No final das contas, tudo havia dado certo no plano insano da senhorita Sackville. Sua tão sonhada viagem de liberdade, antes de se tornar esposa de um nobre qualquer, finalmente tinha acontecido.
Mas, justo agora, quando deveria estar mais feliz, pelo seu ousado feito, vivia cabisbaixa e sem ânimo.
Lunna não compreendia como um amor interrompido poderia tirar a alegria de viver de alguém, principalmente se esse alguém fosse a lady mais alegre que ela já conheceu, conhecida entre todos na sociedade, por seu comportamento agitado, gargalhadas altas e atitudes ousadas. Mas, Lunna nunca havia se apaixonado por alguém, por isso era difícil para ela imaginar.
Após alguns dias tranquilos no condado de Dorset, Lunna acordou mais uma manhã de forma agitada. Não era a primeira vez que tinha aquele sonho, e ele sempre lhe tirava do seu estado natural, agitando o seu corpo com formigamentos estranhos. Era sempre o mesmo sonho. Aquele homem estranho e autoritário do porto, vindo em sua direção na proa do navio, mas agora ela sabia que o seu olhar tinha reflexos castanhos, e em seu sonho, eles brilhavam para ela de uma forma diferente. Seu toque em sua cintura, para ampara-la da queda, como da primeira vez que se viram, queimava a sua pele, mas desta vez, não estava vestida como um cavalheiro. Ele a tocava com firmeza e a puxava pra si, com aquela autoridade ridícula que sempre ostentava.
E se eu arrancar isso de você?
Perguntava ele, no sonho, e ela não sabia ao certo ao que ele se referia, já que ela não usava um chapéu masculino dessa vez.
Sem pedir autorização, ele a apertava sobre si e se aproximava do seu rosto, até que os dois compartilhavam o mesmo ar. E quando tinha certeza de que seria beijada, ela sempre acordava.
Ofegante, ela se levantou e se preparou para auxiliar sua lady antes do desjejum. Estavam mais uma vez de partida para Londres, onde Ivy deveria ficar noiva, e agora, não se tratava apenas da vontade dos seus pais, ela mesma estava bem empenhada em conseguir um casamento nesta temporada, pois, havia recentemente descoberto estar grávida de Andrew, e se os sinais da sua gravidez fossem percebidos antes de estar casada a sua vida e a reputação da sua família estariam arruinadas.
Lunna sabia que os problemas da amiga eram gigantes, por isso, nem ousava desabafar sobre os seus sentimentos estranhos com relação aquele homem que ela sequer sabia o nome, ou sobre os sonhos absurdos que vinha tendo com ele.
Depois de ajudar Ivy a se vestir e pentear seus cabelos, trouxe o seu desjejum no quarto, para evitar que um enjôo matinal, que não era tão incomum agora, fosse Percebido por alguém da casa.
Na viagem para Londres, ela, Ivy e vivienne, a atriz que a substituiu no internato e agora se passava por uma prima de Lunna, dividiram a mesma carruagem. Vivienne também sabia sobre a gravidez, e as duas ajudavam a esconder quaisquer sintomas durante o caminho. Além da jovem atriz, Suzan, que também era cunhada e amiga de Ivy, também já sabia o que estava acontecendo, mas esta seguia na carruagem em frente, acompanhada pelo seu marido, Hebert e o pequeno filho do casal.
A viagem prosseguiu sem grandes complicações, em Londres, vivienne se separou das duas e retomou a sua vida como atriz, além de receber uma excelente quantia, pelo trabalho prestado, Ivy também lhe prometeu uma ajuda extra na carreira como atriz, e as duas agora também eram muito amigas.
Naquela noite, Lunna tinha arrumado a sua lady com esmero, seu cabelo estava impecável, seu vestido foi cuidadosamente escolhido, e agora, ela mesma se vestia e fazia um coque mais simples, para poder acompanhar a senhorita Sackville e o futuro conde de Cumberland, seu prometido, até o teatro. No final das contas, o temido noivo da senhorita Ivy, se mostrou uma boa pessoa, ele também ajudou a conseguir uma vaga de atriz em um musical, para a senhorita vivienne Hamlets, e todos iriam para a sua estréia esta noite.
