Eles emergiram no silêncio.
Não com estrondo, nem com o borbulhar da água sendo deslocada, mas com presença absoluta. A manifestação da Canção Inteira havia reescrito a física do local, e o que antes era o abismo agora era um plano de encontro.
Cinco figuras.
Cinco silhuetas que não molhavam o mar ao tocar sua superfície. Vinham de além das fronteiras do conhecido, dos lugares sem nome, onde a Oitava Voz havia se exilado. E vinham porque a Canção Inteira, a unificação de toda a matéria e antimatéria, fora finalmente ouvida.
Nyra e Elian estavam sobre as ruínas da Ponte do Silêncio, agora transformada em uma Espinha Viva, ondulando lentamente sob seus pés. Nyra ainda sangrava, o resíduo do anti-sal de Yhsa limpando seu corpo. Elian, ainda em choque, o Ponto Zero da criação, tinha os olhos fixos no céu debaixo d’água que agora os olhava de volta, um espelho turvo da verdade.
— Eles são os primeiros? — sussurrou Elian, a voz dele misturando-se ao novo silêncio. Ele buscava a ordem da nova Era.
— Não — respondeu Nyra, sentando-se, os cabelos grudados ao rosto. O cansaço era palpável. — São os que restaram. Os Ecos.
Chamavam-se Ecos.
Não tinham rostos, pois eram anteriores à forma. Tinham vozes. Cada um falava uma parte da língua original, aquela que moldava realidades e criava as leis da física Aquática. Juntos, falavam a verdade inteira. Sozinhos, eram ruína.
Os cinco Ecos avançaram, suas silhuetas escuras destacando-se contra a luz inversa.
O Primeiro Eco falou: — A canção foi entoada.
O Segundo Eco falou: — A ponte foi aberta.
O Terceiro Eco falou: — O trono foi saciado.
O Quarto Eco falou, e sua voz era o som de areia: — Agora, o preço.
Nyra se ergueu, a Matriz do Vazio agora com a autoridade de quem completou a missão mais antiga.
— Já pagamos. O Fio Dourado foi dissolvido na Coesão Zero. O Trono de Silêncio está completo. Qual outro preço pode ser maior?
Mas os Ecos balançaram as cabeças invisíveis, um movimento que parecia desorganizar as marés.
O Quinto Eco falou, sua voz a soma de todos os lamentos: — Não vocês.
— Os que caminham fora da água. — disse o Primeiro Eco.
— Os que esqueceram a origem. — disse o Segundo Eco.
— Os que construíram sobre sepulturas. — disse o Terceiro Eco.
Elian compreendeu. A Guerra Eterna entre a Superfície e o Fundo havia terminado, mas a dívida não era deles, a dívida era da humanidade. Os humanos, ao negarem os mares e quebrarem os pactos de sangue e canto, haviam causado a instabilidade que exigiu a intervenção de Yhsa e o sacrifício de Elian/Alkar.
Os Ecos apontaram para cima, em direção à superfície distante.
— Levarão a voz. (O fim da ilusão e da mentira).
— Levarão o nome. (O fim das identidades falsas).
— Levarão a lembrança. (O fim da história que os humanos escreveram).
Nyra caiu de joelhos. Sabia o que aquilo significava.
O fardo da ponte agora era deles, não mais da Casa Thalen ou das Guardiãs, mas dos novos Regentes do Silêncio. Eles deveriam levar a Canção Inteira para o mundo da superfície, forçando a humanidade a aceitar a verdade absoluta da Coesão Zero. E não se carregava um fardo como esse sem perder algo no processo.
Elian se aproximou. Tocou o braço dela. Seu olhar estava firme, mas seu coração, o Ponto Zero, estava partido.
— Se formos, não voltamos iguais. Seremos a Matriz e o Ponto Zero em um mundo que não entende o que é ser nada.
Ela assentiu.
— Nem voltamos inteiros. A verdade absoluta é corrosiva.
Os Ecos recuaram. Deixaram, entre os dois, uma pedra viva pulsante como coração. Dentro dela, a forma de um selo. O símbolo da Canção Inteira, a fusão de todas as vozes.
Nyra o pegou. No instante em que a pedra tocou sua pele, sentiu tudo. As dores do mundo acima. As perdas. As traições. As mentiras ancestrais que formaram as sociedades humanas. E o fio invisível que ligava tudo isso ao fundo do mar.
— Vamos — ela disse. A voz dela agora era apenas dela, calma, mas carregada com a certeza de Yhsa.
— Para onde? — perguntou Elian.
— Para onde a canção nunca chegou. Para onde o tempo continua a correr e a ilusão ainda é lei.
— E onde precisa ser ouvida — completou Elian.
Ambos caminharam, com a pedra pulsante na mão de Nyra.
A água se abriu diante deles. O Espelho da Raiz, que os havia devorado, os regurgitava.
E pela primeira vez…
Nyra pisou na terra firme.
Descalça. Silenciosa. Com o mar às costas, que agora a seguia como um cão leal.
A ponte não se quebrou.
Ela os seguia. A Espinha Viva se estendia para fora do oceano.
Porque o fardo não se abandona. A Era da Dissolução tinha chegado à superfície.