Capítulo 10

1760 Words
EU NÃO CCONSIGO aceitar, meus sentimentos estão aflorados nesse momento. Não posso acreditar que quando finalmente conheço a mulher que me gerou, me deu a luz, me deu a vida, irei perdê-la. Cinco meses não são o suficiente para alguém que ficou dezenove anos sem saber de sua existência, eu preciso de mais. E farei o possível para ter mais. O médico me guia até seu quarto hospitalar. Sei que Marjorie não deve ter gostado, mas se ela desistiu de lutar, sinto muito por ela, mas a minha está apenas começando. Adentro o comôdo e observo as paredes brancas ao nosso redor, me aproximo de sua cama e me sento próximo, em uma cadeira que havia ali. — Eu estarei deixando vocês a sós. Ela deve acordar em breve. — Ele se retira me deixando sozinha com Pilar. Encaro seu rosto sereno enquanto dorme. As olheiras abaixo de seus olhos estão maiores, mostrando o quão cansada ela está. Seguro em sua mão e aliso sua pele macia, meus olhos ardem, e não demora para que lágrimas escorram por minha face. Sinto ela se mover mas meus olhos estão embaçados demais para notar que ela abriu os olhos, até sua voz fazer-se presente. — Oh, Maitê. Eu sinto muito — sua voz falha ao dizer e eu passeio minha mão abaixo de meus olhos limpando-os. — Porquê me escondeu, Pilar? — Não queria que você ficasse assim, como está agora. — E como eu estou agora, Pilar? — Solto sua mão devagar e trago as minhas para meu colo, descansando-as. — Triste, com culpa, como se pudesse mudar meu destino. — Mas eu posso, eu posso tentar, eu posso ser compatível. Por favor, Pilar, me permita fazer o teste de compatibilidade — murmuro com a voz falha. — Eu não tô pronta pra te perder, acabei de lhe conhecer. — Maitê, minha filha. Marjorie não foi compatível, e foi uma tristeza quando ela soube disso. Ela pode parecer durona pra você, mas é porque ela ainda não foi capaz de se abrir, e também há mágoas em seu coração que ainda não foi retiradas — sua voz sai falha e não demora para ela começar a tossir. — Não sei se vou aguentar ver esse olhar em você. — Não vai, porque eu serei compatível. Deixa eu ao menos tentar, por favor? É algo que eu posso fazer, então me deixe fazer. Imploro, segurando novamente suas mãos. Elas estão feias e tremem. Sua pele está pálida e sua feição cansativa. Eu não posso acreditar que eu cheguei tarde demais. Nunca tive uma mãe que me olhasse com tanto carinho, que tivesse medo e preocupação por mim. Agnes, por outro lado, tinha preocupação somente por sua imagem. Era por isso que surtava toda vez em que eu saia para alguma festa arrastada pela Mia, ou quando eu demorava a chegar em casa. Não havia outra explicação, inclusive ela deixava isso claro e jogava na minha cara coisas como: " Você tá destruindo nossa imagem" "Péssima filha" Fico me perguntando o porquê ela se sujeitou a gastar com uma fertilização, se sequer gosta da filha. — Tudo bem, Maitê. Se você quer tanto.. — Ela volta a tossir e eu me levanto do cadeira, soltando suas mãos. Me aproximo de seu rosto e deposito um beijo sobre sua testa. — Obrigada por lhe dá essa chance, por me dá essa chance. Vou deixar você descansar, ainda teremos muito tempo, viu? Me afasto e limpo as lágrimas que haviam caído e eu sequer havia percebido. Ofereço-lhe um sorriso cálido e giro meu corpo, abro a porta e do outro lado, observo o médico que estava ali perto, creio que para entrar no quarto. — Doutor, podemos conversar sobre o teste de compatibilidade? [...] Ficamos cerca de meia hora em sua sala. Ele me explicou como funciona a leucemia mielóide aguda, e meu desespero aumentou quando ele me disse que é o tipo de leucemia mais agressivo, e que é sorte Pilar ainda está suportando. A falta de quimioterapia só piorou a sua situação, e me pergunto o porquê da mulher ser tão teimosa. Talvez Marjorie tenha a quem puxar. — Pode me explicar como funciona o teste de compatibilidade? — Maitê, serei sincero com você. As chances de você ser compatível são mínimas. Pois você não tem o sangue da Pilar, correto? — Assinto, cruzo minhas pernas pois elas estão tremendo sem minha autorização, de tão nervosa que eu estou. — Iremos pegar amostra do seu sangue e de Pilar, fazer vários exames de compatibilidade, chamado histocompatibilidade. As possibilidades são mínimas, mas sei que você quer tentar mesmo assim, mas fique ciente que o resultado pode não ser bom, querida. — Eu sei, eu estou ciente. Mas eu preciso muito tentar, doutor. Ele assente e pega o telefone sobre a mesa e liga para alguém vim coletar o meu sangue e o de Pilar. Meu estômago tá embrulhado e o medo habita em mim. Não sei qual será minha reação caso eu não seja compatível. Uma mulher de jaleco branco adentra o cômodo com uma bandeja, que imagino ser os instrumentos para a retirada de sangue. Estendo meu braço sobre um ferro de coleta e logo ela coloca uma borracha para ajudar na coleta. Grunho quando a agulha entra em minha pele e fecho meu olho para não ver o sangue, não demora muito para que o elástico se solte do meu braço e abro meus olhos, e observo que já havia acabado. — Irei retirar o sangue da sua mãe e em meia hora o resultado sai, ok?  