A festa parecia perfeita. Flores brancas, luzes douradas, música animada. Mas Anne só via o vazio.
Sentou em um canto, sozinha como sempre. Observava os casais dançarem. Pareciam viver num mundo que não era feito pra ela.
Nasceu no Brasil, cresceu em meio aos pássaros, mas naquele rancho do Texas, era só mais uma peça fora do lugar.
Faltava algo. Ou alguém.
Noah.
Desde crianças, ele sempre aparecia quando ela mais precisava. Como no dia em que ela chorou atrás da escola, por causa da prova de matemática que tinha acabado de destruir suas esperanças.
Ela contou o problema e ele a abraçou até que os soluços passassem.
Mas no dia seguinte, antes da prova de recuperação, lá estava ele.
— Toma, Anne. Coloca isso no ouvido.
— O que é isso?
Ela só queria sumir.
Noah se sentou na terra fria. Deu um sorriso e respondeu a verdade.
— Vou fazer a prova com você.
— Vamos colar?
— Não! Eu vou te ensinar.
E quando a prova de recuperação chegou, a voz surgiu no ponto eletrônico.
-Só fecha os olhos e escuta.
Durante a prova de recuperação, a voz dele parecia silenciar toda a confusão da sua mente. A primeira pergunta já a deixou em pânico. Falava sobre cálculo de área de um retângulo.
Ela não sabia como responder, mas Noah falou tranquilo.
- Você sabe essa. Imagina que o retângulo é um tapete com quadradinhos, como aquele da sua fazenda no jogo. O chão tem 8 de comprimento e 5 de largura. Quantos quadradinhos precisa pra cobrir tudo?
A menina pensou, pensou e gritou feliz. Tinha certeza da resposta.
— QUARENTA!
A professora se assustou com o grito, mas não disse nada. Anne corou, mas sorriu. Pela primeira vez, acertou. Não foi só a resposta. Foi ele. Foi o jeito como ele a fazia entender.
Noah nunca lhe deu respostas, só lhe dava coragem.
Graças a ele, passou de ano. Terminou o ensino médio. Mas não quis fazer faculdade.
Ele sim.
Entrou em Ciências da Computação, virou um gênio dos prêmios, estava sempre viajando, e ainda assim, nunca a esqueceu.
Na universidade, dizia aos colegas que tinha uma namorada. Ela. A garota do moletom por baixo do vestido do Ursinho Pooh.
Mas Anne nunca aceitou seus convites. Sempre fugia, sempre dizia a mesma coisa...
Somos só amigos.
Agora, anos depois.
Ela ainda não tinha coragem de levantar daquela cadeira e ir para a quadra onde ele a esperava.
A noite viviam aquele amor de um jeito que só de lembrar ela quase enlouquecia, mas tinha que ser só isso.
Fixou os olhos em um casal tão diferente quanto bonito, a mulher era uma das soldados de Endi. Diziam que ela tinha prazer em matar.
No entanto, ela estava colocando pedacinhos de coxinha na boca de um dos amigos do pai de Noah.
O hacker não era nem de longe o homem certo para uma mulher como ela e ainda assim, Killer parecia estar tão feliz.
Queria ter aquela coragem.
Se perdeu nos próprios pensamentos.
Até que uma voz grave a arrancou dos seus pensamentos.
— Podia ser a gente.
Anne se virou.
Noah.
Ele sempre aparecia quando o coração dela estava prestes a desabar.
Ela tentou esconder o sorriso, mas falhou.
— Você devia estar se divertindo, Noah.
— Boa ideia!
Ele estendeu a mão a chamando para dançar.
Mas antes que os dedos se tocassem, foi puxada por outro rapaz.
Os noivos organizaram uma espécie de fila.
Estavam puxando um a um formando um cordão festivo onde todos dançavam de mãos dadas.
Mas quando o cordão se desfez e os casais se formaram. Noah não deixou que ela voltasse para a segurança da sombra.
Odiava dançar. Sempre tropeçava. Mas com Noah era diferente.
Ele a segurou firme pela cintura, os corpos tão encaixados como era quando estavam fazendo amor.
