" Quando você perde alguém que ama, a dor da partida deixa sequelas e uma delas é o vazio no peito que nunca será preenchido por nada. Dizem: " Que o tempo cura tudo!"
Mentira, ele não cura. Você aprende a conviver com a falta que essa pessoa faz e com a saudade, mas essa m*l***a ferida não fecha, pode passar o tempo que for. "
Por: Raffaello D'angelis
Genaro , meu pai, sempre foi um homem bruto e frio. Não me recordo de um abraço ou beijo que eu tenha recebido dele, assim como nunca presenciei momentos de ternura entre minha mãe e ele.
Tudo era tão seco. Certa vez, na minha tenra idade, ouvi por de trás da porta do escritório uma discussão entre os dois. Meu pai amaldiçoava o dia em que se casou com ela. Lembro perfeitamente da voz chorosa de Analice, pedindo para ele não dizer aquelas palavras.
Recordo com amargura de vê-la sair correndo daquele cômodo e se trancar no quarto.
Quando ouvi os passos dele se aproximando de onde eu estava, corri e me escondi atrás de um móvel.
Sinto ódio por tudo que Analice, possivelmente passou nas mãos de Genaro e eu longe, sem saber de nada.
Não que eu, ainda menor de idade, pudesse fazer muito contra um homem feito e, para piorar, meu progenitor.
Quando pequenino com meus cinco, seis anos ,repetidas vezes limpei as lágrimas que escorriam pelo rosto de minha mãe. Foi meu modo infantil de acalentar Analice e dizer através dos meus olhares que ela nunca estaria só, que eu estaria sempre com ela. Coisa que não pude cumprir.
Me levanto e caminho até uma estante abarrotada de livros, todos de romance. Leio ,na lombada, seus títulos com letras levemente apagadas pelo tempo e pelo uso. Sinto que minha mãe refugiava-se nestas páginas para não encarar a realidade de seu casamento fracassado. Talvez desejasse ter de meu pai um fragmento da atenção que as protagonistas das histórias que ela lia têm de seus amados.
Tão sonhadora, tão negligenciada e massacrada por um sentimento que somente ela cultivava por meu pai.
Genaro sempre olhou para Analice com desprezo. Eu era pequeno, mas via como seus olhos ficavam "duros" ao vê-la.
Ela tentava de todas as formas agradá-lo, era submissa demais, nunca retrucava uma ordem ou levantava a voz.
Mas tudo era em vão; ele nunca mudou seu comportamento para com ela. Lembro-me de que era costumeiro ele dormir fora de casa e só chegar de manhã. Sei disso porque ia dormir no quarto deles quando despertava no meio da noite por causa de um pesadelo, e meu pai nunca estava lá.
Certa vez, escutei as empregadas cochichando, diziam que era isso que acontecia quando os pais obrigavam as filhas a se casarem com rapazes ricos para manter a fortuna e o nome de prestígio. Assim que me viram, as duas se calaram. Eu ainda era criança e não entendia muito, mas com o tempo fui tomando consciência do significado daquelas palavras.
Sou despertado de meus pensamentos pela voz que invade a sala.
_ Mandarei colocar fogo em tudo, não quero ter que me lembrar dela. - diz pigarreando.
Lanço um olhar mortal em sua direção.
_ Eles agora são meus! Tudo o que for da minha mãe eu irei retirar dessa casa, levarei comigo para onde eu for!
Genaro não desvia o olhar.
_ Que seja! Segunda-feira, pela manhã, teremos a leitura do testamento de sua mãe. Portanto, você só poderá retornar ao colégio na quarta-feira. Já estou providenciando uma faculdade para você na Europa. Em três semanas, você terá dezoito anos. Já terminou o ensino técnico, está na hora de pensar no que você vai fazer no futuro.
Apenas dei um suspiro longo. Aquele momento não era "hora" de pensar em estudos, faculdades. Eu tinha perdido minha mãe de uma forma c***l, para a doença.
_ Por que só agora, pai?-Fiz a pergunta que estava presa na garganta.
_ O quê?
Retrucou com a expressão de quem não estava entendendo minha pergunta.
_ Por que só agora me trouxe para casa? Por que me manteve afastado todo esse tempo?
Genaro olhou para a sua mão direita e mexeu no anel de safira, herança que recebeu do meu avô, seu pai, no leito de morte.
_ Foi preciso, sua mãe lhe estragava!
Olhei com raiva para o homem que tem a mesma altura que eu.
_ Me estragava? Eu era apenas uma criança! - bradei com ira.
Ele deu um passo em minha direção com o dedo em riste.
_ Cale a boca, moleque atrevido, ou lhe dou a coça que nunca lhe dei. Sentirá tanta dor que...
Dei um riso sarcástico.
_ Mais dor do que está que estou sentindo?
Você tirou de mim a pessoa que eu mais amava! Você me fez crescer em um colégio interno, longe de tudo e de todos. Nem nas férias eu tinha autorização sua para voltar para casa, sempre havia um curso em algum canto do mundo para o qual você me obrigava a ir.
Meu sangue ebulia nas veias, meu coração estava a mil. A raiva e o rancor me dominando totalmente.
_ Está reclamando de quê? Sempre teve tudo de melhor! Devia me agradecer por lhe tirar do meio desse mato e te dar convivência com pessoas civilizadas e cultas. O que você acha que ganharia convivendo com esses matutos, semi-analfabetos dessa redondeza?
_ Com certeza ganharia mais do que ganhei convivendo com o senhor.
A mão de Genaro estalou forte no meu rosto, senti o gosto de sangue na boca e o nariz doendo. Limpei- o com a palma da minha mão.
_ Nunca mais se atreva a bater em mim. Nunca mais! Eu jamais vou lhe perdoar! - Disse cuspindo sangue no chão de madeira.
Meu pai riu e enfiou as mãos no bolso da calça social. Olhou para os sapatos em seus pés e depois para mim.
_Não preciso do seu perdão, não preciso de você! Você é apenas um fardo pesado que Analice deixou para eu carregar. Olhar para você é ver os mesmos olhos azuis claríssimos, cabelos ondulados e loiros, pele alva. Sua estrutura corporal nem de longe se parece com a minha, você é igual à sua mãe, uma decepção.
Era evidente o desprezo em seu modo de falar, como o canto da boca repuxava num esgar de puro escárnio.
Ele se enganava, por dentro eu era pior do que ele, herdei o pior dele e isso em breve Genaro iria descobrir.
Raffaelo D'angelis.