♠ De cara com a morte ♠

1141 Words
A cabeça doía como se alguém tivesse chacoalhado e descolado seu cérebro. Era uma sensação de ressaca múltiplas vezes pior. Um g**o se formara acima de sua nuca anunciando que havia levado uma pancada. Helena quis pensar em todas as consequências internas e neurológicas que aquilo poderia desencadear, mas doía a mente só de imaginar abrir os olhos ou raciocinar. E não era só isso, seu corpo inteiro dormia e pesava ao mesmo tempo como se o efeito de uma anestesia estivesse passando. O que diabos havia acontecido? Não conseguia se mexer nem falar, malmente podia abrir os olhos com a dor, e não se desesperou até perceber que a ausência dos sentidos não era inteiramente culpa de seu crânio recentemente atingido. Os olhos estavam quase abertos, mas nada via porque o ambiente estava escuro. Não falava por estar amordaçada por uma fita adesiva silver tape, assim como seus braços e pernas estavam imobilizadas e seu corpo jogado ao chão de um lugar desconhecido. A médica refez seus passos mentalmente enquanto tentava controlar a respiração esbaforida, dificultada pela obstrução da boca. Sua última lembrança era ter ido até o carro e depois disso tudo se apagara. Talvez o homem armado tivesse voltado antes de a polícia chegar, o que seria uma péssima notícia. O que teria acontecido com o rapaz ferido? Não deveria se preocupar com alguém enquanto seu próprio traseiro estava seriamente em perigo. Olhou em volta procurando por luz e formas, desesperando-se por estar num buraco n***o. Sem cerimônias, uma lâmpada incandescente foi acesa, irritando os olhos de Helena. Teria prestado mais atenção no cômodo se não houvesse alguém próximo à porta, de costas para ela, com a mão ainda sobre o interruptor. — Demorou de acordar, doutora — ele disse sem se virar para olhá-la. Sua voz era um som gutural que ecoou por todo o quarto num sotaque diferente de qualquer conterrâneo. — Comecei a achar que você tinha morrido com a pancada. Helena demorou a processar o que aquilo insinuava e a ficha foi caindo tão repentinamente que não soube controlar todas as emoções que sentia. O sequestrador que ainda não se revelara deu um suspiro audível de puro enfado, e de cabeça baixa, caminhou até onde a médica jazia sentada apoiada a uma parede mofada repleta de teias de aranha. Seu coração vacilou quando o estranho se abaixou em sua frente e não foi difícil reconhecer aquele rosto e a breve expressão doentia. Os olhos miúdos não eram de dor, e sim fortemente asiáticos. Era o homem que ela impediu de ser morto. A pessoa a qual jurou ser a vítima. Sua mente foi embaralhada fazendo com que a médica perdesse a linha de raciocínio das coisas. O estranho, notando as conclusões que se formavam no semblante de Helena, respirou fundo como se tivesse pena ou tédio. Ela queria tanto lhe perguntar o porquê de tudo aquilo, mas só conseguia abafar os soluços de frustração pela fita adesiva. — Você quer falar? — perguntou de maneira suave, como um médico pergunta ao seu paciente o que ele tem sentido, o que foi ainda mais assustador.  — Tudo bem, só não grite. Estou com um mau humor terrível e você não quer sofrer as consequências por me irritar mais ainda, certo? Ele arrancou a fita de sua boca num puxão impiedoso que deve ter arrancado a pele ressecada de seus lábios. — Diga o que tem a dizer enquanto estou disposto a ouvir. —Afastou-se e cruzando os braços contra o peito, olhando-a de cima. — Por quê? — gaguejou sentindo o corpo estremecer de pavor. — Eu só queria te ajudar... — Tsc, tsc, tsc — ele produziu o som de reprovação, entrecortando-a antes que começasse a implorar por misericórdia. Sua tranquilidade fazia com que Helena sentisse frios na espinha, inundando todo o ambiente fechado com uma espécie de aura macabra. — Acha que estava me ajudando? — questionou abaixando em sua frente novamente — Pois se enganou perfeitamente. Sua intromissão só atrapalhou os meus planos. — Você ia morrer! — argumentou desesperadamente, sendo parada pela mão dele que socou a parede ao lado de sua cabeça, causando estrondos em seus nervos previamente irritadiços. — Não está percebendo a gravidade da situação? — endureceu a voz, contrariado. — Você deixou meu alvo fugir e quase estragou tudo chamando a polícia. Nunca te disseram para não se intrometer na vida dos outros? Assustada com o baque e a proximidade, a médica não pôde responder nem sentia que deveria. — Eu não ia morrer — disse ao afastar-se de súbito à medida que Helena desvanecia, deixando a pele cor de cacau em nuance biliosa. — O cara que fugiu é quem deveria estar morto, mas não está. E agora, doutora? Como vamos correr atrás do prejuízo? Então, Helena caiu na real. Tinha salvado o assassino enquanto a vítima fugia, se é que naquela circunstância havia alguma vítima a não ser ela mesma. O sequestrador passou a caminhar pelo quarto com as mãos no bolso do jeans preto que vestia, pensativo. — Temos, então, uma boa e uma má notícia — contou descontraído, como se não tivesse surtado a pouco. — A má é que já que você espantou minha presa, terá que ficar no lugar dela. Mas para sua sorte não estou interessado em reféns, por isso você morrerá logo. Essa é a boa notícia. Não havendo mais o que fazer, a médica começou a chorar como não fizera em tempos. Sentia-se desesperada e dependente. Não queria morrer, não deveria morrer. Quis suplicar ao desconhecido que se manteve impávido, sem resquícios de piedade, mas o pânico fez com que as palavras embargassem em sua garganta e tudo que tentasse falar soaria desconexo e irritadiço. Sem paciência, ele a calou novamente com a fita, não pretendendo tirá-la tão cedo. — Eu não estava esperando por visitas, — comentou numa esquisita simpatia — mas sinta-se em casa, porque você não irá a lugar algum. Estarei de volta em algumas horas, e é melhor não tentar ser espertinha comigo, doutora. Antes que perca seu tempo tentando fugir, fique sabendo que não há como. Injetei diazepam em você, cortesia do seu kit médico, muito bem elaborado, a propósito. Uma dose elevada pode causar sonolência e dificuldade respiratória, não é? Então para seu próprio bem, fique quieta. Desligando a luz novamente, ele se retirou no cômodo, deixando-a sozinha no escuro, rodeada de pensamentos ruins, maus presságios e soluços infindáveis. Sim, era o seu fim. Tinha cavado a própria cova e não poderia acreditar que alguém sentiria sua falta tão rapidamente. Seus colegas de trabalho acreditavam que ela estava de férias, e sua mãe pensava que ela estaria trabalhando. Quando percebessem que ela não voltaria já seria tarde demais. Era impossível se acostumar com a ideia de que morreria dentro de algumas horas.
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