Passaram-se anos. Eu construí uma alcatéia no mesmo local,para lobos solitários e refugiados. Muitos me temiam mas aceitaram ficar no local em troca de proteção. Todos os dias treino para domar a fera que existe dentro de mim. Isso com certeza me deixaria como alguém mais poderoso,o domador do hispo,talvez.
Continuei com meu trabalho no parque, Liphe continua me ajudando a escapar nas horas que preciso. Agora mais do que antes. Ser um Alfa tem suas vantagens,e também as desvantagens. Sou muito procurado e incomodado. Diferente dos outros Alfas não tenho um emprego milionário,isso me torna um homem comum por aqui. Encontrei o meu Tau, o nome dele é Elikan. Um Lycan puro que estava fugindo de caçadores. Ele me ajuda muito na alcatéia já que é mais sociável do que eu.
Hoje é só mais um dia normal aqui no aquário dos tubarões,a Ângel os chama para mostrar aos turistas e eu observo tudo como um bom gerente. Liphe alimentava as baleias e cada um fazia seu trabalho,após observar todos eu volto para a minha sala onde preencho alguns papéis. Tudo está calmo como sempre,e isso me alegra,ao menos até a hora que voltarei a alcatéia.
Passo o dia inteiro supervisionando e ajudo a fechar o local,todos já foram e apenas eu e Liphe permanecemos aqui.
- Vai a festa da cidade? - Pergunta ele fechando as alas. - Eu soube que vai ser bem legal e que várias garotas...
- Não estou interessado. - O interrompo antes que ele comece a falar que eu deveria ter uma namorada. Tomo minha poção e o aguardo do lado de fora encostado ao carro.
- Deveria se divertir... - Ele fecha os portões e entra na caminhonete batendo a porta com força. - Uma vez na vida.
- Já disse que não gosto disso... Ainda não me controlo. - Tento explicar,sendo que esse não é o real motivo. Eu sinto como se de algum jeito eu estivesse traindo alguém é isso me deixa mais furioso. - E minha alcatéia precisa de mim.
- Tsc. - Ele estala a língua em desdém. Não era de total mentira,mas também não era verdade. Elikan cuidava muito bem da alcatéia e tudo era paz quando eu estava fora,quando eu chego parece que roubo a vida de todos que ficam parados e quase sem respirar. É como se o mundo girasse de forma lenta.
Afasto os pensamentos e dou a partida,devagar dirijo pelas ruas da cidade que não são muito movimentadas as 20:00 horas da noite. Deixo Liphe em sua casa e vou dirigindo com caltela para a floresta,onde fica meu pequeno hábitat natural. Minha alcatéia é constituída de trinta pessoas,e apenas dez são fêmeas. Se tornar um lobo para uma mulher pode ser sua morte,muitas morrem no processo e outras na transformação. As que temos são ômegas,lobas frágeis e dóceis que já tem companheiros. Meus Betas.
Volto e vejo que acenderam a fogueira,aceno para Elikan e entro em minha casa,vazia,escura. Era assim que eu sempre estava. O único que tinha acesso a minha casa era Elikan,por ser meu Tau. Fora ele nenhum mais ousava se aproximar,meu lobo criou uma espécie de dominância em volta casa onde eu sou forçado a viver sozinho.
Tiro a blusa e a coloco no cesto,tiro o resto das minhas roupas e as deixo caídas no banheiro,logo entro debaixo do chuveiro e fico lá parado encarando minha mão no azulejo,a água escorre por meu corpo cansado e sinto a vontade de sumir pelo ralo igual a ela.
Saio e envolvo minha cintura com uma toalha,pego outra e seco meus cabelos negros, passo ela no espelho a minha frente deixando meu reflexo visível. Pele morena, sobrancelhas negras e grossas, nariz arrebitado,meu olho esquerdo é verde e o direto é cinza. Uma cicatriz que passa da minha sobrancelha direita até a bochecha,outras três no pescoço,várias no abdômen,sem contar com as costas. Feridas feitas por Alfas,nunca cicatrizam.
