A voz dela veio do outro lado, calma demais, como se tudo o que eu dissesse precisasse ser filtrado por uma muralha.
Respirei fundo antes de falar, cada palavra pesando como chumbo.
— A Liana… passou m*l. A gente tá no hospital. Não pode ter mais estresse. Eu contei tudo pra ela.
Houve um silêncio tão cortante que eu quase ouvi o barulho do meu próprio coração. Quando ela falou, a voz vinha baixa, em pedaços.
— Eu… não sei o que dizer, Edgar.
Ela parecia surpresa, magoada e cansada ao mesmo tempo.
— Eu tô preocupado com ela e com o bebê, só isso.
respondi, tentando que a minha voz soasse firme, controlada.
— Só isso importa agora.
— Jamais quis ser o motivo da separação de alguém. Jamais quis destruir uma família.
A voz dela quebrou, e eu senti cada sílaba me furar por dentro.
Porque sabia que isso estava destruindo ela. que droga! Isso estava destruindo o pouco que eu tinha conquistado.
Não estava lidando com aquela que ela tentou me mostrar ser, não com a personagem que ela criou pra se defender de mim. Não era "Bianca" era ela...
Clarisse... A mulher que confiou em mim de novo, mesmo com tudo que passou.
Isso era um inferno. Sentir o fio se rompendo e não ter como impedi-lo.
Não segurei a fúria.
Bati com o punho na parede do corredor do hospital, um soco seco que doeu no osso.
— Diabos!
Mormurei travando a mandíbula, soltando o ar pesado.
— Eu também nunca quis que fosse assim, p***a… Não era pra ser assim!
gritei, e a minha própria irritação soou patética no ouvido dela.
Eu esperei, esperei por muitos anos. Que vida traiçoeira, quando eu menos esperei... Quando a contagem era regressiva pra enfim... Aceitar que tinha mesmo lhe perdido.
A vida me trás de volta ela... Só pra fazer chacota da minha cara e arrancar ela de mim de novo.
Não ... Não, não vai rolar!
No silêncio que seguiu, o peso daquele amor impossível parecia gritar entre nós. E então ela falou, com uma certeza que me partiu em mil.
— Edgar… eu não posso continuar com isso.
Fiquei mudo, porque não esperava aquela sentença.
— Não faz isso, Clarisse.
implorei, sem entender ainda como tentar dobrar a vontade dela.
— Não consigo!
ela cortou, firme, sem deixar espaço.
— Eu queria… eu queria muito não ligar pra isso, não ser a outra, ser fria e engolir, mas não dá! Não com você.
Minha respiração foi um lamento.
— Clarisse…
comecei, cada sílaba um pedido.
Ela não cedeu.
— Você tem um filho agora… Eu não vou ser a pessoa que vai destruir isso.
Aquelas palavras caíram como uma acusação doce e c***l.
Quase pedi que ela me perdoasse no mesmo instante.
— Eu vou dar um jeito, Clarisse. Eu comecei isso, me escuta, eu vou dar um jeito. Só não desiste agora caramba!
Ela ficou em silêncio, aquilo tudo estava me ferrando, me matando por dentro.
— Fala comigo...
A voz dela veio baixa, quase um fio de voz.
— O que você está pensando em fazer?
Mas a pergunta dela foi direta, como lâmina.
— Eu não sei.
A verdade saiu curta, rasgando. Fechei os punhos na parede e senti a palma da minha mão formigar.
Ela suspirou.
Ouvi o ar fugir no telefone, um som que trouxe à tona tudo que eu poderia perder.
— Me dá um tempo. Não desiste agora.
— Não tem jeito pra isso.
A resposta dela foi seca, final.
— Eu preciso falar com você pessoalmente… preciso que você me entenda!
disse, despedaçado, agarrando qualquer pedaço de esperança.
— Te entender?
o riso dela, contido e triste, atravessou o fio.
— É isso que você quer?
Fiz o último esforço, fechando o punho na parede até as articulações doerem.
— Eu não posso desmarcar o casamento.
A linha ficou muda alguns segundos.
Ouvi só o ruído da vida dela no outro lado, e então o clique: ela desligou.
Fiquei ali, com o celular na mão, o corredor branco do hospital girando.
A frase, eu não posso desmarcar o casamento ecoou no meu peito e soou, pela primeira vez, como uma sentença que eu mesmo não teria coragem de cumprir.
— Merda!!!!
O telefone na minha mão parecia queimar. Liguei de novo. Chamou. Nada.
De novo. Nada.
Clarisse não atendia.
Eu já estava à beira de explodir quando senti a presença dele atrás de mim.
Gusmão.
O olhar pesado, os passos firmes, como se carregasse a própria sentença.
— O que aconteceu com a minha filha?
A voz dele veio dura, sem espaço pra desculpa.
Engoli seco, tentando manter a calma.
— Ela se agitou… depois de uma conversa. Acabou passando m*l.
Ele me encarou com raiva.
— E onde você estava nesse momento?
— No quarto, com ela.
respondi, sem pensar.
O silêncio dele foi pior que qualquer grito. A correção veio como um soco:
— Você não podia estar fazendo isso, Edgar. Antes do casamento… o que diabos está acontecendo?
Meu peito ardia. O nó na garganta explodiu.
— Eu disse a ela que queria cancelar o casamento.
Os olhos dele se estreitaram, carregados de incredulidade e fúria.
— Cancelar? A dias do casamento?
Respirei fundo, mas a voz saiu arranhada, brutal.
— Porque eu não posso dar o que a sua filha merece. Nunca vou poder. Eu não a amo, Gusmão… Eu já amo outra.
O soco não veio com o punho, veio com as palavras dele.
— Chega!
rugiu, a voz ecoando no corredor.
— Ela está grávida!
O chão pareceu ceder sob meus pés.
— Ela queria que fosse especial, que você descobrisse de outra forma… mas chega de merda, Edgar! Você vai arcar com as responsabilidades! Eu te conheço desde moleque, sei da paixão que ela sempre teve por você… e você aceitou! Você brincou com ela e agora vai ser homem como eu precisei ser um dia!
Ele se aproximou, o dedo em riste como uma lâmina.
— Você engravidou minha filha, e nunca pensei que diria isso… mas vai cometer a mesma escolha que eu fiz. Vai casar com ela, vai assumir essa criança. E se ela aceitar… você vive a sua vida como eu vivi a minha. Mas ela não vai ser descartada! Seja homem!
Tremi por dentro, de raiva, de frustração de ego quebrado. sentindo o peso do mundo desabar nas minhas costas.
— Resolve isso! Eu vou ver minha filha.
Ele me deixou ali, sufocado, e entrou no quarto dela.
Eu não podia respirar.
Agarrei o celular de novo. Disquei o número de Clarisse. Chamei. Nada.
Mais uma vez. Nada.
Até que, enfim, ela atendeu.
— Fica comigo, Clarisse!
minha voz saiu como um pedido desesperado. Nem esperei ela falar nada.
— Me deixa te explicar… só preciso assumir o meu filho. Só assinar aquele papel, p***a… fica comigo!
Silêncio. Um silêncio perturbador.
— Eu te amo!
gritei, com a garganta rasgando.
— Enfrenta essa merda comigo!
Nada. Só o som do meu próprio desespero. Até ouvir um fungar.
Choro?! Mais que merda.. ela estava chorando?
Meu coração petrificou, frio.
— Clarisse… fala comigo. Meu amor, não faz isso comigo.
A resposta veio como faca.
— O… que você… quer que eu diga?
a voz dela quebrada me atravessou como ferro em brasa.
— Onde você está? Eu vou até você!
— Edgar… eu sinto muito.
— Não desliga! Clarisse!
Mas a linha morreu.
Um rugido subiu do fundo do meu peito. Apertei o celular até os dedos doerem. Olhei a porta do quarto dela.
Não.
Eu não deixaria isso acabar assim. Não de novo.
Eu precisava vê-la. Precisava.
Se a encontrasse, eu saberia arrancá-la daquela dúvida, daquela fuga. Só precisava esperar a tempestade da gravidez passar. Só isso.