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1431 Words
MAYA NARRANDO O sol tava castigando o morro daquele jeito que faz o asfalto chiar e a pele pedir socorro. Amarrei o capacete, ajeitei o short jeans rasgado que m*l cobria metade da coxa, conferi o top branco grudado no corpo e encarei meu reflexo com um sorrisinho de quem sabia exatamente o efeito que ia causar. Minha PCX tava ali, brilhando como nova: banco vermelho, envelopada no preto fosco, placa fria, tanque cheio. Presente do Dante. Mas hoje o presente era outro — era ele quem ia receber. Porque o meu jeito de provocar começava no ronco do motor. Liguei a moto e desci no gás, cabelo solto voando nas costas, óculos espelhado refletindo o calor da rua e um ar de "manda quem pode" no rosto. A favela parava quando eu passava. Na viela, três caras no banco de concreto levantaram o olhar ao mesmo tempo. Um puxou o cigarro devagar, outro fingiu que não viu, mas mordeu o lábio. Não precisaram dizer nada. O olhar já dizia tudo. Eles sabiam quem eu era. Sabiam de onde eu vinha. Sabiam quem dormia no quarto ao lado do meu, quem andava com a Glock na cintura, quem era o nome que calava o morro inteiro. E mesmo assim, eu gostava. Gostava de sentir o peso dos olhos em mim, do respeito contido na malícia, da tensão que eu causava só por existir. Na frente da boca, os caras do radinho congelaram. Um assobiou baixo, outro sussurrou que eu tava cada dia mais gostosa. Mas ninguém mexeu. Porque mexer comigo é mexer com o Dante. E mesmo que eu não seja oficialmente "dele", o morro inteiro acredita que sou. Às vezes, eu mesma deixo essa dúvida no ar, só pra ver até onde vai o medo e onde começa o desejo. Cheguei na laje da Dani, uma das poucas amigas de verdade que eu tenho. Ela tava de short largo, com o tererê na mão, rindo com outra menina, e quando me viu soltou sem pensar: "Tu tá um nojo, hein?" Eu dei aquele sorriso debochado e respondi: "Tô me amando." Estacionei a moto no canto, sentei no murinho e fiquei ali, olhando o morro lá de cima como quem olha o próprio reino. Era o barulho dos radinhos, moleque correndo com pipa, o som de rap de fundo, e tudo aquilo era meu. Aquele mundo era meu. Aquele lugar era meu trono. E eu? Eu era a rainha disfarçada de filha. Disfarçada de menina boazinha. Disfarçada de quem ainda não explodiu tudo por dentro. Mas toda vez que eu passo com a PCX, com a roupa colada, e vejo os olhares respeitosos e famintos, eu tenho certeza: um dia nem o Dante vai conseguir fingir que não me vê. Subi pra laje com o biquíni mais pequeno que eu tinha — cortininha vermelho vinho, fio dental firme na lateral da b***a, bronzeador na bolsa. Me estiquei no colchonete, botei o fone no ouvido, deixei o sol me preparar pro próximo ataque. A marquinha veio linda, desenhada no ponto, com os pelos do braço dourando e a pele ganhando aquele brilho quente que só quem nasceu no morro entende. Passei óleo demais, no colo, nas coxas, na barriga, me virei de lado, depois de bruços, e a mente já tava longe. Já tava em casa. No corredor. Na cozinha. No Dante. Imaginava ele chegando no final do dia, cansado, suado, e me vendo passar pela sala com a marquinha ainda quente, o short de moletom e o cheiro de sol grudado na pele. Eu sabia o que tava fazendo. E fazia com gosto. Depois do banho, desci de novo pro morro. Fui até a vendinha da Rita, que além de mercado vendia umas peças escondidas só pra quem ela confiava. Perguntei se tinha chegado coisa nova e ela, com aquele sorrisinho de quem já sabia minhas intenções, puxou uma sacola debaixo do balcão. Tudo lacrado, direto de Madureira. Conjuntinho preto de renda com a******a lateral, um branco com bordado vermelho e alça fina, e um rosinha meio infantil, mas que deixava o peito empinado do jeito que eu gostava. Peguei os três sem pensar. Foi quando ela mostrou uns brinquedinhos. Um vibrador em forma de golfinho e outro que parecia