Continuação Capítulo 01
Heitor
Ainda deve ser bem cedo. Não entra luz nenhuma pelas cortinas da janela do quarto de hotel que estou hospedado. Fecho os olhos e os abro incontáveis vezes encarando o teto. Ouvi a chuva bater contra a janela a noite toda, mas mesmo assim o sono não veio. É difícil relaxar nessa cama estranha e fria. Liguei e desliguei a TV várias vezes, rolei a noite toda de um lado para o outro.
Estico a mão e pego o celular no criado mudo olhando as horas. São 6h ainda.
Vou levantar, não vai adiantar eu ficar deitado aqui atoa.
Ligo a TV, mas nem vejo o que está passando e nem em que canal está sintonizada, só preciso quebrar esse silêncio. Vou até o banheiro, arrastando os pés sentindo o cansaço pela falta de sono pesar. Tomo um banho rápido, faço a barba me olhando no espelho grande do banheiro. Escolho o meu melhor terno e uma gravata azul que ganhei da vovó e que, como ela me disse o dia que me deu, combina com meus olhos.
Arrumo-me lembrando uma das frases que a Sra. Cassandra sempre diz: A primeira impressão é a que fica.
Sorrio para minha imagem e me sinto confiante para assumir o lugar dos meus avós na gerência do shopping.
Mesmo eu não querendo estar nesse país, aceitei o pedido do vovô Pedro. Sei que o fato de ser filho único, e único neto ajudou na escolha do meu avô para substituí-lo e eu não tive como recusar. Afinal, meu pai negou assumir a gerência alegando que não nasceu para trabalhar tanto. O que mais eu poderia fazer?
Estou terminando de colocar a camisa quando meu café da manhã chega, trazido por uma camareira muito bonita. Tão bonita quanto a que trouxe meu refrigerante ontem à noite. Ela coloca meu café sobre a mesa e para me encarando. Não me contenho e olho-a de cima a baixo, seu corpo é muito bonito e seu uniforme não esconde muita coisa das suas pernas. O hotel não é o dos melhores, mas pelo menos o serviço de quarto é bom.
A camareira é gostosa pra cassete!
Dou um passo em sua direção e mordo a boca examinando-a. Trinta minutos depois, a camareira sai do meu quarto arrumando a saia e limpando o batom do rosto.
Eu sei, preciso parar com isso. Ficar me agarrando com as camareiras dos hotéis onde me hospedo pode trazer algum problema, mas quem resiste a uma mulher como essa dando mole?
Sempre, depois de agir assim, lembro-me do meu pai e isso me deixa puto comigo mesmo.
Desde criança, nas raras vezes em que eu via Reinaldo, ele estava desfilando com várias mulheres. E cresci acreditando que isso era comum. Quando atingi certa idade entendi que ele fazia isso exclusivamente para atingir meus avós, que ficavam chateados com a situação. Eu nunca fiquei com nenhuma garota na frente dos meus avós e nunca levei nenhuma namorada em casa. Não quero ter nada que me assemelhe a meu pai.
Tomo meu café, que já estava frio, e me olho no espelho.
— Vamos lá Heitor, assumir o lugar do vovô Pedro e me apresentar para os acionistas.
Pego a minha pasta com o notebook, saio do quarto trancando a porta e caminho até o elevador que está vazio. Desço até o estacionamento, entro no meu carro e saio para o dia frio e chuvoso. O trânsito por incrível que pareça está fluindo. Vai demorar até eu me acostumar com a vida aqui no interior e no Brasil.
Eu cresci nessa cidade. Apesar de ser uma cidade pequena, Vale Verde sempre foi meu lugar preferido no mundo. A minha infância foi dividida entre a fazenda dos meus avós durante as férias, e o ano letivo na escola aqui. Quando estamos no verão o Parque do Lago, um local lindo com árvores, bancos e academia ao ar livre fica cheio de pessoas, mas agora no inverno duvido que alguém tenha coragem de sair para se exercitar.
Morei por 5 anos em Vancouver – Canadá. Fui para lá no intuito de terminar meus estudos e aperfeiçoar meu inglês, e quando vi já tinham se passado 5 anos. A vida por lá é boa, muito agitada, várias oportunidades e muitas mulheres em todos os lugares, mas como meu avô diz sempre que me vê, está na hora de sossegar e pensar em ter um futuro.
Tenho 26 anos e ainda não pretendo me envolver com ninguém. Eu sei que o que ele quer dizer com “pensar no futuro” é que eu devo arrumar uma namorada, me casar, ter filhos, mas meus planos não são bem esses. Estou bem com a minha vida de solteiro e já combinei com o Guto, meu amigo de infância, de sairmos para conhecermos pessoas novas.
Chego ao prédio do shopping as 7h20min. Ainda é cedo, mas é melhor chegar cedo do que atrasado.