Balanço minha cabeça como entendimento e seguro o algodão sobre minha pele, logo ela sai da sala e eu encaro o médico. — Obrigada, de verdade. Mesmo sabendo que eu posso não ser compatível, você me deixou tentar mesmo assim. — A esperança é a última que morre, Maitê. E sei que Pilar também pensou assim quando mudou de idéia. Me despeço dele e volto para a sala de espera. Marjorie ainda tá lá, apreensiva e preocupada. Não julgo, pois estou do mesmo jeito, se não pior por causa do futuro resultado dos exames. — Maitê, então, o que ela disse? — Marjorie, levanta de uma só vez quando me vê. — Ela mudou de idéia, ela mudou, Marjorie — sinto novamente as lágrimas enchendo meus olhos. — Vamos torcer pelo resultado agora. E então a ruiva faz uma coisa que eu nunca imaginei que ela fosse capaz. Ela me abraça. Mas não demora muito tempo, pois quando ela nota o que havia feito, se afasta e senta no banco da sala de espera. Antes de me sentar, jogo o algodão no lixo e me sento ao lado de Marjorie, deixando um banco no meio como distância entre nós. Exatamente meia hora depois o médico chega, sua cara não é nada boa e já imagino o que seja. Meu coração se aperta quando pego o papel do resultado. Abro rápido o envelope e leio as letras grifadas. NEGATIVO Um buraco se abre abaixo dos meus pés e sinto meus joelhos baterem contra o piso. Lágrimas grossas escorrem por meu rosto e observo elas caírem sobre o papel. — Deu negativo, né? Eu sabia, eu sabia porr4. Você é uma i****a, Maitê. Uma i****a por pensar que seria capaz de ser a doadora da minha mãe. Marjorie cospe essas palavras sobre mim me deixando pior. Mais do que eu já estou. Levanto e jogo o envelope sobre seu colo e saio correndo dali. Eu preciso de ar. Preciso de espaço. Preciso de outra solução. Preciso de Pilar aqui comigo. Preciso de uma mãe que realmente se importa comigo, assim como eu me importo com ela. Me sento na calçada do hospital e me deixo chorar por tudo que estava preso desde que soube da fertilização. Sobre as mentiras de meus pais, sobre a canalhice do meu pai, sobre a minha vida que sempre foi uma mentira e pelo desgosto que minha mãe tem por mim. Agnes se soubesse do que estou passando iria jogar na minha cara que havia avisado. E eu não quero que ela esteja certa. Quero Pilar viva, quero Marjorie como a irmã que eu nunca tive. Quero uma família. Encosto minha cabeça dentre meus joelhos e fungo quando as lágrimas invadem minhas narinas. Meu celular toca, mas ignoro-o. Não estou bem para atender ninguém, mas acho que a pessoa que insiste em me ligar não percebe isso com a chamada não atendida, pois liga novamente. Cansada de ouvir aquele toque irritante, pego o celular na bolsa e xingo mentalmente quando no visor mostra "Papi" brilhando. Respiro algumas vezes antes de atendê-lo. — Oi, filha. Você ficou de me ligar e não ligou, fiquei preocupado. Jura, pai, o senhor tinha que perceber que eu não liguei logo agora? — Oi, pai. Desculpa não ter ligado, tá uma correria aqui e os horários acabam não batendo. Engulo o choro para disfarçar. — Maitê, me conta o que aconteceu. E bastou essa frase pra derrubar a armadura que eu havia construído segundos atrás. Desabo novamente perante o telefone enquanto converso com Otávio. Explico tudo, exatamente tudo que o médico me disse para ele, da mesma maneira. Meu pai surta, desesperado dizendo que não sabia que estava tão avançado assim, já que Pilar o procurou somente pra dizer que estava doente, e quando digo a ele que testei negativo para o teste de compatibilidade, ele diz uma coisa que me surpreende. — Estarei indo para o Brasil pra fazer o teste de compatibilidade, filha. Não posso deixar Pilar morrer quando a minha filha já tem um carinho enorme por ela, e eu também. — Pai, e a mamãe? — A sua mãe não se importa com nada que suje sua imagem aqui, e no Brasil não há nada que possa fazer isso, ela não ligará. Chegarei aí amanhã. Iremos fazer de tudo, querida. Pilar não terá somente cinco meses de vida. Agradeço-o milhares de vezes pela coragem dele. Sei que ele estava tentando se redimir comigo e principalmente com Marjorie, e talvez isso seja um enorme passo para isso. Mas no fundo sei que não é somente por nós, é pela a Pilar. E eu seria r**m demais se por acaso dissesse que prefiro ele com ela, do que com minha mãe? Desligo o telefone lhe desejando uma boa viagem e ele diz para eu me acalmar e comer algo com Marjorie. Guardo o eletrônico novamente na bolsa e me levanto. Por favor pai, seja compatível.
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