Capítulo 33

1804 Words
ONTEM A PROVOCAÇÃO de Adrien me atingiu em cheio. Me fez ter as malditas lembranças da noite da festa de aniversário do Marcos. Eu em seu colo, seus toques sobre meu corpo, seu volume embaixo de mim, me cutucando. E essas lembranças me fizeram ter um sonho nada bom com ele, fazendo-me acordar completamente ofegante e suada, após o alarme tocar. Minha mente durante as aulas na faculdade ficou avoada, e Marcos notou isso, acabando por comentar com minha irmã e Isabel que me perguntaram o que havia acontecido. Não soube sequer explicar para eles o motivo, apenas respondi que era por conta de algo do meu trabalho, o que não é uma completa mentira.  Assim que saí do trabalho no dia anterior, fui até o hospital visitar meu pai e Pilar, eles estão se recuperando e não vai demorar para que saiam do hospital. E não tem nada que esquente e acalente meu coração mais que isso: saber que Pilar está bem e meu pai também. — Achei que já estivesse ido. — Levo um susto ao ouvir a voz masculina atrás do meu corpo. A aula das crianças já foi finalizada há alguns minutos, mas vim para sala dos professores para terminar de corrigir as provas deles, já que eram muitas para somente Adrien fazê-lo. Respiro fundo tentando me acalmar por conta do susto tomado e risco a nota da prova em cima, no lugar adequado para ela, assim, viro meu pescoço para trás encontrando os olhos esverdeados e curiosos do meu instrutor. — Ah, eu só estou finalizando as provas da turma de hoje, logo irei pra casa. Respondo-o, pegando meu celular para olhar as horas. Já passam das dezoito e eu sequer vi o tempo passar. — Não demora, vai ficar tarde para você ir. Se quiser levar o restante e corrigir em sua casa não tem problema, amanhã você me entrega. — E pisca, se retirando da sala dos professores. Durante toda a tarde eu evitei olhar para aquelas írises que pareciam me ver nua. Sequer sabia como me comportar após ontem. Separo as provas já corrigidas e coloco em uma pasta, enquanto as demais coloco em outra, separando-as para colocar dentro de minha bolsa. Irei fazer o que ele me aconselhou, senão acabaria ficando até mais tarde e consequentemente, seria mais difícil para que eu pegasse um táxi. Saio da sala desligando as luzes e o ar-condicionado e fecho a porta. Os corredores estão vazios e eu sou a última a sair daqui, exceto por alguns funcionários da limpeza que ainda limpam as salas para o dia seguinte. Meu celular apita com uma mensagem recebida assim que coloco meus pés para fora da escola, deslizo meu dedo sobre a notificação da mensagem para abri-la e vejo que é de minha irmã, avisando que não está em casa pois foi ao hospital visitar nossos pais por não ter ido ontem. Apenas respondo um "tudo bem" e agradeço mentalmente por ter trazido uma chave reserva. Um raio passando pelo céu me faz guardar o celular no mesmo momento. A mudança de clima é rápida e não demora para as nuvens ficarem nubladas apontando que iria chover. É, realmente o clima de São Paulo é surpreendente. Balanço o braço pra cada táxi que passa, mas todos estão ocupados, então começo a ficar preocupada com medo da chuva cair antes de eu estar em casa. E é como se eu tivesse tido uma previsão, pois no mesmo momento sinto gotículas fortes caírem sobre minha cabeça e meu ombro. Que droga! Continuo em minhas tentativas falhas de fazer com que um dos táxis parem, mas diferentemente da tonalidade amarela que eu esperava é um carro prateado que para ao meu lado e buzina. Fico confusa e observo o vidro fumê se abaixar aos poucos, mostrando uma cabeleira loira no lado do motorista. — Vem, entra. Eu te levo até sua casa. — Adrien maneia a cabeça como se estivesse me chamando para dentro. — Não precisa, logo um táxi para. — Não seja teimosa. Vai cair uma chuva e você vai se molhar todinha. Acabo cedendo e dou a volta, entrando no lado passageiro. Assim que adentro o carro a quantidade de gotas aumenta, trazendo um relâmpago consigo. Deslizo minha mão pela porta para fechar a vidraça, mas um fio de súplica me faz para-la, tentando aguçar minha audição.  Em meio a tempestade, um choro baixo e fino, mas não é choro de criança.  — Espera — peço repentinamente, enquanto ouço o chorinho aumentar cada vez mais. — O quê houve, Maitê? — Adrien está confuso, enquanto me encara querendo uma explicação. — Só destrava o carro, por favor. E assim ele faz. Abro a porta do carro e saio para fora, sendo recebida pela chuva forte que me pega de jeito. Vou correndo em direção ao choro e ele me leva até uma caixa, que está próximo ao lixo da escola. Inclino minha cabeça para dentro dela e encontro um filhote encolhido às suas margens, tremendo de frio. Sinto um aperto em meu coração, enquanto tiro minha blusa de frio de meu corpo, ela está um pouco úmida, mas espero que possa aquecê-lo enquanto o pego em meus braços e jogo-a sobre seu corpo, na tentativa falha de protegê-lo da chuva. — Maitê, você vai pegar um resfriado, volta para o carro!  