Jin
11 de fevereiro
Terça-feira
Manhã
O ensino médio muda as pessoas; Uma hora você está desenhando bonequinhos de palito, aprendendo as quatro operações de matemática e andando no banco de trás do carro. Outra hora você está trancando a porta do quarto, escolhendo as próprias roupas e imaginando o que os outros irão achar quando verem o que está usando; Se está parecendo uma p**a, ou uma garota da igreja. Se é descolado, ou um excluído.
É difícil se encaixar, não é como uma questão de múltipla escolha. Você não pode escolher ser descolado e assistir sua própria vida como se fosse um filme. Você toma uma decisão a cada dia, se torna quem você é aos pouquinhos. 25% inteligente, 7% fofoqueiro, 13% tímido... Ou, talvez, 70% b****a e 30% bom em esportes.
A vida molda você. Faz alguém preferir entre anime e futebol; cabelo colorido, piercings e tatuagens a uma selagem mensal e uma dieta sem carboidratos. Casaquinhos apertados ou moletons folgados. All Star ou adidas. Marval ou Dc. Direita ou esquerda.
Você que decide, mas precisa lembrar que isso define quem você é. Então você olha para os lados, antes dizer em voz alta que tipo de música você gosta, pois se acertar o que a maioria está ouvindo... Hm, isso quer dizer alguma coisa. Quer dizer que você está dentro. Você encaixa; seja bem vindo. E se acertar qual a pessoa certa para cumprimentar num primeiro dia de escola, está com sorte, terá com quem sentar no intervalo, mas cuidado: Nem todo mundo tem uma mesa no intervalo.
No fundo, é só um jogo de adivinhação. Precisa escolher as palavras certas, como numa questão discursiva, falar com postura, alto e sem gaguejar. Não se esforce demais, eles percebem e estará eliminado. E uma vez eliminado você está fora.
– FORA! Levi, já disse para você jogar devagar! Não é para ninguém sair machucado. – A professora pediu. Já era a terceira vez. Levi riu e os meninos do seu time de queimado o acompanharam.
Ele agarrou uma bola (uma bola que chegou com força) e ergueu os braços para a professora; ela precisava ser justa: reclamar com o outro time também. Se quisessem que eles jogassem mais fraco, o outro time deveria jogar mais fraco também. E a professora repetiu o sermão; dessa vez os meninos do lado direito da quadra riram. Nathan riu, o melhor amigo de Levi, que, para balancear os times, ficaram em lados opostos.
Não precisa ser nenhum expert em esportes para saber jogar queimado. Tudo o que precisa é fugir da bola, dar espaço para os que sabem jogar e garantir que nenhuma parte vital do seu corpo seja atingida quando chegar a sua hora. É claro, se souber jogar, você joga, mas não é o meu caso.
Levi sorriu com malícia. Imagino como ele pode sorrir com malícia para tudo. Um simples jogo. Uma simples jogada. Um simples olhar malicioso para seu próximo alvo. Eu era o alvo. E prendi a respiração por um instante. (Qual parte proteger? O rosto ou as partes íntimas?) Ele saltou. Hm, seria uma bolada forte. (Defendo a barriga? Será que eu conseguiria agarrar a bola?). Não pensei em mais nada, apenas corri. Corri na direção contrária, seria mais difícil me acertar em movimento. (Não tão difícil, se correr em linha reta).
Levi costuma mirar em mim. Era a segunda vez que ele tentava me acertar e consegui fugir. Não entendi o porquê disso, já que dentro ou fora do campo, eu não faria a mínima diferença, mas ele estava mirando em mim de novo. Me marcando mesmo sendo desnecessário, para Levi, eu nunca sou invisível.
A bola me atingiu como um tapão nas costas e ardeu quase instantaneamente. Contive um gemido(ninguém precisaria dele para saber que doeu) e me abaixei involuntariamente, mas não caí. Meus joelhos tocaram o chão, mas me levantei tão depressa que foi apenas um tropeço.
– p***a, não corre de costas para a bola!
– Ponto de graça para eles!
Estava prestes a sentar no banco(o jogo havia acabado para mim) e fingir que minhas costas não estavam ardendo para um c*****o, quando Nathan foi mais rápido, e tão forte quanto veio, a bola foi atirada para o outro lado do campo, batendo com exatidão na barriga de Levi.
(Melhores amigos)
Levi pareceu que iria vomitar e instintivamente encarei Nathan. Ele estava com uma expressão de raiva quase palpável, mesmo vendo seu melhor amigo prestes a vomitar por uma bolada vinda dele. O garoto me notou e eu me encolhi. Reação boba que não consegui evitar, mas, para a minha estranheza, ele sorriu. Não um sorriso debochado e irônico, um sorriso simpático.
