Maitê
Meu pedido de emprego na mercearia deu certo. Trabalho só o período da manhã e durante a semana. Eu até queria pegar uma jornada mais longa, porém esse era o único horário que estavam precisando de ajuda.
Dei graças a Deus quando o dono do lugar me estendeu a mão e disse “fechado, você começa amanhã”
Me disponibilizei para cobrir folgas ou eventuais problemas. Acabei de começar. O trabalho é cansativo, mas nada que eu não posso fazer.
Vão me pagar por semana, e o que vou receber é suficiente para pagar o aluguel e comer.
Dona Neide segue me ajudando e eu nem sei o que faria se não fosse por aquela mulher.
Escutei duas batidas na porta e meu coração disparou. É meio da tarde, acabei de chegar da mercearia. Hoje acabei ficando até um pouco além do horário só para ajudar com o movimento do horário do almoço.
Deixei o lanche e o pão que estava montando em cima da pia e fui em direção a porta. Ninguém costuma bater na porta da minha casa. Por isso meu coração parece que vai sair pela boca.
— Oi! — abro a porta em fico em choque com a figura que estava aqui parada.
Sei quem ele é — Cabeça — braço direito de Rael. Depois de ontem, quando o “chefe” pegou a sacola da minha mãe não o vi mais. Achei que ele pediria para alguém trazer as compras, mas quando ninguém apareceu fiquei perdida.
Eu não podia subir até o alto do morro e exigir minhas compras. Na verdade eu podia, mas por algum motivo não consegui fazer. Acho que no fundo eu estava esperando que ele apareceu.
Quando não aconteceu, fiquei preocupada de perder minha compra.
— Cabeça, certo? — digo abrindo um sorriso tímido.
— Eu mesmo. Vim trazer sua compra. — avisa.
— Desculpa por isso — fico sem graça — Eu não queria incomodar, mas seu chefe simplesmente pegou a sacola da minha mãe...
— Eu sei — Cabeça me corta e começa a rir — Não esquenta com Rael, ele é assim mesmo. E é uma boa pessoa também. Onde posso colocar a sacola?
— Pode colocar em cima da mesa? – digo abrindo passagem.
— Deixa comigo.
Vejo Cabeça no espaço minúsculo que é minha casa. Ele segue em direção a cozinha de forma despreocupada e acomoda a sacola ali.
— Aceita um lanche? Acabei de chegar, estava fazendo um para mim.
— Tranquilo, preciso não. Mas aceito uma água.
— Claro — sigo em direção a geladeira pequena e antiga e tiro a única garrafa de água que tenho. Pelo menos está gelada. — Aqui. — entre a garrafa e o copo.
Os utensílios que tenho foram todos dado por Dona Neide. Não tenho muita coisa, mas é o suficiente para uma pessoa.
— Tem gostado daqui — me questiona após tomar um copo cheio de água.
— Bom, não sei bem como responder. Mas acho que sim.
— Acha? — Cabeça sorri.
— Cheguei cheia de planos, mas nada deu muito certo. Aqui pelo menos tive acolhimento e finalmente consegui um emprego que me ajude a pagar as constas e comer. Não está sendo um começo fácil, mas tenho certeza de que vou conseguir.
— De cara dá para ver que você é valente. Mesmo com esse jeito inocente, quase um bicho do mato.
Fecho a cara e encaro Cabeça. Ele ri ao perceber minha mudança.
— Calma lá baxinha. Não foi uma ofensa. — segue. Mesmo incomodada com sua fala, amenizo a expressão.
— Não sou um bicho do mato. — falo ainda brava.
— Você é diferente das pessoas daqui e também da maioria das pessoas que chegam nesse lugar. Não quis te ofender. Só estou dizendo que você é diferente.
— Tudo bem.
— Olha, se precisar de alguma coisa, tô por aqui. Obrigado pelo água, mas preciso ir nessa tenho trabalho para fazer.
— Obrigada por trazer a sacola.
Caminhamos juntos até a porta, mas antes de passar por ela, cabeça se vira na minha direção.
— Olha Maitê, espero que você encontre o que veio buscar. Você não combina muito com esse lugar. Tenho certeza de que você vai cair fora na primeira oportunidade. Mas enquanto estiver aqui, tem um amigo. — fala sorrindo — Eu até que fui com a sua cara, forasteira.
— Não sei se gosto desse apelido — acabo rindo. Cabeça me desarmou por completo.
— Bicho do mato é melhor? — sorri erguendo as sobrancelhas.
— Definitivamente não.
— Baixinha então — sentencia — Combina com você.
Ainda sorrindo, ele passa pela porta e começa se afastar, mas não antes que eu seja capaz de chamá-lo.
— Cabeça! — ele para mas não se vira por completo na minha direção, apenas o tronco e a cabeça — Obrigada!
— Sem problemas, baixinha. — me da uma piscada rápida de olho e então segue seu rumo.
Fecho a porta de casa sorrindo, me perguntando se talvez eu tenha feito um amigo.