Parei de encarar meu reflexo no espelho e coloquei uma calça de moletom, uma regata fina, um tênis de corrida e fui para a floresta. Não correr mas sair de perto da alegria daquelas pessoas. Normalmente acabo estragando tudo. Sento em uma raiz de árvore e fico encarando as estrelas,contando elas. Sempre costumo fazer isso quando estou sozinho.
Escuto a festa acabar e passos se aproximando. Sei que é Elikan. Ele se senta um pouco distante de mim e cruza os braços encarando as estrelas.
- Um dia meu amigo você vai encontrar a sua estrela. E ela vai te guiar. - Seu tom era sério. O que ele não costuma usar. - Nós encontraremos.
Meus olhos se voltaram as estrelas e minha mente ficou repercutindo sua frase. Não via muito sentido. Até que meu lobo ficou agitado com as palavras,ele estava falando de companheiras de alma.
- Monstros não tem alma. Feras não sentem amor. - Era a minha resposta para tudo. Ele riu pelo nariz e se pôs em pé. Sem perca de tempo comecei a caminhar o lado dele.
O caminho foi silencioso,ele respeitava minha dor,e eu respeitava seu entusiasmo. Torcia para que Elikan achasse logo sua companheira,assim iria parar com suas galinhagens pela cidade. Me dispeço dele e entro. Me sento encostado na porta e fico encarando as escadas,como eu fazia todos os dias,ali mesmo eu adormeci,como se fosse a cama mais confortável do mundo.
O que na manhã seguinte não foi a melhor das hipóteses. Acordei com alguém tentando derrubar a porta. Cada batida era como se fosse direto na minha cabeça. Murmurei sentindo dor e passei a mão na parte de trás da cabeça enquanto recebia as batidas. Relutante levantei do chão e olhei para o celular,marcava exatas 04:00 horas da manhã,o céu ainda estava em tons azul escuro,passei a mão nos olhos e respirei profundamente tentando me acalmar. Abri a porta e vejo alguém apavorado. Elikan.
- Perdeu alguma coisa aqui? - Cruzo os braços sobre o peito me esforçando para olhar da forma mais pacífica possível. Porém na minha face e na minha voz estavam perceptíveis os traços de raiva.
- Dom,achamos rastros de vampiros. No lado norte da reserva. - Se tinha algo que eu odiava eram vampiros.
Sai correndo para aonde ele apontou,senti vários betas atrás de mim. Foram vastas áreas esquadrinhadas a procura dos vampiros. Nada encontramos. Frustrado quase matei um dos meus Betas. Elikan interviu a tempo e lhe levou para o hospital. O garoto havia tentado me contrariar, provavelmente não tinha amor a própria vida. Após vários socos sinto um cheiro de morangos,saio atrás desse cheiro como se fosse ouro. Procuro dentro da floresta mas ele me leva para outro lugar, cada vez mais vou me afastando da reserva.
- Dom, é melhor voltarmos. - Falou Elikan segurando em meus ombros, o empurrei e o olhei de soslaio. Meu lobo estava furioso.
Ouço o barulho de água, o riacho. Me aproximo dele e ao longe posso ver um corpo. As pernas estão dentro da água e o tronco na margem, ainda está respirando. Corro em direção ao pequeno ser que está ali, era um garoto,um pequeno garoto que aparentava ter seus sete anos. O cheiro não vinha dele, mas de repente sumiu. Peguei o garoto e o levei para uma pequena enfermaria que tinhamos,sob os cuidados de Elliot, nosso médico.
- O garoto ficará bem, aparenta ter desmaiado mas não se afogado. Não se preocupe Alfa. - Assinto e o deixo em observação.
Saio e volto para a floresta, tentei sentir o cheiro novamente mas nenhum rastro podia ser sentido mais. O que estaria acontecendo comigo? Sinto Elikan se aproximar.
- Para você ter voltado de ter Algo errado. - Ele parou ao meu lado esperando que eu falasse. Mas, bati em seu ombro e voltei para a alcatéia o deixando sozinho.