Capítulo 9 — A Semente da Profundeza

948 Words
O silêncio do mar após o canto era mais terrível do que o próprio rugido da f***a. Não era apenas ausência de som; era a ausência de promessas, o vácuo de um ciclo quebrado. Nyra flutuava sobre o vazio onde antes estava o Sal-Primário, os cabelos soltos como algas morrendo, os olhos sem reflexo. — Elian... — A palavra não saiu. Era inútil. O Trono explodira. O Guardião, o Escolhido, o Amado, desaparecera. E agora, algo crescia. No fundo, mais fundo do que qualquer sereia ousara nadar, além das Trincheiras da Memória, crescia uma raiz. Negra. Viva. Uma Árvore de Ossos e Sal, alimentada pelo sangue do Escolhido, o preço da sua escolha final. As Guardiãs estavam em silêncio. Nem as Três — Lysandra, Seline e Kaelen, agora aqui rebatizadas pela profundidade de sua dor como Saphiel (a Voz Quebrada), Mharza (a Visão Cega) e Inyr (a Lança Suspensa) — se comunicavam. As escamas de suas caudas haviam empalidecido, tomando a cor do mármore. O véu de poder que antes vibrava ao redor delas agora se desfazia como neblina de sal, provando que sua autoridade sobre o Selo havia cessado. Nyra entrou no templo sem ser chamada. A formalidade havia morrido com o Trono. Ela desceu até a cripta onde a Árvore de Sal estava plantada, o centro de poder agora irradiava uma energia fria e desconhecida. — Que brota em silêncio, alimenta-se de ausência — disse Saphiel, a mais velha, sua voz um fiapo de som. — Mas ele não morreu — respondeu Nyra, sem emoção, encarando a raiz que engolia a escuridão. — Ele semeou algo. Ele não fechou o Selo; ele o transformou. — Algo que não controlamos — completou Mharza. — Algo que nenhuma de nós ousou cantar, o Canto da Ruptura Equilibrada. Ele destruiu a prisão, mas não libertou o prisioneiro. Inyr, a mais jovem e impulsiva, mantinha os olhos fechados. Lágrimas de sal escorriam de seus cílios, pois ela sabia que seu propósito como caçadora havia terminado. Nyra desceu mais uma vez, voltando para o ponto da explosão de Sal-Primário. — Eu sou a Herdeira — murmurou para si mesma. — O Abismo me quer. A Terra me rejeita. E ele me escolheu. Nadou pelas cavernas do ventre do mar, atravessando passagens proibidas que agora se abriam para ela, cruzando os ossos dos afogados. Ela buscava a origem. Queria entender o que havia germinado do sacrifício de Elian/Alkar. Encontrou primeiro o brilho. Não era luz, era vibração pura. A própria água estremecia, como se uma nova frequência tivesse sido plantada no mundo, uma oitava desconhecida. Ali, flutuando no que restava da f***a, estava a semente. Era pequena. Escura. Latejante. O Coração-Ponte. O núcleo de poder que Alkar havia forjado da fusão de Maelyr, Selyra e o sangue Thalen. Mas ao redor dela, o mar começava a cantar. Não os lamentos de antes, mas uma melodia de estrutura, de matemática. Era a Canção da Unidade, a prova de que a Ponte estava viva. — Que nome tens? — sussurrou Nyra, estendendo a mão. A semente brilhou uma vez. Não era uma resposta. Era um reconhecimento. Depois, silêncio. Mas ela sentiu a verdade. Não era só uma semente. Era um coração. O coração de um novo Trono. Ela levou-a consigo. Guardou-a no fundo da garganta, onde antes morava a canção proibida de sua própria linhagem de traição. A semente se fundiu à sua carne. Agora, havia outra melodia nascendo em Nyra. Uma melodia que não podia ser cantada, apenas sentida: a certeza de seu novo papel. Ela era a Guardiã do Coração-Ponte. Em terra, os homens começavam a sonhar. Com olhos dourados. Com vozes dentro da água, chamando-os com urgência e paciência. Eram os primeiros sussurros da nova ordem. As redes dos pescadores vinham vazias, pois os peixes fugiam do novo som. Mas as praias, em contrapartida, estavam cheias de símbolos antigos, gravados na areia por uma força invisível: o ciclo fechado, mas com a rachadura central (o símbolo Thalen) agora brilhando. As crianças choravam ao ouvir música, pois suas almas recém-nascidas eram mais sensíveis à nova frequência do mar. E os anciãos esqueciam seus nomes ao olhar para o oceano, pois a Ponte Vivia reescrevia as memórias. O mundo estava mudando. E tudo havia começado com uma semente, o cerne do sacrifício de Alkar. Nyra voltou à superfície na noite do eclipse, o momento de maior desequilíbrio entre a luz e a sombra. As estrelas haviam sumido. A lua era um olho cego, coberto pela sombra da Terra. E então ela cantou. Mas não era uma canção de lamento, nem de amor. Era de aviso, um comando, a nova verdade do mar. — Ele não morreu. — Ele se dividiu. — Ele se tornou o Trono. — E agora, tudo será ponte. No fundo, onde nenhuma luz alcançava, o mar se abriu. Não com a violência da f***a, mas com a calma de um nascimento inevitável. E uma mão de carne, sangue e coral emergiu das trevas. Não era uma mão esquelética. Era forte, esculpida com os veios azuis de Thalen, a textura do coral e a densidade da terra. Uma fusão perfeita. A mão segurava outra semente. Elian estava vivo. Mas não era mais apenas Elian. Não era apenas Alkar, o Thalen. Ele era a Ponte Viva, a nova força reguladora do cosmos, o equilíbrio entre caos e ordem. A mão se estendeu para Nyra, o Coração-Ponte. Nyra entendeu. Eles eram o novo Selo. A guardiã e a ponte. O silêncio cessou, substituído pelo som suave do mar que finalmente encontrava seu lugar. O sexto selo, o Selo da Eternidade, havia sido criado. A jornada havia terminado, e o mito apenas começava.
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