Capítulo 1

1562 Words
Cecília Stein Ceci: Cadê meu carro, Babi? Fico parada e a testa começa a pinicar de nervoso. Olho pra frente. Olho pros lados. Olho pra vaga onde eu tenho CERTEZA que estacionei. E meu carro simplesmente evaporou. Meus olhos piscam devagar, tentando raciocinar. Não é possível. Meu Fiesta novinho, vermelho. Ano 2025. 1.6. Um neném. Meu xodózinho de quatro rodas. Um mês de uso, um mísero mês! Ganhei do meu pai depois da tragédia emocional que foi eu batendo o meu Corsa antigo na traseira de um carro que freou do nada no meio do sinal. Não tive culpa, mas... tente explicar isso pro senhor Marcos Aurélio. Que naquele dia quase teve um AVC de nervoso. Imagina agora? Agora ele vai querer me enterrar viva. Certeza. Justo hoje, fui ter a brilhante ideia de deixar na rua em vez de botar no estacionamento do shopping. Que ódio. Eu só queria assistir o filme da Branca de Neve mano. Vontade de me socar inteira. Minha alma tá em posição fetal nesse momento. Chorando litros. Boto as mãos nos joelhos, sentindo o coração martelar dentro do peito como se dissesse: "Burra, burra, burra." Ceci: Não, mano... não. - sussurro, quase chorando. - Não é possível que me fizeram essa. Meu corpo inteiro começa a formigar. Seguro as lágrimas porque se eu chorar, eu desmonto e odeio ficar assim perto dos outros. Meu Deus! O que que eu vou fazer? Como que eu vou contar isso pro meu pai? Fico andando em círculos, parecendo uma barata tonta olhando pra cara da Bárbara que me olha desesperada. Queria desaparecer. De verdade. Meu Fiesta, mano... MEU FIESTA NOVINHO! Babi: Será que ninguém viu nada? - pergunta, girando o corpo para todos os lados, tentando encontrar um rosto que tenha testemunhado alguma coisinha que seja. Ceci: Não sei, amiga! Só sei que meu pai vai me matar, cara. - falo encarando ela. Babi: Calma. Espera aí. - ela vai se afastando. Indo até um dos vários estabelecimentos que tem em frente a onde o carro estava. Eu permaneço no mesmo lugar revirando minha bolsa tentando encontrar meu telefone que justo agora resolveu brincar de pique-esconde. Ceci: Cadê essa bosta, mano... - murmuro, enquanto tiro batom, fone embolado, embalagem de Trident, uma escova cheia de cabelo. E nada do celular. A mão finalmente esbarra nele no fundo da bolsa. Meu alívio dura exatamente 30 segundos. Que é o tempo de discar o número da Lise e ficar ouvindo o toque interminável. Chamando... Chamando... Caixa postal. Ceci: Ah, que maravilha. - respiro fundo, fecho os olhos por um segundo, contendo o impulso de arremessar o celular no meio-fio. - Ótimo, agora além do carro sumido a minha irmã resolveu desaparecer também. Que Sexta-feira maravilhosa! Olho na direção por onde a Babi foi já pensando em gritar ela, quando vejo a bonita voltando apressada. Babi: Amiga, a dona da loja disse que tá tendo varios furtos por aqui. - fala meio ofegante, com a mão apontando pra trás. Ceci: Sério? Ela podia ter deixado avisado né? - respondo num tom irônico, passando a mãos pelo rosto, descendo pro queixo. - Agora já era. Mas obrigada por ter ido lá. Desvio o olhar dela o mantendo em um ponto fixo do outro lado da rua pensando no que fazer. Abro o app de localização e tá dando que o carro tá longe daqui. Olho as horas no canto da tela do celular: oito em ponto. Oito da noite. Pode ser loucura o que eu vou fazer? Pode. Mas eu nunca fui exatamente uma garota normal mesmo. Babi: Vai ligar pra polícia? Ceci: Não... Vou buscar meu carro. - falo com a decisão entalada na garganta. Ela me encara como se eu tivesse acabado de dizer que vou me jogar da Pedra da Gávea. Ceci: Mas se quiser ir pra casa pode ir. Depois eu te mando mensagem avisando o que deu. - completo, tentando amenizar o impacto do susto que ela levou. Mas a resposta dela é na hora, sem hesitar nem meio segundo. Babi: Não vou deixar tu se enfiar sei lá aonde sozinha. Seja lá onde você tá indo eu vou com você. E mesmo cagando de medo a gente sorri uma pra outra. Daquele sorriso rápido e cúmplice, que diz vambora, se for pra morrer, que morremos as duas juntas. Pego o celular de novo, entro no aplicativo, clico em "seguir localização". Meu carro ainda ta no mesmo lugar. Parado. Me esperando. Chamo o Uber e assim que ele encosta, a gente entra no banco de trás. O motorista se vira olhando pra gente meio desconfiado. Motorista: Moça, esse lugar que você botou aí... é comunidade. O máximo que consigo é deixar vocês próximo a entrada. Ceci: Tudo bem. Pode ir até onde der. O carro dá partida e eu apoio a testa no vidro. A paisagem passa rápido, mas minha cabeça tá mais rápida ainda. Sei que pode dar errado, muito errado. Mas ainda prefiro encarar isso do que encarar meu pai. E se for pra correr perigo, que seja lutando pelo que é meu. Meu vermelhinho lindo. Meu neném. Babi: Porque não liga pro tio Marcos. - a fala dela sai tão ingênua que chega a me irritar. Me fazendo virar pra ela no impulso, o cenho todo franzido, como se meus olhos pudessem a fuzilar. Ceci: Tá maluca, né? Se eu fizer isso, ele me mata. Literalmente me mata. Meu relacionamento com meu pai sempre foi uma merda. A gente m*l se olha na cara. Às vezes eu penso que ele me odeia desde que eu nasci. Que me culpa por ele ter ficado só... Depois do acidente da minha mãe. A Lise até diz que é coisa da minha cabeça... exagero, drama. Mas sei lá. Com ela ele é super diferente. Sempre foi. Eles conversam, dão risada... é outra coisa. Sério, é até bonito de ver. E eu super entendo, é completamente impossível não gostar da Lise. Ela é um amorzinho, parece que saiu de um comercial de margarina de tão perfeitinha. Super carinhosa, delicada, toda educadinha. E claro, submissa às vontades dele. Aceita tudo que ele diz. Nunca questiona nada. Nunca discorda. Nunca coloca um pé fora da linha. A filha perfeita. Aquela que dá orgulho dele apresentar pros amigos. Que ele leva nos almoços importantes, nos eventos políticos. Já eu? Sou a filha rebelde, desaforada, desobediente. Aquela que sempre dá trabalho pra ele. Que fala o que pensa, não engole sapo e não abaixa a cabeça pro narcisismo dele. Pra tu ter ideia... meu pai nunca sequer sentou pra conversar comigo. Nunca me abraçou ou beijou. Nem quando eu era criança e chegava machucada perto dele ou toda ralada. Foi assim a vida inteira.. E talvez seja por isso a nossa distância... Prefiro encarar qualquer coisa menos passar cinco minutos discutindo com dele. Porque dor física sara. Mas o que ele faz com a minha cabeça? As palavras que ele usa pra me afetar. Isso aí... Não passa de jeito nenhum. A tela do meu celular pisca com a ligação da Lise. Respiro fundo, deslizo o dedo e levo o aparelho ao ouvido. Chamada... Lise: Oi, me ligou? Ceci: Roubaram meu carro. - solto de uma vez, sem floreio, sem coragem pra maquiar o desastre. Lise: O quê?! Como assim? Aonde você tá? Você tá bem? Ceci: Tô bem. Tô com a Babi - olho pra ela que tá destraido mexendo no celular. Lise: Mas foi assalto? Eles te machucaram? Ceci: Não, Lise... deixei na rua e levaram. Simples assim. - a voz sai mais seca do que eu queria, mas se eu aliviar, eu choro. Lise: E você fala assim?! Como se fosse um lápis que tu perdeu na escola? Ceci: Quer que eu fale como? Quer que eu grite, me jogue no chão? - levo a mão no pescoço, sentindo a pele quente e os olhos pesarem. - Se eu entrar em desespero, resolve alguma coisa? Lise: Tá, mas... você já chamou a polícia, né? Ceci: Não. Lise: COMO NÃO, CECÍLIA? Ceci: Porque eles não vão fazer nada! - elevo um pouco o tom, já exausta. - Todo mundo sabe que todo dia acontece isso aqui no Rio de Janeiro. É carro, moto, celular... e a polícia faz p***a nenhuma. Lise: Isso não importa! Tem que fazer boletim, tem que registrar, isso é um crime, Cecilia! Você tá maluca?! Ceci: Eu já tô resolvendo. Do meu jeito. Lise: Ah, eu já até imagino qual é o teu "jeito". - a voz dela vem carregada de julgamento. - Eu vou avisar meu pai. Ceci: NÃO! - interrompo rápido, o peito apertando na hora. - Lise, por favor, não faz isso. Tu sabe como ele é comigo. Ele não vai me ajudar. Vai acabar comigo. Vai gritar, me xingar, dizer que eu sou uma irresponsável e que mereci. Lise: Mas ele precisa saber... Ceci: Não, ele precisa é esquecer que eu existo hoje. Me deixa resolver isso do meu jeito. Só hoje. Me escuta, por favor. - minha voz falha no "por favor", e eu odeio isso. Odiei implorar. Mas fiz. Lise: Cecília... Ela não diz mais nada. Fico esperando. Uns três segundos... cinco... nada. Silêncio. Eu encerro a chamada. Guardo o celular na bolsinha de lado como quem esconde uma bomba desativada. Eu só quero recuperar meu carro e esquecer disso tudo.
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