O Lado Protetor

822 Words
Maitê — Ei, tudo bem aqui? — escuto a voz de Cabeça e levo um susto. — Oi! Apareceu. Achei que não te veria hoje? — E eu achei que você estaria trabalhando nesse horário — Cabeça retruca meio perdido. — Me deram folga do mercadinho hoje. Parece que o movimento da semana diminuiu e como não sou fixa e nem tenho carteira assinada, eles me deram um dia de folga — digo dando de ombros e me levanto para dar um rápido abraço em Mateus. — Entendi — concorda — E você quem é? Não lembro de terem contratado um Jardineiro aqui no morro. Sem rodeios Cabeça se vira em direção a Mateus, cruzando os braços e esperando uma resposta. O tal "jardineiro" que Cabeça se refe era o Mateus, um garoto de uns dezessete anos, vizinho da Dona Neide. — Esse aqui é o Mateus — tomo a frente quando percebo o garota ficar sem jeito — Ele é vizinho da Dona Neide e veio me ajudar plantar umas mudas que ganhei para enfeitar minha varanda. — Tendi — Cabeça concorda. — Oi. Só vim ajudar. — Mateus finalmente fala. — Certo — Cabeça concorda — Eu preciso voltar para o meu posto — diz me olhando, mas logo volta a encara Mateus — Mas to de olho, entendeu? — Sim — Mateus concorda. — Vou indo nessa baixinha. Qualquer coisa, me chama. — Tá — digo sorrindo — A gente se fala depois. — Fecho. Cabeça se despede e pega um caminho entre as vielas para subir o morro. — Vocês são amigos? — Mateus me questiona. — Cabeça é o primeiro amigo que fiz desde que cheguei. Depois de Dona Neide, é claro. — Então acho que você está bem protegida. Ele é irmão do dono.—diz rindo. Fico olhando Mateus, absorvendo a informação que ele acabou de soltar. Eu não fazia ideia de que Cabeça e Rael eram irmão. Bom, mas como eu saberia. Nunca conversei com cabeça sobre “familia” Mateus era divertido, falava sem parar, e o riso dele era contagiante. Era bom ter uma companhia leve depois de dias de tanta tensão. Voltamos a nos entreter em outros assuntos. Estávamos rindo de uma história boba que ele contava sobre a tia dele, quando o barulho de uma sirene cortou o ar do morro. Não era a sirene da polícia, mas o som característico que a comunidade usava para avisar sobre a chegada de algo "r**m". Meu sorriso murchou. — Corre, Maitê! A milícia! Eles estão subindo! — Mateus gritou, o rosto pálido. A milícia. Eu tinha ouvido falar deles. Rivais do pessoal do Rael, que de vez em quando tentavam invadir o morro para tomar o controle. O pânico me atingiu. Eu era do interior, nunca tinha vivenciado uma situação dessas. Mateus me puxou pela mão. — Vem, se esconde! Entra na casa da Dona Neide! Rápido! Eu estava paralisada, o coração disparado. Sons de tiros começaram a ecoar de longe, subindo a ladeira. Minhas pernas pareciam de gelatina. De repente, uma figura alta surgiu na minha frente, vindo do meio do beco. Rael. Ele estava com o fuzil na mão, a expressão fria e determinada, os olhos varrendo o ambiente. Seus "crias" vinham atrás, armados e em alerta máximo. Cabeça também estava ali, fiquei em choque olhando enquanto aquela cena. — Maitê! Entra! AGORA! — a voz Rael saiu como um trovão, um comando inquestionável. Havia uma urgência nela que me assustou, mas também me fez reagir. Eu corri para a casa da Dona Neide, que já estava me puxando para dentro. Mateus veio atrás. Mas antes que eu pudesse fechar a porta, vi Rael se posicionar bem na frente da minha casa, como um escudo. Ele apontou o fuzil para a direção de onde vinham os tiros, os músculos tensos, a postura de quem estava pronto para o combate. Ele não se importava em se expor, contanto que protegesse o perímetro. De dentro da casa, ouvi mais tiros, mais gritos. O som da guerra se aproximando. E bem na minha frente, Rael, o Don, estava lá, protegendo não só a mim, mas a todos os moradores daquela viela. Um guerreiro, pronto para tudo. — Ele sempre faz isso — Dona Neide sussurrou, tremendo ao meu lado. — Ele pode ser o que for, mas protege a gente. É o jeito dele de cuidar do morro. Olhei pela fresta da janela e o vi lá, impávido, encarando o perigo de frente. Naquele momento, não era o traficante temido, nem o homem arrogante que me provocava. Era o guardião. E uma nova camada do meu fascínio por ele se formou. Ele era perigoso, sim, mas também era protetor. E isso, para a menina que veio do interior buscando um lugar seguro, era uma revelação poderosa. Uma parte de mim se sentiu segura, mesmo no meio do caos, sabendo que ele estava ali.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD