Era agora... é minha única opção.

1283 Words
Donna parou na mesma hora, me encarando como se eu tivesse dito a maior loucura do mundo. Ela largou a xícara na mesa e se inclinou pra frente. — Você não faz ideia do que está pedindo, Clarisse. Isso aqui não é só glamour, salto alto e vestido caro e presentes. Essa vida cobra caro, entende? Quem entra nela… nunca mais é levado a sério. Você nunca vai construir uma família, nunca vai ser respeitada de verdade por um homem. As palavras dela cortaram fundo, mas eu não desviei o olhar. — Os homens que eu conheci só me usaram e sumiram depois. Eu não quero mais amar ninguém. Ela balançou a cabeça, impaciente. — Mesmo assim… eu não vou te colocar nisso. Meu peito pesou. Mordi os lábios, tentando segurar a emoção. — Eu sei o que estou fazendo, Donna. Eu quero poder ajudar… mas também… Minha voz falhou. Fiquei em silêncio por alguns segundos, o nó na garganta crescendo. Eu conseguir achar o perfil da minha irmã, não tive coragem de mandar solicitação nem perguntar sobre nossos pais.. Mas eu queria tanto ajudar elas. Eu queria voltar, mas com valor, com renda pra transformar a vida da minha irmã que não merecia viver como minha mãe naquela cidade. Suspirei fundo, até eu soltar de uma vez: — Eu quero ajudar minha mãe. E minha irmã. Elas merecem. E se eu for trabalhar como garçonete, não vou conseguir nem pagar esse condomínio. Imagina te ajudar nas despesas. O silêncio se instalou. Ela passou a mão pelo rosto, irritada, mas também pensativa. — Clarisse… isso não é brincadeira. Estendi a mão, segurei a dela com firmeza, como se a minha vida dependesse disso. — Eu sei. Mas eu confio em você. Sei que pode me agenciar, me encaminhar pra pessoa certa, de confiança. Ela fechou os olhos, respirou fundo. Quando abriu de novo, a expressão dela parecia cansada. — Você tem noção que não estamos falando de um trabalho qualquer? É o seu corpo, Clarisse. Soltei o ar devagar, como se estivesse confirmando pra mim mesma. — Eu sei. Deixa eu tentar. Se eu não conseguir… juro que não faço mais. Donna ficou me olhando, perdida, sem saber se brigava ou se aceitava. No fim, soltou um suspiro pesado e encostou no sofá. — Tá bom… Mas antes, precisamos achar uma nova identidade pra você. Meu coração disparou. Um sorriso escapou sem que eu percebesse. — Comprar um celular, criar uma rede social, tirar fotos sexy… Essa vai ser a sua vitrine. Tem que entender que somos um produto, Clarisse. Sempre dentro do que o cliente deseja. — Tá… respondi, quase num sussurro, mas com a certeza que queria aquilo. Ela me observou por um instante, pensativa, depois ergueu o queixo. — Hum… deixa eu ver… O que acha de Bianca? — Bianca? — Nome doce, mas forte. Atrai atenção. Dei um meio sorriso. — Eu gosto. Donna soltou uma risadinha nervosa, balançando a cabeça. — Meu Deus, nem acredito que tô fazendo isso mesmo. Eu não disse nada. Dentro de mim só existia uma certeza: eu ia crescer, conquistar o que ela conquistou. Mostrar pra todos que me subestimaram que eu podia ir longe. Quanto ao amor… esse já não fazia parte dos meus planos. Só me trouxe dor, e disso eu queria distância. Donna se levantou, deixando a xícara na mesinha de centro. — Espera… lembrei de perguntar, curiosa. — Você tem outro nome? Ela me olhou de lado, rindo de canto. — Claro. Donna é nome de guerra. Meu nome mesmo é Joseane. Acredita? Quase soltei uma risada. — Nossa… bem diferente de Donna. — Pois é. Não dava pra usar o meu, então adotei outro. Melhor coisa que fiz. Ela passou a mão nos cabelos, prendeu num coque rápido e suspirou. — Agora… deixa eu ir dormir, tô acabada. Mais tarde a gente compra esse celular e faz o seu novo perfil. Hoje você renasce, Clarisse… Hoje você vira Bianca. .... No shopping, parecia que eu tinha entrado em outro mundo. Donna ia puxando roupas das araras com uma confiança que eu invejava. Vestidos colados, com fendas ousadas, saltos tão altos que só de olhar eu já me desequilibrava. Eu nunca teria coragem de comprar nada daquilo sozinha, mas ela me olhou como se lesse minha mente. — Você precisa se sentir poderosa, Clarisse. disse, empurrando um vestido vermelho contra o meu peito. — Deixa que eu cuido do resto. No salão, minha cabeça girava com o barulho dos secadores e o cheiro de sprays. Donna pediu um corte cheio de camadas, volumoso, sexy. Eu vi meu reflexo no espelho e quase não reconheci a garota que me encarava. Horas depois, já na praça de alimentação, Donna segurava meu celular como se fosse dela. Criou o perfil, digitou rápido, sem titubear. Eu tinha tirado algumas fotos no banheiro, experimentando o vestido com a fenda... e ela postou uma delas. Eu queria protestar, mas quando vi o resultado, fiquei em silêncio. Eu estava linda. — Olha, funciona assim. explicou, a voz calma, quase profissional. — Nada de pagamento na hora, sempre antes. Eu cuido disso no começo, até você pegar o jeito. E vou instalar um rastreador no seu celular. Quero saber sempre onde você está. Assenti sem discutir. Ela parecia mais uma mãe controlando a filha do que qualquer outra coisa. Então, ela respirou fundo, me olhando direto. — Se quiser, posso te colocar com um dos meus. Um de confiança. Cara grande, experiente, bem compreensivo. Você vai se sentir segura com ele. Meu estômago se apertou. Parte de mim queria recusar na hora, mas a outra parte, a que ainda queimava com a humilhação que eu tinha sofrido, me fez erguer o queixo. — Você pode marcar. respondi, tentando soar firme, mesmo com o medo rodando dentro de mim. Depois do primeiro perfil, Donna resolveu que precisávamos de mais fotos. — Muitos têm fetiche em garotas como você. explicou, enquanto ajeitava meu cabelo. — Meiga, doce, com essa carinha de menina. E então, posamos de novo. Fotos que misturavam o sexy com o inocente. Eu de vestido leve, sorriso tímido, mas com uma f***a ousada revelando pele. Era estranho... e, ao mesmo tempo, excitante me ver assim. Donna montou um book e mostrou para o cliente. Poucas horas depois, a mensagem chegou: marcado. O frio na barriga me consumia enquanto eu me arrumava. Me questionei dezenas de vezes se estava tomando a decisão certa. Mas cada dúvida vinha acompanhada da lembrança: a humilhação, os olhares de desprezo, o abandono. Agora era minha vez de dar a volta por cima, ainda que fosse desse jeito. Donna me levou até o local: um apartamento de luxo, na cobertura de um prédio elegante. Antes de me deixar, segurou meu braço com firmeza e me encarou: — Relaxa, ele é um verdadeiro cavalheiro. Não vai forçar nada. Mas... agradar ele pode te trazer grandes resultados. Assenti, engolindo em seco. — Eu vou fazer isso. Já tinha visto fotos dele. Um homem maduro, bonito, de presença marcante. Só isso já me ajudava a manter a calma. E era Donna quem cuidava de tudo, então me sentia mais protegida. Entrei no elevador. O som metálico das portas se fechando parecia o ponto sem retorno. Meu coração batia como um tambor no peito. Quando a porta se abriu, o ar me escapou em um suspiro pesado. Ele estava ali, de costas para mim, diante da imensa parede de vidro com vista para a cidade. Um terno perfeitamente alinhado no corpo e um copo de bebida na mão. Ele se virou devagar, os olhos encontrando os meus. Meu coração disparou. Aí meu Deus. Era agora. ...
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