O cheiro do feijão com alho ainda paira no ar da cozinha quando começo a lavar a louça. Meus braços se movem no automático, mas a cabeça tá distante. Flávio ainda martela dentro de mim, com a voz, o olhar, os planos. Fico lembrando da ligação, da forma como ele me chamou de "vida", e do aperto no peito que bate cada vez que desligo o telefone. Minha mãe entra devagar, sem fazer barulho, com um pano de prato no ombro e os olhos fixos em mim. A gente não se fala por alguns segundos. Ela se aproxima, puxa uma cadeira da mesa e senta com o corpo cansado, como se aquele instante fosse o único silêncio que ela tivesse o direito de viver no dia. — Tu tá abatida. — ela solta, de repente. Paro de esfregar o prato e olho pra ela. — Tô cansada. Acordei cedo, organizei os meninos, fiz o almoço, aje

