CAPÍTULO 1 - O BERÇO DE CARIRI

780 Words
O ano de 1982 marcou o início de um dos eventos de El Niño mais intensos já registrados, prolongando-se até 1983. Esse fenômeno, conhecido por reduzir drasticamente as chuvas no norte do Nordeste brasileiro, trouxe secas severas à região. No semiárido nordestino, a irregularidade das precipitações é uma característica marcante, e 1982 foi um ano de estiagem especialmente notável. Nesse mesmo ano, em 1º de abril, nascia Roberto, no Cariri paraibano, em meio a um clima quente e seco, típico da região semiárida. Sua chegada coincidiu com o início de um período de poucas chuvas, agravado pelo El Niño. Seus primeiros suspiros ecoaram em Campina Grande, mas suas raízes se fixariam em um lugar mais rústico e profundo: a comunidade de Serraria de Cima, no município de Caturité. Foi lá, entre o sussurro do vento e o verde árido dos mandacarus, que Roberto cresceria até os 18 anos, moldado pela terra, pelo trabalho e pela resiliência. O mandacaru, cacto nativo do Nordeste brasileiro, é um símbolo de resistência na Caatinga e no semiárido. Com sua capacidade de sobreviver em climas hostis, ele representa a força da vida que persiste nas condições mais adversas. Suas características são marcantes: Características do Mandacaru Formato: Com hastes ramificadas que lembram um candelabro, pode atingir até 6 metros de altura. Espinhos: Cobrem a planta, protegendo-a de predadores e reduzindo a perda de água por evaporação. Resistência à seca: Armazena grande quantidade de água em seu interior, permitindo-lhe suportar longos períodos de estiagem. Flor: Conhecida como "flor-da-noite", desabrocha à noite e murcha ao amanhecer, sendo polinizada por morcegos e mariposas. Sua floração é vista no sertão como um prenúncio de chuvas, imortalizada na música Xote das Meninas, de Luiz Gonzaga. Fruto: De cor violeta intensa, com polpa branca e sementes pretas, é comestível e serve de alimento para aves, animais e até humanos. Usos do Mandacaru Alimento: Suas hastes (sem espinhos) e frutos são usados na alimentação de gado e, em alguns casos, de pessoas, especialmente em tempos de seca. Cerca natural: Por seu porte e espinhos, é comum como cerca viva em propriedades rurais. Medicina popular: Na tradição nordestina, é usado para tratar problemas digestivos e inflamações. Artesanato e paisagismo: Suas hastes são empregadas em artesanato, e a planta é valorizada por sua beleza exótica e resistência. Mais que um cacto, o mandacaru é um ícone cultural e ecológico do Nordeste, um símbolo da força e da beleza que florescem mesmo nas adversidades. Roberto cresceu imerso na história dos mandacarus. Em Serraria de Cima, a vida não esperava a infância para impor suas demandas. Aos sete anos, ele já conhecia o peso da enxada e o suor que encharcava a camisa antes do meio-dia. Sua mãe, Dona Josefa, era um pilar de força. Uma "mãe solo", como diriam hoje, mas, para Roberto, simplesmente "mãe" sinônimo de resiliência e amor incondicional. Roberto, meu filho, essas mudas precisam ir pra terra antes do sol se pôr , dizia Dona Josefa, com a voz mesclada de cansaço e doçura, enquanto trabalhava a terra com mãos calejadas. Roberto, com olhos curiosos e já acostumados à vastidão do sítio, respondia com a energia de seus poucos anos: Roberto :Já tô indo, mainha! Só terminando de pegar água no açude com o Tonho. Tonho, um vizinho um pouco mais velho, era seu companheiro de aventuras na roça. Juntos, carregavam baldes pesados, conversavam sobre as nuvens que prometiam (ou não) chuva e desvendavam os mistérios escondidos na mata. O pai de Roberto, Seu João, vivia no centro de Caturité, a poucos quilômetros que, para uma criança, parecia uma distância imensa. Dona Josefa optou por ficar no sítio, perto de seus pais, onde encontrava o apoio necessário para criar Roberto e construir uma vida digna, apesar das privações. Aos nove anos, Roberto finalmente entrou numa sala de aula, dois anos atrasado, mas com uma sede de conhecimento que só a escassez pode gerar. A escola da comunidade, um pequeno prédio de taipa, abrigava todas as turmas sob o comando de uma única professora, Dona Clarice. Bom dia, Roberto , saudou-o Dona Clarice no primeiro dia, com um sorriso acolhedor. Seja bem-vindo. Sei que você é um menino trabalhador. Aqui, vamos semear conhecimento. Roberto sentiu uma mistura de estranheza e empolgação. O quadro-n***o era um mistério a ser desvendado; os livros, tesouros empoeirados. A vida na roça era exaustiva, mas o verdadeiro peso era a falta de oportunidades, o "perrengue" do interior, como ele compreenderia mais tarde. Em Serraria de Cima, a infância era um luxo que poucos podiam se permitir. Ainda assim, Roberto aprendia que, mesmo na escassez, a terra e a família eram raízes fortes, capazes de sustentar os sonhos mais altos.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD