MAYA NARRANDO
Depois daquela madrugada… nada mais foi igual. Nem eu. Nem ele. Nem o ar que a gente respirava debaixo do mesmo teto.
Eu fingia normalidade. Fingia que o Dante era só o mesmo de sempre. O homem que entrava e saía de casa calado, com o celular na mão e a pistola na cintura. Mas dentro de mim… tudo gritava.
Ele virou uma obsessão silenciosa. Daquelas que você não tem coragem de contar nem pra amiga mais próxima. Que você guarda no fundo do peito, trancada, com medo de explodir e destruir tudo ao redor.
Eu olhava pra ele e via tudo. A força. A presença. O perigo. O domínio. E era justamente isso que me deixava molhada.
Não era sobre carinho. Não era sobre cuidado. Era sobre a forma como ele existia no mundo. Como ele tomava espaço. Como ele carregava o peso de tudo nas costas e ainda assim não se curvava pra ninguém.
Eu sabia que era errado. Que ninguém entenderia. Que se eu falasse, me chamariam de doida, de carente, de qualquer coisa. Mas era o que eu sentia. Ele era tudo que eu queria. E tudo que eu não podia ter.
Comecei a prestar atenção em cada detalhe. O jeito que ele acendia o cigarro na varanda. A forma como tirava o relógio antes de entrar no banho. O cheiro dele depois da rua — suor misturado com perfume amadeirado e pólvora.
Eu sabia o som do passo dele subindo a escada. Sabia a hora que o portão da garagem batia. Sabia quando ele tava irritado só pelo barulho da chave na porta. E mesmo ele sendo distante, frio, duro… eu via tudo. Porque eu sentia tudo. Toda vez que ele passava por mim, meu corpo arrepiava. Meus m*****s endureciam. Minhas coxas se apertavam, querendo disfarçar a vontade. E eu aprendi a esconder. A ser silenciosa na minha obsessão.
Sorria quando ele chegava, sem olhar demais. Usava roupa folgada, mesmo querendo mostrar cada curva. Não deixava meu olhar demorar nos braços dele, nas mãos dele, na boca dele. Mas era difícil. Porque ele era… tudo. Eu já tinha saído com outros caras. Já tinha ficado com uns meninos da academia, uns playboy do asfalto, uns metidinhos da faculdade. Mas nenhum deles me fazia tremer com um olhar. Nenhum deles me fazia gozar só de lembrar da última vez que ele puxou o cabelo da babá na sala.
Ele nem fazia ideia. Mas eu era dele. Inteira. Mesmo sem nunca ter encostado em mim. E isso… era o que mais me torturava.
Porque ele era o homem que minha mãe amou. O cara que me criou à distância. O nome que botaram como responsável na minha matrícula da escola.
Mas ele também era o único homem que me fazia morder os lábios até sangrar. O único que fazia minha calcinha molhar com uma simples ordem:
— Fecha a porta. Tá muito barulho lá fora.
E eu obedecia. Sempre obedecia. Mesmo sem querer, ele já me dominava. E nem sabia. Eu tentei. De todos os jeitos possíveis, eu tentei. Me arrumava mais. Descia pra tomar café mesmo sem fome, só pra cruzar com ele na cozinha. Botava short curto, camiseta colada. Soltava o cabelo. Passava gloss. Fingia que tava distraída só pra ele passar por mim.
Andava pela casa como quem não queria nada. Me abaixava demais, esticava demais, cruzava as pernas de um jeito que eu sabia que chamava atenção. Mas ele… nada. Nem um olhar atravessado. Nem uma piscada. Nem um “tá bonita, hein”. Era como se eu fosse invisível. Como se meu corpo não gritasse toda vez que ele entrava em casa. Como se ele não percebesse que eu tremia quando ele falava meu nome. E isso… doía.
Porque eu sabia que eu tava diferente. Sabia que eu era mulher agora. Sabia que qualquer outro cara já teria tentado alguma coisa. Mas ele não. O Dante era um muro. Frio. Fechado. Imóvel. E isso só me fazia querer mais. Me fazia insistir.
Comecei a chegar mais perto. A ficar no sofá quando ele tava vendo TV. A pedir ajuda com coisa boba — tipo abrir pote, trocar canal, pegar algo no alto. Qualquer desculpa pra ele me encostar. Me notar. Mas nada. Ele pegava, resolvia, largava, e seguia. Como se meu cheiro, minha pele, minha presença… não significassem nada. Até que um dia… ele apareceu com uma mulher.
Eu tava na sala, pintando a unha do pé, quando ouvi o portão abrir. Levantei a cabeça e vi. Ela entrou rindo, pendurada no braço dele, com uma roupa apertada e um perfume forte.