No teatro, Lunna sentou ao lado de Ivy, no camarote dos Cumberland, e se surpreendeu por isso, afinal, os servos geralmente se sentavam na última fila, então, ou o cavalheiro a estava agradando para agradar a senhorita Sackville, ou era realmente um homem especial, que com o tempo seria capaz de fazer sua senhora esquecer o seu amor impossível, que além de tudo, estava agora em outro país.
A apresentação de vivienne foi impecável, do camarote onde estavam, avistaram Suzan e Hebert, sentados um pouco distantes, no local reservado para a família Sackville, e quando o musical parou para um pequeno intervalo, Suzan e Lunna foram até lá, convida-los para permanecerem juntos. O teatro estava cheio aquela noite, e as duas tiveram que desviar de várias pessoas no caminho. A última lady que tombou com Lunna, a senhora Bennet, a olhou de cima a baixo e ergueu o nariz, demonstrando o quão era insatisfatório para ela, ter que esbarrar com uma criada em meio ao teatro. Lunna estava obviamente bem vestida, todas as peças de roupa que tinha eram presentes da família Dorset, para que pudesse acompanhar a filha do conde de forma adequada a qualquer lugar. Mas, a verdade era que a maioria das pessoas que conviviam no mesmo ciclo social, já sabiam que ela não era uma irmã ou uma prima da lady, mas uma criada, considerada afortunada, por contar com a benevolência do conde e da condessa, que a tratavam de forma diferente, considerada extravagânte para muitos.
Lunna olhou para trás no momento do impacto com a lady Bennet, apenas um ato instintivo, e se deparou com algo mais, além do olhar de reprovação da senhora em questão, um pouco mais distante, por trás de mais uma pequena multidão de pessoas, estava aquele mesmo olhar que a tanto tempo perturbava os seus sonhos. Ele estava lá.
Imediatamente sentiu o mesmo frio na barriga e a ansiedade que fazia sua pulsação disparar, só que desta vez, não se tratava de um sonho, tudo era bem real, e a realidade trazia a tona muito mais problemas do que poderia falar em voz alta naquele momento. Na vida real não poderia esperar que ele corresse ao seu encontro e lhe queimasse a pele com o seu toque, na vida real não poderia sentir sua respiração quente batendo em rosto e na vida real também não poderia esperar para ouvir sua voz grave e intimidadora, longe disso, na vida real ela precisava sair dali o mais rápido possível.
Como se sentisse o seu olhar, o cavalheiro também pareceu nota-la naquele instante e rapidamente se despediu do senhor com o qual conversava, na intenção óbvia de seguir na sua direção. E finalmente saindo do transe no qual parecia estar, Lunna apertou o braço de Ivy com muito mais força do que deveria.
- rápido, Ivy,precisamos sair daqui!- disse acelerando o passo, enquanto a outra permanecia confusa.
- o que? Como assim?
- aquele homem Ivy, o autoritário do porto, ele me viu, tenho certeza que me reconheceu e está vindo na nossa direção agora!
Sem protestar ou parar pra pensar, a senhorita Sackville também se apressou e ambas passaram direto pelo camarote dos Dorsets, onde Suzan já as aguardava com um sorriso e ficou confusa quando passaram por ela assustada. Astuta, a cunhada e amiga de Ivy, procurou ao redor o que poderia tê-las assustado e notou um cavalheiro com um olhar obstinado, caminhando rapidamente na mesma direção pra onde as duas partiram.
- meu bem, você conhece aquele homem?- perguntou ao marido, que distraído como geralmente era, parecia alheio a toda situação.
- é claro, é o visconde de Severn, estudamos juntos.
- então você precisa para-lo agora mesmo.
- por que? Ele parece bem apressado.
- não me faça essa pergunta agora, meu bem, apenas faça isso por mim.
Conhecendo as loucuras e encrencas em que a esposa costumava se enfiar, Hebert praticamente entrou na frente do visconde, e ainda pensava em algo relevante para falar, quando Suzan os deixou praticamente correndo em direção aos toaletes do teatro. Ela teria que lhe dar uma ótima explicação mais tarde.
Enquanto isso, Suzan encontrou com Ivy e Lunna no toalete e disse que se o problema era o visconde, ela tinha acabado de ganhar um pouco de tempo. Então todas partiram em direção ao camarim de vivienne, para que de lá, Ivy e Lunna pudessem partir discretamente pelos fundos.
O que nenhuma delas esperavam, era encontrar vivienne aos beijos com James, o futuro conde de Cumberland e também noivo de Ivy, em seu camarim.