— Filhinha vamos brincar de se esconder? — minha mãe fala para mim aos sussurros — Você não pode fazer barulho ou a brincadeira não vai ser legal. — Mamãe, a vovó pediu para buscar ervas, não podemos brincar. — Falo sem compreender a atitude repentina da minha mãe. Eu amava brincar com a minha mãe pela floresta, sempre fazíamos isso só que aquele dia em específico era o dia de juntar as ervas para a vovó. Aquela atitude dela foi estranha, até que começo a ouvir vozes alteradas. — Afrodite, vamos brincar agora. — ali onde estávamos tem uma enorme árvore com tronco oco — Afrodite, fique aí bem abaixada e não saia por nada, mamãe ama você. Ela cobriu a pequena entrada com bastante mato, fiquei ali dentro quieta como minha mãe pediu, eu só tinha oito anos. Consegui ouvir minha mãe tentar correr, seus passos pesados e rápidos até que escuto alguém gritar: — Pegue a bruxa! Não a deixem escapar. — uma mulher grita com muito ódio em sua voz. — Mamãe… — sussurro chorosa e com muito medo. — Alicia, vocês não têm o direito de fazer isso comigo! Me solta. — minha mãe fala entre os dentes. — Você está sendo condenada à fogueira por seduzir meu marido e jogar um feitiço nele para obrigá-lo a ir para cama com você… Sua maldita bruxa v***a. — Já se passaram um pouco mais de oito anos, Alicia. Seu desprezível marido me seduziu e tirou minha virgindade, transou comigo por três meses e fugiu feito um covarde depois de… — minha mãe se cala. — Enfeitiçou meu marido e quis dar o golpe nele. Todos sabem que em noites de lua cheia vocês bruxas viram vadias promíscuas nuas e transam com os pobres coitados que caem nos feitiços de vocês. Matem a bruxa na fogueira. — A mulher grita e eu choro cada vez mais. Não quero obedecer a mamãe, quero ajudá-la, aquela mulher má não pode machucar a minha mãe. Começo a retirar os matos que minha mãe colocou na entrada do buraco da árvore oca e saio de lá de dentro engatinhando, quando penso em correr na direção em que os gritos agonizantes da minha mãe estão vindo algo me impede de continuar me fazendo cair sentada no chão sujando a minha capinha vermelha que minha avó fez para mim com tanto carinho. Um lobo, um pouco mais alto do que eu bloqueou minha passagem. Ele tem o pelo escuro, tem uma faixa em uma de suas patas metade branca e metade preta, seus olhos também me surpreendem, um é quase dourado que atrai. Ele olha para a direção de onde vêm os gritos e depois vira para mim e bate sua enorme pata no chão como se quisesse me expulsar dali para outra direção. Mas eu escuto o grito mais aterrorizante que alguém pode ouvir na vida, grito de dor, desespero quase um apelo por socorro. Eu olho para aquela direção chorando e grito: — Mamãe! — Quando começo a correr para ir até minha mãe algo me segura pelo capuz e me arrasta. Eu olho para cima e vejo aquele lobo me arrastar para longe de onde vem os gritos da minha mãe, ele começa a dar passos cada vez mais rápidos me arrastando junto com ele e eu grito desesperadamente: — Mamãe… Me solta seu animal i****a. Mamãe… — Tudo em vão, o lobo continua a me arrastar por um tempo. Quando ele me soltou fiquei ali deitada na grama em posição fetal abraçada aos meus joelhos chorando, apenas chorando até pegar no sono. Quando despertei estava na cabana, minha avó estava sentada perto da lareira fazendo algo em sua enorme panela de sopa. — Vovó… Cadê a mamãe? — Não consigo parar de chorar. Minha avó para de cortar o coelho e abaixa a cabeça como se estivesse pensando no que responder para mim. Ela volta a cortar o coelho e jogar suas partes na panela de sopa e fala sem olhar para mim: — Sua mãe sofreu uma injustiça muito grande por seu pai ser um covarde mentiroso. Ele viveu por um tempo escondendo que era casado e que a esposa estava grávida e não podia se deitar com ele. Usou sua mãe por ser inocente na época e ter apenas dezesseis anos, ela acreditou que era amor verdadeiro… Mas você era o amor verdadeiro de sua mãe e por você ela era capaz de tudo… Até mesmo se deixar ser queimada viva em uma fogueira para que não descobrissem onde você estava. Meu choro soa como o de um animal ferido mortalmente, foi o uivo de dor mais estridente já ouvido nessa floresta. Minha avó se levanta e me abraça forte, seu abraço foi tão apertado que sinto meus ossos todos estalarem, choramos juntas por um tempo. Quando a comida ficou pronta minha avó arrumou nossos pratos e ao me entregar diz: — Come, meu anjo… Às vezes o alimento traz alento, mas não se engane, só você pode curar sua dor. Nós comemos em silêncio e em cada batida do meu coração a dor e a saudade da minha mãe me golpeiam com força me fazendo odiar cada pessoa que vivia fora dessa floresta. Quando deito para dormir começo a lembrar da canção que minha mãezinha cantava para mim: — Afrodite, minha filha, durma bem. Você é a luz do meu coração, tem a beleza de uma flor e a bondade de uma fada. Afrodite, minha filha, sonhe alto, você é a esperança do meu mundo. Você tem a força de uma leoa e a sabedoria de uma bruxa, minha filha, cresça feliz. Você é o orgulho da minha vida, tem a graça de uma princesa e a coragem de uma guerreira. — Saudade de ouvir a voz dela, durmo chorando.