Caminho pelos corredores iluminados do shopping Sta. Cecilia e olho as vitrines que ainda estão apagadas. As lojas só abrem às 9h.
Sinto muito orgulho de tudo que meus avós construíram. O shopping é lindo, moderno e bem localizado no centro da cidade. E como a cidade é não é muito grande, acabou se tornando um ponto turístico atraindo clientes das cidades vizinhas também. Chego a área do jardim de inverno que foi montado no centro do shopping e vai do primeiro andar até a cobertura, e sinto o ar gelado.
Olho para o alto e passo a mão pelo braço. Não sabia que em Vale Verde a temperatura podia cair assim.
Paro em frente ao elevador e aperto o botão para o 7º andar onde fica nosso escritório. O Shopping é comporto por 6 andares de lojas de vários departamentos e um andar administrativo.
Saio do elevador e abro a porta de madeira clara entrando no ambiente que faz parte da minha infância.
Sou tomado por uma sensação estranha. Estar aqui depois de tantos anos é como entrar num túnel do tempo. Olho em volta e respiro fundo reconhecendo o espaço. Algumas coisas estão diferentes, a cor das paredes, que antes eram de um tom de bege pálido, agora são brancas e extremamente limpas.
Entro pelo corredor que dá acesso ao escritório e no instante em que abro a porta a minha atenção se volta para a mesa das recepcionistas. São de madeira escura contrastando com o piso de porcelanato branco. Há duas mesas, uma de cada lado da sala. Uma é extremamente organizada e sem qualquer decoração. A outra é uma bagunça de papéis como se a dona daquele espaço tivesse saído correndo sem olhar para trás. Ao lado da mesa desorganizada há um vazo com uma planta e ao lado do computador sobre a mesa tem um porta-retratos pink com um gatinho preto de olhos amarelos. No canto da sala há um armário com duas portas e um detalhe nele se destaca. Ele está com a porta entreaberta e de dentro dele cai a manga de uma blusa. O pedaço de tecido é extremamente pink. Me aproximo e tento fechar a porta do armário, porém sem sucesso. Quanto mais eu empurro mais ele abre.
Meu Deus, quem é que consegue vestir isso?
Se não bastasse a cor chamativa, há brilho nela também. Empurro a porta com mais força e ela se abre e a blusa cai no chão junto com um chaveiro de pompom pink.
Tudo aqui tem que ser dessa cor?
Abaixo-me, pego a blusa, a empurro para dentro do armário e forço a porta, desistindo após ver que ela não fecha.
As recepcionistas ainda não chegaram.
Deve ser de alguma delas essa blusa...Se a blusa é assim, imagina a pessoa!
Automaticamente me lembro de Lurdinha, uma senhora que trabalhava em uma empresa em São Paulo quando fiz estágio. Ela era gente boa, mas totalmente s*******o. Usava sandália com meia colegial 7/8, saia rodada e achava que tinha 15 anos quando na verdade tinha uns 50. Era constrangedor tentar se esquivar das investidas dela. Ainda bem que o estágio durou só seis meses. Seis longos meses quando se tem que fugir da sua chefe de 5 em 5 minutos.
— Ah, meu Deus, tudo menos uma segunda Lurdinha!
Sigo pelo corredor desistindo do armário.
O restante do escritório está organizado e extremamente limpo. Há uma sala com um vaso grande de planta e ao lado um aquário com dois peixinhos dourados, duas poltronas pretas e um quadro todo colorido, que dá um toque mais animado ao ambiente. No caminho até a minha sala, abro todas as portas para ver se há mais alguma mudança. Encontro a sala de reunião, a sala de arquivos, a cozinha e o banheiro. No fim do corredor, a última sala é a do vovô Pedro.
Entrar aqui sem a presença dele é estranho. Os móveis mudaram, mas o cheiro ainda é o mesmo. A energia do meu avô está em tudo. Ele dedicou a vida toda a essa empresa. Agora é a minha vez de recompensá-lo por todo o esforço.
Até estranhei quando recebi a ligação dele no sábado, me chamando para um almoço. Pensei que era algo relacionado a sua saúde, que graças a Deus está ótima. Mas na verdade ele só queria me dizer que a hora de assumir o meu lugar chegou, que agora ele vai viajar, descansar e aproveitar a vida e a aposentadoria na companhia da vovó, e que a partir de agora, a empresa é minha, e que eu teria que cuidar de tudo aqui.
Dou a volta na mesa grande de madeira escura, e sento na linda cadeira preta e confortável de meu avô.
Que comecem os jogos!!!
Sinto-me o próprio poderoso chefão, diante do império que meu avô construiu. O shopping tem nome no mercado e vários contratos que rendem um bom dinheiro para a família. Empregamos ao todo 150 funcionários diretos, temos 160 salas comerciais que contribuem para o sucesso da nossa marca. Temos também uma rede com outros sete prédios em outras cidades que estão em faze de expansão e logo nosso nome será um dos maiores do país.