Quando todos andaram em direção ao garoto ferido na quadra, eu me sentei discretamente no banco. Odiava aquele ser mais que qualquer outra pessoa na vida. Levi é um cão, e como um cão, precisa de sua matilha para proteger o portão das trevas do submundo. Seus amigos, outros cães, são tão babacas quanto ele; Nathan, no aspecto babaquês, só perdia para Levi, e juntos faziam o meu inferno de cada dia.
Então, quando Nathan sorriu para mim, foi inevitável não olhar para trás. Podia jurar que haveria alguma garota bonita atrás de mim, porém tudo o que havia eram algumas mochilas espalhadas e um aluno cochilando apoiado em uma delas. Ele sorriu para mim.
Nunca nunquinha que eu iria sorrir de volta.
Levi vomitou. As pessoas em volta taparam as bocas, com nojo. E outros contiveram o impulso e sentiram o sabor amargo do ácido em suas gargantas. A professora iria gritar com Nathan; eu já estava a vendo tomar ar, quando o garoto correu até o amigo e alisou suas costas.
– Me desculpe, cara! Não deveria ter jogado com tanta força, não deveria mesmo!
Levi limpou a boca e Nathan levantou o amigo. Iriam para o banheiro.
– Melhor ir para a enfermaria! – Gritou a professora para os dois, sendo ignorada. – melhor ir para enfermaria. – Eles haviam ouvido; Só que preferiam ignorar. –Em.fer.ma.ria. – Ela gritou. Os dois pararam por um instante.
– Eu só preciso lavar a boca. Não estou passando m*l.
Aidan correu até os dois(mais um cão), Lauani já estava na porta do banheiro esperando os dois(uma c****a) e Layla(outra c****a) caminhando em direção a eles. Ivan quase voou até o namorado; não pude ouvir o que disse, mas é fácil de imaginar: queria saber se ele estava bem. E então todos entraram no banheiro e desapareceram.
Sobraram alguns do cães do lado de fora, como Matheus e Vinícius: cochichando na arquibancada.
Sempre e sem exceção, eu saio da sala de aula 3 minutos mais cedo do que o horário do intervalo. Faço isso para não encontrar ninguém no caminho até o telhado, onde eu passo todo o tempo livre da escola; intervalo, horário do almoço, ou até quando falta um professor e é aula vaga. É um bom lugar para estar sozinho e, bom, estou sempre sozinho.
Tudo começou há cinco anos, quando eu era um pivete de onze anos, pequeno e magro. Minha vida era boa, férias acampando com os meus pais, um amigo fiel para jogar videogame, notas boas, imaginação fértil; o que mais uma criança poderia querer?
Era o que achava e então era bom.
Até o dia 18 de fevereiro de 2012, quando a minha mãe faleceu com uma picada de cobra no maldito acampamento. Meu pai nunca foi mesmo desde aquele dia, talvez ele se culpe por a cobra não ter te escolhido, ou por ele não ter pressentido que haveria um réptil dentro da barraca, ou por qualquer outra coisa.
Minha mãe era... a minha mãe. Existe outra forma de explicar o que ela para mim? Bom... era bacana o suficiente para me deixar para baixo.
Voltei para a escola com a esperança de que fosse melhor do que o inferno que estava a minha casa, com meu irmão mais novo agressivo e histérico sempre gritando e quebrando coisas, meu pai monossilábico que passava cada vez menos tempo em casa e seu outro filho problemático que entrou em depressão: eu.
Minha mãe era o alicerce da família, a mais calma, quem resolvia todos os problemas com um sorriso no rosto e nos protegia. Ela era carinhosa, meiga e dedicada. Uma super mãe. Sua morte bagunçou tudo e ficamos perdidos a mercê do mundo.
É claro, havia o meu pai. Quase o dobro do seu tamanho, com uma voz grave e um jeito bruto; Tão bruto que se meu irmãozinho entrasse em uma das suas crises de raiva rotineiras (ele sofria de Transtorno Explosivo Iminente), meu pai preocupado se encolheria nos braços dela e ela responderia com “acalme-se, vai melhorar. Já passamos por isso antes, e vamos passar de novo”. Meu pai estava mais perdido do que nós.
Mas quando pisei os pés na escola, notei que a minha casa seria o paraíso comparado àquilo.
Percebi que o meu “amigo fiel” não era tão fiel assim, e que alguns dias longe dele foram como cem anos. Perdi meu único amigo em um momento em que fazer outro não era tão simples. Um ano. Casa, escola, natal, ano novo. Não foi tão insuportável quanto os anos seguintes, quando a solidão era um descanso dos maus momentos e não um problema.