um piru de verdade — textura de pele, detalhe, peso. Fiquei louca. Nunca tinha visto um daquele jeito. Voltei pra casa com a sacola escondida no fundo da mochila, coração disparado e a cabeça rodando. A Tânia da cozinha já tinha ido embora. Louça lavada, janta no fogão, portão trancado. A casa mergulhada no silêncio. Era o momento certo. O jogo ia começar. Eu sabia que ele tava pra chegar — o carro tinha passado na rua de cima e eu conhecia o ronco do motor de longe. Subi pro quarto, tirei a roupa, passei um creme com cheiro de baunilha na pele ainda quente do sol e me vesti — ou quase. Calcinha preta cavada, daquelas que somem entre as pernas. Sutiã combinando, renda fina, transparência no meio do peito. Soltei o cabelo, escovei até ele descer liso até a cintura, como uma cortina n***a. Desci com a cara mais sonsa do mundo. Me joguei no sofá, celular na mão, pernas cruzadas de propósito, sem medo e sem culpa. Quando ouvi a chave girando na porta, o coração deu um pulo de satisfação. Ele entrou. Calça jeans escura, camisa preta, celular na mão, olhar pesado de quem passou o dia apagando incêndio. Mas assim que me viu, travou. Fingi que não percebi. Continuei ali, passando o dedo na tela como se estar de calcinha e sutiã no meio da sala fosse coisa de terça-feira. — Que que é isso? — ele perguntou. — Ué… eu nunca sei quando você vai vir pra casa, né? — respondi, fingindo surpresa. Ele não respondeu. Só me olhou. Firme. Em silêncio. — Vem cá, senta aqui. Quero te contar umas coisas que pensei pro meu aniversário — insisti, batendo de leve no sofá ao lado. Ele sentou, meio duro, e eu continuei como se nada fosse. Falei que queria sair com os amigos, fazer algo diferente, curtir os dezoito como nunca. Sugeri uma noitada, quem sabe até um after. Quando soltei essa, ele repetiu com estranhamento: “After?” e eu confirmei, com aquele tom doce: "É. Eu gosto de aproveitar, né? Só se vive uma vez." Mas ele não me olhava no rosto. O olhar dele tava preso no vão da minha perna, onde a calcinha sumia, onde o tecido m*l cobria a pele, onde a provocação era óbvia. Cruzei as pernas bem devagar, descruzei de novo, virei de lado pra empinar ainda mais o peito dentro do sutiã leve. — Ah… e lembra daquele presente que eu te pedi? Do silicone? — falei, fingindo doçura enquanto sorria feito uma v***a treinada. Ele continuou em silêncio. — Tô pensando em marcar pra depois do aniversário. Acho que vai combinar mais com os looks novos que eu comprei. Tem uns bem… ousados. O silêncio dele falava mais que mil palavras. Cada segundo calado, com os olhos grudados no meu corpo, era melhor que qualquer elogio. Ele não dizia, mas tava sentindo. E eu sabia. Antes que eu pudesse ir mais longe, o celular vibrou. Vi o nome no visor, levantei com calma e disse como quem só vai buscar um pastel: — Ihhh… vou pra rua. Ele levantou o olhar, ainda sentado no sofá, com a mão firme no joelho e os ombros tensos. — Com quem? Já subindo os primeiros degraus da escada, respondi: — Ah, com o mesmo menino de sempre. Um amigo. Parei no meio da escada, virei por cima do ombro e deixei escapar: — Nós vamos comer. Falei com naturalidade, mas por dentro meu sangue fervia. Sabia exatamente o que eu tava fazendo. Quando pisei no terceiro degrau, a voz dele veio mais alta e dura: — Que menino, Maya? Parei. Não virei o rosto. Encostei o ombro na parede e respondi sem olhar pra ele: — Um amigo, ué. — Não tô sabendo de amigo nenhum. Que amigo é esse? Ele já tava de pé. O corpo dele inteiro denunciava que alguma coisa ali bateu diferente. — Não vai não — ele disse, firme. — Por quê? — Porque tá muito tarde. E o morro não tá muito bom pra tu ficar saindo essa hora não. Virei devagar. O cabelo escorregou pela minha cintura, cobrindo metade do sutiã. E foi ali, no meio da escada, com ele de pé na sala, que eu soube: o jogo tinha virado.
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