Adrien grita e eu dou a volta para adentrar seu carro novamente, ele está ao lado de fora e me procura com o olhar. Ele parece respirar aliviado quando me vê e juro ao alívio, a confusão entregue pelo seu semblante franzido. Entro em seu carro molhando o banco por completo e respiro fundo, enquanto o cachorrinho chora de frio em meus braços. — Desculpa, eu só ouvi o choro e fui procurar. Desculpa ter molhado seu carro.  — Um sorriso sem graça sai por meus lábios e passo minha mão em meu rosto, tirando os pingos d'água que caem do meu cabelo. — Não se preocupa com o carro. Onde o encontrou? Ele está bem, ferido? — Estava em uma caixa, perto do lixo da escola, provavelmente foi abandonado. Não está ferido e aparentemente está bem, apenas com frio. — Levanto o animalzinho que não tem mais de dois meses, colocando-o sobre meu pescoço, para tentar aquecê-lo melhor. — Deve estar com fome também. Adrien liga o aquecedor do carro e logo procura por algo no banco de trás, voltando com uma jaqueta e me entrega, para que eu possa cobrir o filhote. Enrolo-o bem sobre o pano após agradecê-lo e logo liga o carro, começando a dirigir, após eu lhe informar o endereço da casa de Pilar. Minha mente está martelando como alguém consegue abandonar um serzinho tão pequeno e indefeso, ao invés de procurar por algum dono responsável ou um abrigo. Não sei se Pilar irá aprovar, mas por enquanto, ele ficará comigo.   Adrien tem seu olhar focado na estrada, mas vez ou outra me encara, voltando seu olhar rapidamente para a estrada enquanto sua respiração muda gradativamente, ficando ofegante. — Aconteceu alguma coisa? — pergunto preocupada com seus olhos que me encaram novamente, mas não exatamente o meu rosto. Sigo seu olhar e noto que está na minha blusa, exatamente em meus s***s, e só então me lembro que a blusa que eu estou vestida é de um tom claro e que após a chuva que peguei, ela ficou transparente, deixando meu sutiã preto à mostra. — Ah, desculpe. Cruzo meus braços sobre meus s***s e ouço-o dar uma risadinha, talvez nervosa. — Não se preocupe, Maitê. A visão estava belíssima — ele provoca, lançando uma piscadela em minha direção pelo espelho, e eu semicerro os olhos com seu atrevimento. — Você deveria se concentrar na estrada — é tudo que digo ao ver a chuva engrossar, enquanto acaricio os pelos do pequeno ser. — Morrer hoje não está nos meus planos. — Pode ficar tranquila, pois também não está nos meus. — Me olha de canto quando paramos no sinal vermelho. — O que pretende fazer com ele? — Eu não sei, eu sempre quis ter um cachorro, então talvez fique com ele.  Quando o sinal torna-se verde, andamos poucos quilômetros antes de termos que parar novamente, e não porque o vermelho surgiu novamente e sim pelo trânsito infernal. As ruas de São Paulo, principalmente na capital, são naturalmente caóticas, mas em dias de chuvas isso se torna mil vezes pior, de forma que só conseguimos ver as luzes vermelhas dos carros e as fumaças dos caminhões transportadores de grandes empresas. Adrien troca de faixa como quem brinca em jogos de carro e eu só consigo torcer para que Deus zele por nossas vidas, mesmo que eu não seja religiosa. — Seus pais não deixavam você ter? — Ouço sua pergunta curiosa. — A minha mãe. Ela não gostava muito de animais. — Sorrio fraco. — O meu pai também não — diz, com os olhos fixos na entrada e eu giro minha cabeça para olhá-lo, percebendo que não sei absolutamente nada sobre ele, a não ser o gosto de seus lábios que, inclusive, é maravilhoso. Foco, Maitê. — Na verdade, ele tinha alergia, então às vezes eu resgatava alguns animais escondidos e deixava em meu quarto até arrumar um abrigo para eles. — E ele não descobria? — Descobria — seu tom de voz indiferente faz-me dar risada —, mas era algo tão recorrente que houve uma época em que ele deixou de se importar. — Um rebelde sem causa — brinco. — Não consigo te imaginar assim. — Não? — pergunta, como se fosse a primeira vez que escuta isso. — As pessoas costumam achar que eu era como o adolescente badboy dos filmes. Deixo escapar uma risada anasalada. — Ainda guarda sua jaqueta de couro, sua moto e o cigarro no bolso da calça? — brinco. — Sempre preparado para o caso de eu ter que dar carona para uma mulher bonita. — Lança-me uma piscadela e eu sinto minhas bochechas esquentarem novamente. Inferno. — E chegamos. Olho ao nosso redor. O carro está parado em frente a casa de Pilar e a chuva está diminuindo gradativamente. Volto meu olhar ao homem ao meu lado, sentindo o seu fixo em mim. — Obrigada, badboy — brinco com o apelido, colocando a mão na porta para abri-la. — Até amanhã. — Até amanhã, moça bonita. — Sorrio, colocando meus pés para fora do carro e levantando-me segurando a porta e o cachorro em meus braços. — Não esqueça de me mandar notícias dele. Me despeço e fecho a porta após anuir ao seu pedido; eu corro para dentro de casa sem esperar que ele vá embora e é quando eu adentro o lugar que percebo que seu carro não está mais aqui.
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