2013. Mais sozinho. Menos pequeno. Foi quando algumas pessoas entraram na minha vida de vez. Meu ex-melhor-amigo havia ganho novos amigos, uns demônios, mas eram amigos populares e estava valendo.
Eu aguardava o toque de saída vidrado nas aulas, assim ganhei meu título de melhor da turma. Era só esperar até chegar em casa e poder respirar. Foi longo, cansativo e triste. Aquela sensação de estar perdendo anos que nunca voltariam, que poderiam estar sendo incríveis, mas desperdiçados. Prometi que a formatura valeria a pena. Prometi que o inferno passaria. Prometi que quando os rostos dos cães de Lúcifer não fossem mais visíveis, eu teria uma vida incrível.
Só me bastava esperar.
Corri para o refeitório, estava sem fila. Queria poder comprar um sorvete de morango na cantina, antes que os alunos chegassem, então eu poderia fugir para o meu cantinho solitário sem aborrecimentos.
O garoto da cantina sorriu para mim e se aproximou. Era um garoto bonito do segundo ano, deveria trabalhar na cantina para ajudar a pagar a escola, ou sei lá. Seu nome era Se... Seyun? Sehun!
– Um sorvete de morango, por favor!
Ouvi passos e risadas vindos do corredor. d***a. Eles não continuariam a aula com um vômito no meio da quadra, é óbvio. Eles foram dispensados mais cedo, o que significa que os Cães foram dispensados mais cedo. Meu estômago girou, as primeiras borboletas alvoroçadas batendo suas asas e me deixando nervoso.
Me inclinei em direção ao balcão:
– Desculpe, pode se apressar? – Sussurrei, mas o suficiente para que Sehun ouvisse e viesse de volta com um sorriso torto e o sorvete em uma das mãos.
– Não gosta de ficar junto com todo mundo? – Sorriu ao me entregar o sorvete.
– Não muito. – Aposto que também não gostaria se houvesse um bando de cães obcecados por você soltos por aí, eu pensei em dizer, mas só agradeci e corri para longe dali. Nathan havia acabado de entrar com Levi e os outros. Rezei para que não me vissem, porém quando virei e corredor, olhei para checar se havia passado despercebido e para meu azar, Nathan estava me encarando, até Lauani comentar algo com ele e o garoto rir e olhá-la de volta.
Era minha chance; o telhado me aguardava.
Como todo garoto solitário, eu tinha um lugar só pra mim. Há uns dois anos, eu peguei a chave da maçaneta e guardei. Desde então, meu lugar, o telhado da escola, onde fica a caixa d’gua e algumas tralhas, fica aberto. Incrível como a escola não providenciou outra chave, mas se um dia eles decidirem trancar, eu teria a chave.
Coloquei os fones no volume máximo, era a minha forma de silenciar o mundo; ouvia ‘Nobody´s home’. Sentei na borda do prédio e olhei para o chão, o toque. Finalmente os alunos no pátio. Levei a colher com sorvete de morango a boca. Estava tranquilo, capaz de ouvir os próprios pensamentos, balançando as perna na beirada do prédio. Mais uma colher. Pensei sobre o que ia fazer no sábado, pensei em compor uma música e sorri com a ideia. Poderia cantá-la com Camila; talvez uma coreografia, nós teriam equipamentos para fazer a música sair boa, meu pai era simplesmente o dono de uma das maiores empresas de música da América Latina.
Senti o vento bater em seu rosto e fechei os olhos. Minha cabeça estava longe. (Músicas de amor são bobas e irreais. Eu posso compor sobre sonhos.) Mais uma colher de sorvete. (O meu sonho? Artes? Ou sobre algo generalizado?).
Meu coração parou de bater. Duas mãos grandes agarraram minha cintura e me empurraram rumo ao chão. Rumo ao chão duro 18 metros abaixo de mim. Morreria. Ou morreria ou ficaria paraplégico.
Porra.
Sou abraçado por trás, apertado, e senti a respiração de alguém no meu pescoço. Foi apenas um solavanco. Um susto forte demais. Não morreria por hoje, mas meu sorvete caiu e se espatifou no jardim três andares abaixo.
Me levantei, livrei-me do abraço com a respiração acelerada e virei para o pequeno demônio agora em minha frente. Nathan. Minha reação foi impensada, empurrei Nathan com todas as minhas forças para longe de mim, mas não pareceu grande coisa, quando percebi seu grande sorriso no rosto.
– Que merda.– falei em um sopro, passei a mão pelos fios de cabelo e encarei o cão. O coração acelerado. Nathan não estava tão longe. Eu poderia obrigá-lo a me dar um novo sorvete, mas ele poderia negar e me fazer comprar um para ele no lugar, um castigo por eu não ter sido bonzinho. Alguns segundos até Nathan desviar o olhar, sem ligar, e se aproximar.