Ligo o computador para dar uma olhada em todo o trabalho a ser feito. Na tela principal há várias pastas, todas com nomes de reuniões, almoços e festas de fim de ano. Acesso a pasta da última festa de fim de ano da empresa. Clico em uma foto onde há vários funcionários sentados em uma única mesa enorme e farta. A minha atenção é atraída por uma moça na foto.
Ela é linda!
Está sentada ao lado de meu avô e ao lado de um cara de olhos verdes. Na foto seguinte está em pé ao lado de alguns funcionários, na outra foto está abraçada a vovó e ambas sorriem. Tem um corpo perfeito, e está vestida com um vestido pink que contrasta com a sua pele clara. Os cabelos são lisos e negros, o sorriso é encantador e o olhar e sedutor.
Será que ela é filha da recepcionista? Se for, tenho que pensar em uma forma de nos conhecermos. Mas, e esse cara ao seu lado?
Olho no relógio no canto da tela, está na hora das recepcionistas chegarem. Preciso ir à recepção me apresentar.
Afasto a cadeira da mesa e quando vou me levantar ouço batidinhas na porta. Arrumo meu terno e minimizo a tela do computador.
— Pode entrar! — A porta se abre e uma moça loira, de cabelos lisos e extremamente bem vestida entra na minha sala sorrindo.
— Bom dia Sr. Heitor. Eu sou a Rebeca. — A loira vem até mim e estende a mão. Cumprimento-a sorrindo.
— Você é uma das recepcionistas? — Meu avô falou que ela era uma mulher atraente. E ele estava muito certo.
— Sou sim. A outra recepcionista ainda não chegou. — Ela sorri timidamente. — Eu vi o e-mail que o Sr. Pedro nos enviou, e vim me apresentar.
Rebeca se aproxima da minha mesa e minha atenção vai para eu decote. Tento desviar os olhos, mas não posso evitar de olhar. Ela sorri sem jeito corando, e sai da sala com a mão sobre o decote.
Meu avô não falou muito sobre as recepcionistas. Somente que uma delas será minha assistente e me ajudará a partir de hoje no escritório. E agora que notei que não falou nem o nome dela. Na verdade, ele só falou que ela é uma mulher independente, meio temperamental, uma excelente profissional e que a tinha como uma filha, por isso imagino ela com a idade da minha mãe.
Volto para as fotos, olhando todas as imagens e dando zoom nas que aparece a bela moça de cabelos negros. Estou tão entretido nas fotos que me assusto quando ouço uma batida na porta. Recomponho-me e peço que entre. Quando aquela porta se abre engulo em seco.
Ora, ora, o que temos aqui?
Parada na minha porta está a moça das fotos. Está me encarando, com as roupas todas molhadas e com as bochechas levemente coradas. Ela me encara com aqueles olhos negros fascinantes e com uma expressão de assustada no rosto lindo.
— Quem é você? E o que está fazendo sentado na cadeira do Sr. Pedro?
Sorrio ao ver a sua reação. Levanto-me e dou a volta na mesa me aproximando dela, que dá um passo para trás se encostando na porta.
— Sou o novo gerente. Meu nome é Heitor, e sou neto do Pedro e da Cassandra.
Puta que pariu, ela é mais linda ainda de perto!
Estendo a mão em sua direção e permaneço olhando em seus olhos. A moça segura a minha mão em um aperto firme, e em meus lábios sinto surgir um sorriso.
Mas, espera...Ela me deu choque???
—Você é a novidade então? — ela fala mais para ela do que para eu ouvir.
— Como? — pergunto olhando dentro daqueles olhos tão pretos que é impossível ver as meninas dos seus olhos. Ela puxa a mão soltando a minha e cruza os braços. Seus olhos curiosos continuam me avaliando.
—A Sra. Cassandra está bem? — Ela empina o queixo desconfiada e eu afasto-me encostando na mesa. Cruzo os braços para conter a vontade de tocá-la novamente.
— Está sim — respondo olhando pela janela. Eu preciso parar de ficar encarando-a da forma que estou. Daqui a pouco ela vai sair correndo e gritando.
— E o Sr. Pedro? — Sua voz demonstra sua preocupação.
— Os dois estão bem! — Eu queria ficar olhando para a cidade, mas algo nela me atrai. Volto a olhá-la e a flagro me analisando dos pés à cabeça.
— Qual o seu nome? — pergunto e mordo a boca desencostando da mesa e dando um passo em sua direção.
— Thais... — Sua voz sai baixa, quase falhando e eu percebo que ela engole em seco. — Estarei na recepção, se precisar de alguma coisa. — Thais se vira e tromba com a porta antes de sumir pelo corredor.
Eu sorrio olhando para a porta da sala e passo a mão pelo cabelo.
Esse trabalho começou a ficar muito interessante!