei seu travesseiro e nesse momento, ele passa a mão no meu rosto e diz:
— Você é muito boa e linda, menina… mas cometeu um erro…
— Como assim? Qual? — Perguntei sem entender.
— Não devia ter me deixado viver… Foi um erro!
— Porque você diz isso? Por acaso você é um b@ndido? Vai fazer algum m*l comigo?
— B@ndido, eu? Sinceramente não sei o que sou… ou melhor, não sei o que fui… Por isso você não deveria ter me deixado viver…
Eu não esperava por isso, mas não sei porque eu entendia sua dor…
— Não diga isso, você tem que viver e enfrentar o que houve e descobrir o que restou da sua vida… por você e talvez pela moça…
Quando me dei conta que tinha dito isso, já era tarde demais…
Coloquei a mão na boca e vi que seus olhos mudaram de cor, ficando completamente escuros…
— Desculpe, eu não tive a intenção de magoá-lo… Mas Sophia era sua parceira e…
— Como você sabe o nome dela?
— Você gritou o nome dela algumas vezes quando estava delirando, e…
— Me deixe dormir, eu estou com sono, com dor e com frio. — Ele manda com a voz rouca, firme e autoritária e não me deixa continuar.
Encostou a cabeça no travesseiro, puxou o cobertor pra cima dele e fechou os olhos. Eu achei melhor sair de perto dele, ainda tremendo da excitação que aquele momento me causou.
Arrumei a cozinha, tentei estudar um pouco, mas não consegui me concentrar… Jantei, tomei banho, coloquei uma camisola de malha confortável e deitei no sofazinho, e quando estava conseguindo dormir um pouco, ouvir gemidos e era ele delirando de novo…
Levantei, vi sua temperatura e que a febre tinha voltado e ele falava frases desconexas que eu não conseguia entender.
Sentei ao lado dele… e antes de colocar a mão em sua testa, falei baixinho, perto do seu ouvido…
— Gabriel, você está delirando… eu estou cuidando de você… Vou colocar a mão na sua testa… Fique calmo.
Dessa vez ele não segurou meu pulso, apenas me encarou e disse sussurrando…
— Você estava no meu sonho de novo…
— Não é um sonho… Vou cuidar de você até você melhorar de vez…
Levantei e peguei água morna, molhei uma toalha e fui passando pela testa dele, fazendo uma espécie de compressa…
— Nos filmes, isso sempre funciona… Espero que não seja mentira… — Fui passando e falando pra mim mesma.
Aquela madrugada eu passei inteira ao lado dele, passando a toalha no seu rosto, fazendo ele tomar água aos poucos para hidratá-lo.
Foi tão cansativo que eu acabei deitando ao lado dele e adormecendo… só acordei quando ele se mexeu tentando levantar sozinho…
— O que é isso? onde você pensa que vai?
— Ai, ai… — Ele gemeu, com a mão no ferimento… — Preciso ir ao banheiro e quero tomar banho…
— Como é? Você deve tá louco. Você passou mais de 24 horas delirando de novo… sabia? E agora que está um pouco melhor, quer levantar sozinho e ainda tomar banho. — Falei brava.
— Nossa, você é brava, menina… mas eu tô melhor, e também não quis te acordar, eu vi que você ficou o tempo todo cuidando de mim e com certeza está cansada.
— Estou mesmo. Como eu disse Gabriel, você piorou muito… Quase que te levei pro hospital.
— Ainda bem que não levou… Pelo seu próprio bem…
— Não entendi…
— Eles tinham me matado e matado você também… — Arregalei os olhos e ele falou se virando: — Preciso ir ao banheiro.
— Eu, eu… Vou te ajudar…
— Consigo ir sozinho…
— Nossa como você é teimoso… Me obedece… eu salvei sua vida. — Ele balançou a cabeça com um sorrisinho no rosto.
— Tá certo, mandona…
Ele colocou o braço por cima de mim, dividindo o peso do seu corpo e fui ajudando ele a entrar no banheiro e quando ele ficou de frente pro vaso me olhou…
— Vai ficar aí assistindo? Por mim não tem problema… — Nesse momento eu me dei conta que ele tava de cueca e queria fazer xixi…
Virei de costas, mas não sai do banheiro… Ele não estava bem e se caísse o estado dele ia piorar muito.
— Agora preciso tomar banho, estou muito quente e me sentindo muito sujo.
— Você pode cair e seria seu fim. Mas se você tomar banho de cueca e sentado num banco, eu deixo. — Ele respirou fundo impaciente e resmungou algo que eu não entendi. — Não adianta reclamar, que eu vou te dar banho.
Coloquei o banco e quando a água do chuveiro começou a cair em cima dele, ele tremeu e sua respiração foi ficando ofegante…
— Você tá bem, Gabriel?
— A água batendo no meu corpo tá parecendo facas… tá doendo tudo. Estou enjoado e tonto…
— Ai meu Deus… Não desmaie que eu não consigo segurar você assim…
Ele me puxou, encostou a cabeça no meu peito e eu vi que ele estava apoiando seu corpo em mim… meu coração disparou com aquela proximidade…
A água escorria pelo corpo de Gabriel, deixando a cueca colada, e não pude deixar de ficar curiosa e dei uma olhadinha… Eu deveria pensar apenas em sustentá-lo, em não deixar que ele desabasse ali no box, mas meus pensamentos me traem.
— Respira fundo, Gabriel… devagar. Eu tô aqui. — sussurrei, com a boca tão perto do ouvido dele que cheguei a sentir sua pele arrepiar.
Ele ergueu os olhos para mim, e por um instante esqueci a gravidade da situação. Aquele olhar queimava, mesmo na dor, mesmo na fraqueza.
— Quem é você menina? — Ele sussurrou com a voz trêmula.
— Já te disse que sou um anjo.
— E eu já te disse que anjos são traiçoeiros…
Ele sussurrou tremendo e gemendo…
Minhas mãos foram até os ombros dele, massageando devagar para aliviar a tensão. A água deslizava, e cada vez que eu passava os dedos, sentia os músculos rígidos, o corpo quente. Gabriel fechou os olhos, respirando cada vez mais fundo.
Ele ergueu o braço com dificuldade, mas o suficiente para pousar a mão na minha cintura. Mesmo fraco, mesmo ferido, o toque dele tinha força.
— Eu preciso deitar…
— Me deixe passar shampoo nos seus cabelos…
Ele não respondeu e eu lavei seus cabelos e passei sabonete em algumas partes do seu corpo, sempre protegendo seus ferimentos.
Terminei e enxuguei ele com calma e com dificuldade levei-o para cama…
— Pronto teimoso… Agora você está limpinho, mas agora fique quieto que eu preciso fazer seus curativos.
— Estou muito tonto e me sentindo fraco, sem força.
— Eu falei que você não estava bem. Seu corpo continua muito quente…
Depois de cuidar dos seus curativos, medicá-lo e fazer ele comer, finalmente ele adormeceu…
***