– Assustei você, princesa?- Nathan diz rindo, não como um cara gato do segundo ano, com covinhas, um cabelo legal e um corpo malhado. Ele era o próprio d***o. Revirei os olhos, apanhei meu celular, que graça a todos os deuses não tinha caído junto com o meu lanche e dei as costas para ele, saindo apressado do telhado. Bati a porta. Eu deveria saber para onde estava indo, mas não sabia na verdade.
Nathan
12 de fevereiro
Quarta
No refeitório
– E aí, idiotas?! – Nathan diz sentando na mesa com os cães. Ah, e umas...? cadelas? Sim, podemos chamá-las assim. Os garotos cumprimentaram o amigo com alguns “oi’s”.
– Vai falar comigo, não? – A de olhos verdes chamou e Nathan finalmente notou a presença de mais quatro garotas na mesa.
– Ah, oi, Lauani… – Tomou um gole da coca e voltou o olhar para além do refeitório, as janelas para o jardim. Viu Jin se distanciando com os fones de ouvido, sem seu sorvete e sorriu sem pensar.
Lauani se encolheu nos braços de Ally que prendeu o riso nos lábios.
– Vão fazer o que no final de semana? – Levi perguntou como quem não quer nada.
– Estudar. Segunda tem prova! – Ivan falou olhando diretamente para o namorado – Você vai estudar.
– Estou pensando em ir na festa do Kai- Nathan cortou a fala de Ivan – Agora se nenhum de vocês forem, vou acabar engravidando alguém...-Nathan acha Kai um saco, mais ainda os mais próximos a ele, então passaria o tempo na festa ficando com alguém.
– Eu e a Ally vamos- Lauani disse com um sorrisinho.
– A prova, gente. – Ivan tentou mais uma vez. Matheus sorriu para o amigo, como se dissesse que ia estudar com ele.
– Quando? – Levi perguntou.
– Eu te mando uma mensagem uma hora antes de ir te buscar. Se eu disser agora, o Ivan vai fazer plantão na porta da sua casa.- Nathan disse com um sorriso de canto correspondido por Levi. Ivan fez menção de se levantar da mesa, mas Matheus segurou seu braço com um olhar meigo.
– Ivan, não faz besteira. – Matheus disse em um sussurro e Ivan se manteve sentado.
– E eu? – Vinícius disse sem expressão.
– Passo de nove na sua casa, no sábado.- Nathan se levantou para sair e na mesma hora o toque de fim de intervalo tocou. Os outros foram em seguida para suas respectivas aulas.
A cabeça de Ivan estava em chamas, se Nathan não tivesse dito quando seria a festa, ele podia usar isso como desculpa para não ter tentado novamente trazer seu namorado para “o lado do bem”. Se Levi continuar como está, irá repetir de ano sem dúvida. E isso o segundo melhor a turma pode evitar, pelo menos Ivan acha que pode evitar.
É como se fosse um desafio? “Vamos ver quem tem mais influência na cabeça no seu namoradinho” Ivan leu nas entrelinhas. Como ele quer dar um soco na cara do inteligente e esnobe do grupo. Nathan está com as notas em dia e só leva Levi para o fundo do poço.
Jin
12 de fevereiro
Quarta
Noite
– Por que você tem que ser tão difícil, Jin? – Ouço Nathan sussurrar perto da minha boca até ele voltar a me beijar, era intenso como tudo nele. Suas mãos percorriam meu corpo e ele me apertava contra o seu corpo. Alisei seu rosto.
– Você não vai embora, não é?- Sussurrei, quando a gente se separou para buscar fôlego.
– Você sabe que vou ter que sair, eu sempre tenho que sair, mas eu volto – ele me olhou com aqueles olhos castanhos e eu não pude dizer mais nada, era como se ele já fosse meu.
– Não demore.
– Não vou. – Me beijou de novo e foi inevitável não sorrir. Por que eu não poderia ter aquele Nathan sempre? Por que só as vezes? Por que só quando estamos sozinhos?
– Nathan? – Levi chamou incrédulo e Nathan me soltou no chão. Os cães de lúcifer estavam ali, rindo de mim e Nathan também. As risadas aumentaram e o ambiente ficou quente. Seu rosto se transformou em um rosto deformado, enquanto me olhava com seu sorriso malicioso.
– Tchau, princesa. – E o meu chão evaporou. As risadas altas. O calor. E a queda livre.
Acordei suando e a respiração acelerada, já era a terceira vez que eu sonhava com Nathan.