— Quem é você?
Klaus fez a pergunta que mudaria a sua vida.
— Não importa quem eu sou, mas sim o que vim fazer aqui — disse Síria, olhando-o séria. O seu corpo relaxado, sentado na poltrona, contrastava com a sua expressão fria.
— O que você quer? — perguntou Klaus, ainda sem baixar a guarda, com a arma em punho.
— Alguns dias atrás, você testemunhou algo que não devia, em uma rua escura. Você também me filmou. Eu não costumo ser gentil, mas vou abrir uma exceção para você: apague a filmagem.
Durante todo o tempo em que ela falou, Klaus não pôde deixar de perceber a sua frieza. Ficou claro que ela não estava acostumada a ser questionada.
— Você deveria tomar mais cuidado com quem está falando — respondeu Klaus, sério.
— Acho que você não me entendeu. Sei tudo sobre você: que faz parte das forças especiais, que foi criado pela sua avó, e até o nome das suas ex-namoradas. Então, não teste a minha paciência — disse ela, levantando-se e caminhando até ele. — Vai descobrir que a minha gentileza é bem curta.
Klaus observava a mulher à sua frente, surpreso. Ela era pequena, mas transmitia uma aura perigosa. Se ele não estivesse acostumado a lidar com pessoas perigosas, certamente estaria com medo.
— Como sabe que eu filmei você naquela noite? Estava bem escuro naquela rua.
— Há bem poucas coisas que eu não sei.
— Você ainda não me disse o seu nome.
— Você não precisa saber. Só tem que ficar fora do meu caminho.
Síria se aproximou ainda mais de Klaus, até que a arma que ele apontava para ela encostasse na sua testa.
— Da próxima vez que você ficar no meu caminho, eu te mato.
Klaus ficou surpreso com o que ouviu. O olhar dela não transparecia nada enquanto o encarava, e mesmo assim de alguma forma aqueles olhos castanhos o encantava.
— Você é louca!?
— Não, mas não gosto de deixar pontas soltas — disse ela, passando por ele em direção à saída. — E é isso que você é neste momento.
— Espera! — gritou Klaus quando ela abriu a porta. Ela se virou, encarando-o com as sobrancelhas arqueadas.
— Me diz ao menos o seu nome.
— Quem faz o que eu faço é melhor não ter nome.
Com essa resposta, ela se virou e saiu, deixando Klaus intrigado com a mulher que acabara de invadir a sua casa. Um sorriso curvou os lábios dele. Klaus sabia que não desistiria até descobrir quem ela era.
A semana de folga de Síria passou de forma lenta e agonizante. Ela achava que teria um treco se ficasse mais tempo em casa. No último dia, após o almoço, resolveu visitar Joana, esposa de Antônio.
Já fazia um tempo que não a via. Seria bom tomar um café com ela. Então, pegou o carro e foi até a chácara onde Joana morava, um lugar lindo na saída da cidade, ao pé de uma serra com uma vista maravilhosa. Quando chegou, encontrou Joana no jardim, cuidando de algumas plantas. Assim que Joana a viu, o seu rosto se iluminou.
— Até que enfim! Lembrou que ainda estou viva?
Síria correu até ela e a abraçou apertado.
— Senti muito a sua falta, Joana. Você deveria ir mais à mansão para nos ver.
— Você sabe que eu não gosto de dirigir. Prefiro ficar aqui no meu cantinho.
— Se eu morasse em um lugar como este, também não sairia muito. Está mais bonito do que me lembrava.
— Mudamos algumas coisas, e o resultado foi bem positivo. Mas chega de falar disso, vamos tomar um chá.
Joana puxou Síria até os fundos da casa, onde havia um tablado de madeira com vista para a serra. Era lindo.
— Sente-se, querida. Já volto com o chá.
Dizendo isso, desapareceu pela porta da cozinha e logo voltou com uma bandeja de chá e algumas bolachas. Serviu uma xícara para Síria, que se surpreendeu com o sabor.
— Canela com maçã?
— Ainda é o seu favorito?
— Sim, amo esse chá.
— Que bom, porque sempre tenho dele em casa para quando você vier me ver.
— Você é um amor, Joana.
Joana era uma mulher carinhosa, com espírito materno. Nunca pôde ter filhos, então tratava Síria e os outros como se fossem. Era baixa, com cabelos negros e ondulados, pele clara, olhos castanhos e um lindo sorriso. O sorriso dela era o que mais encantava Síria.
— Antônio me disse que as coisas estavam difíceis para você na semana passada — disse Joana, observando-a. Joana sabia que Síria não gostava de falar do passado, mas estava decidida a fazê-la voltar a viver.
— Eu sei o que você está pensando, Joana. Já faz três anos que eles se foram.
— Você precisa parar de se culpar, querida. Nunca foi culpa sua.
Síria suspirou enquanto observava a paisagem, tentando afastar as memórias dolorosas.
— Tento me convencer disso todos os dias, de que não foi minha culpa. Mas não é o que sinto.
— O responsável já está morto. Foi ele quem causou aquela tragédia. Você fez o possível para evitar. Se não tivesse matado o irmão dele, quantas pessoas mais teriam perecido? Você fez o melhor que podia na época.
Naquela época, Síria investigava um grupo que explorava crianças. Eles praticavam abusos contra jovens meninas.
Quando Síria se lembrava das imagens que havia presenciado, o seu estômago revirava de nojo. Depois de meses de investigação, descobriram o paradeiro das vítimas e as resgataram. Tudo correu bem, mas, no final, um dos responsáveis apareceu, e Síria o matou com um tiro na cabeça. Uma morte melhor do que ele merecia, segundo ela.
— Sabe, Joana, às vezes eu queria poder voltar no tempo só para enfiar a mão no peito dele novamente e arrancar o coração.
Dava para perceber a raiva e a dor na sua voz. Para ela, eram lembranças amargas.