— Maya, essa aqui é a Gabi.
— Oi, linda! — ela disse, toda sorridente.
E eu? Eu sorri. Falsa. Fria. Com o coração despedaçado.
Fui pro meu quarto, fechei a porta, e chorei. Chorei como se tivesse levado um tiro. Como se alguém tivesse arrancado alguma coisa de dentro de mim à força. Porque ele tava ali. Na minha casa. Com outra. Tocando ela. Dando pra ela o que eu sonhava toda noite.
E o pior… ela era linda. Mais velha. Mais solta. Daquelas mulheres que sabem exatamente o que fazer com um homem como o Dante. E eu… eu era só a garota que ele criou de longe. Que ele nunca tocou. Nunca enxergou.
Naquela noite, eles transaram. Eu ouvi. Da minha cama. Encolhida debaixo do cobertor, com o travesseiro enfiado na cara.
Cada gemido dela era uma facada. Cada estalo, uma tortura.E foi ali… que eu jurei pra mim mesma: Um dia ele ainda vai me ver.
Eu aguentei tudo calada. A Gabi entrando e saindo dessa casa como se fosse dona. Rindo alto. Sentando no colo dele. Mexendo nas coisas. Usando os copos preferidos da minha mãe. Dormindo na cama que já foi dela. Transando com ele na mesma sala onde eu passei anos brincando de boneca.
Eu aguentei. Cada beijo. Cada risadinha. Cada vez que ela me chamava de “fofa”. Mas todo mundo tem limite. E o meu… ela passou.
Foi num sábado. A casa cheia de sol, eu de short e top, ouvindo música baixa na sala, só de boa. Ela desceu da escada revirando os olhos, do tipo que já acorda querendo guerra.
— Você não tem outra roupa pra usar, não, Maya? — ela soltou, com aquele tom de quem quer provocar.
Olhei pra ela sem pressa.
— Tá incomodada? Bota um tapa-olho.
Ela riu, debochada.
— Ai, que engraçada. Pirralha mimada. Cresceu achando que o mundo gira ao redor dela, né?
Aí pronto. Aí me perdeu. Eu levantei do sofá no impulso.
— Repete.
— Repito o quê, querida?
— Repete que eu sou mimada. Vai, abre essa boca de silicone de novo.
Ela deu um passo pra frente, sem medo.
— Mimada. Malcriada. m*l acostumada. Você acha que ele é seu pai, né? Mas ele só tem pena de você.
Eu vi tudo vermelho. Joguei o controle no chão e fui pra cima. Empurrei ela com tanta força que ela quase caiu no vaso da sala.
— Tu não fala dele. Tu não fala de mim. Tu não pisa aqui achando que é dona de p***a nenhuma!
Ela gritou:
— Seu monstro! Louca!
E eu fui de novo.
— Louca é você que acha que manda aqui! Quem tava aqui antes de você fui eu, entendeu? EU! Tu é só mais uma no rodízio dele!
Ela veio me empurrar de volta, e foi quando a gente se embolou de vez. Unha, cabelo, grito, tudo.
E então a voz dele estourou pela casa:
— CHEGA!
O Dante apareceu na sala com o rosto fechado, os olhos duros.
— As duas, agora!
A Gabi se afastou, descabelada, tentando recuperar o fôlego.
— Essa menina é doente, Dante! Tu tem que botar limite! — ela gritou, apontando pra mim.
Eu tava com o peito subindo e descendo, o cabelo pela cara e o coração na garganta.
— Se ela não sabe se colocar no lugar dela, eu vou ensinar, viu?! — ela continuou, histérica.
E eu só respondi, olhando direto pro Dante:
— E tu vai deixar ela falar assim comigo dentro de casa?
Ele me olhou. Longo. Firme.
— Sobe pro teu quarto, Maya.
Aquilo me matou.
— Sobe pro quarto? É isso?
— Maya, sobe.
— Tu devia mandar ela embora. Não eu!
— Agora.
Subi. Com a mão tremendo, os olhos ardendo. Mas não sem deixar claro, virando o rosto na metade da escada:
— Se ela continuar nessa casa, quem vai embora sou eu.
Eu subi e bati a porta tão forte que tremeu tudo. Fiquei ouvindo a briga deles lá embaixo. Depois disso… nunca mais eu vi essa v***a aqui dentro. Lógico que vieram outras. Mas todas que implicavam comigo… dava em nada no final. Por que eu não ia deixar ele em paz, nunca. Eu ai fazer inferno na vida dele com todas elas, e isso é uma promessa.