A menina encostou a cabeça no peito dele. O coração bateu mais forte. Até o cheiro de Noah a incendiava.
Entre o primeiro dia na casa dos pais de Noah e aquele casamento, já tinham se passado exatamente 1095 noites e ela, apesar de nunca dizer.
O amava ainda mais do que no primeiro dia.
Noah continuou dançando.
Segurando ela com os pés fora do chão, os olhos do rapaz fechavam quando sentia o perfume.
— É disso que eu tava falando. Você precisa parar de pensar em sexo o tempo todo. Ou o homem que conseguir conquistar esse seu coração de gelo vai precisar de suplementos.
— Me solta!
Ele riu. Apertou ainda mais.
— Se falar isso de novo, eu te beijo aqui mesmo. Na frente de todo mundo. E na minha boca você não tem coragem de pedir pra parar.
— Noah!
— Nem na minha língua. Nem no meu p*u. Então fica quietinha e dança comigo. Ou hoje quem não vai aparecer para nossa brincadeira, sou eu.
A brincadeira... ela amava aquelas brincadeiras, mas sabia que também seriam sua condenação. Esqueceu os medos e dançou.
Pelo menos por um dia queria se sentir normal, alguém capaz de escolher o próprio caminho de ser amada por um homem tão bonito quanto Noah.
Dançou... Não pela ameaça. Mas porque, no fundo, tudo o que mais queria... era tornar aquilo real.
Mas de repente, como se sonhos tivessem prazo de validade.
O som parou. Um dos convidados desligou a caixa, ligou um microfone.
Rafael Treviño, filho de Miguel, aliado de Endi. Todos se armaram. Dylan sacou a arma. Só Endi permaneceu sentado.
Noah levou Anne para trás, os braços agora mais firmes em torno dela.
— Fecha os olhos, corujinha.
— Me solta.
— Finge que a gente ainda tá dançando. Só fecha.
Ela obedeceu. O coração dele batia como depois de fazerem amor.
Era bom, mesmo que o mundo desabasse, com ele sempre era bom.
Depois daquele abraço tudo desmoronou, as coisas aconteceram rápido demais, ela nem se lembrava direito.
Rafael deveria ser um dos aliados da máfia.
Mas de repente ele estava sobre um palco, dizendo que deviam algo e que exigia Betty como pagamento.
Era ridículo, Bethanny, a irmãzinha mais nova de Anne não tinha idade nem mesmo para namorar.
Jamais deixariam que ela fosse levada de casa por aquele homem.
Ainda assim, Anne ouviu o capo aceitar os termos.
— Entrou na minha casa cobrando uma dívida de sangue, pois será uma honra ser seu cunhado.
Novamente o código!
Todos sabiam que naquelas terras eles viviam e morriam pelo código da máfia. Aquelas leis eram duras, mas também tudo o que tinham.
Endi dizia que a lei existe para mostrar aos homens que os limites existem.
A dívida de sangue não era uma metáfora, nem bonitinha como contam os filmes, ela é real e em algum lugar, agora mesmo. Ela pode estar sendo cobrada.
As regras são simples.
Quando um homem salva a vida de um m****o importante da máfia toda a ordem deve a esse homem.
Quando o sangue é poupado por outro homem, a vida inteira se torna uma moeda.
E essa moeda será cobrada, não importa quem tenha que sangrar depois.
Porque negar uma dívida de sangue é cuspir no código.
É rasgar a honra, afrontar a hierarquia.
E na máfia.
Quando a honra cai, o corpo logo vem atrás.
Betty era só uma criança.
Mas Rafael Treviño estava pedindo a ela como pagamento.
Todos ali sabiam que recusar não era uma opção, ainda assim se viraram contra o capo.
Sombra o pai de Anne e Betty, também era o presidente do conselho.
Urrava como um lobo que caiu em uma armadilha.
Ivan o padrinho da menina também parecia pronto para morrer pela garotinha.
Mas foi Anne quem se ofereceu.
— Eu sou do sangue que está sendo cobrado! Eu me caso com você!