Narrado por Luiza
O Rio de Janeiro nos rendeu umas das melhores férias da nossa vida. Sério. Tudo parecia perfeito. O céu azul, as praias vibrantes, a música que ecoava pelas vielas, e aquele clima meio caótico, meio mágico, que só o Rio tem. Nós rimos tanto, dançamos como se não houvesse amanhã e nos sentimos mais vivas do que nunca. Eu, Dara e Nara... três amigas, três sonhos, três corações pulsando no mesmo ritmo.
Conhecer o pessoal do morro foi uma surpresa à parte. Não esperávamos nos aproximar tanto daquele lugar. A energia era outra, as pessoas, apesar de viverem uma realidade dura, carregavam uma alegria que contagiava. Mas havia algo ali... algo por trás dos sorrisos e da música. Algo mais denso.
E foi aí que conhecemos Dante.
Mas Dante não era um traficante qualquer. Aquele homem era outra coisa. Ele tinha postura de rei. Não era só o morro que obedecia a ele — parecia que até o vento mudava de direção quando ele passava. Alto, imponente, olhar frio, porém extremamente inteligente. Falava com articulação, como se tivesse estudado em Harvard, mas com a firmeza de quem comanda um exército. Ele era mais que um chefe do tráfico — era uma espécie de Lion, o nome que usavam com reverência nas ruas, como se fosse lenda, uma entidade viva. A gente descobriu depois que ele era parte de um cartel internacional. Máfia, de verdade.
Dara... Dara foi a que mais se encantou. Ela era sempre a mais curiosa entre nós. Observava tudo com olhos ávidos, queria entender aquele universo, mergulhar nele. E Dante... notou isso. Se aproximou. O resto foi rápido demais. Um sorriso aqui, uma conversa ali, e quando vimos, Dara já estava envolvida. Envolvida demais.
Mas tudo foi por água abaixo quando eu acordei naquela manhã e percebi que Dara não tinha voltado pro hotel.
Olhei pro relógio. Nove da manhã. Ela deveria ter voltado horas antes. Dei uma olhada rápida ao redor, já com o coração apertado. Não tinha mensagem, não tinha ligação perdida. O celular dela estava desligado.
Nara apareceu do banheiro secando o cabelo.
— Ainda nada da Dara?
Balancei a cabeça. Meu estômago se revirou.
Nara franziu a testa, tensa.
— Não é possível que eu estava certa esse tempo todo.
— Calma — tentei acalmá-la. — Acho que ela só se atrasou.
— Eu digo que sinto as coisas, Luiza. Você sabe. E vocês nunca colocam fé. Eu sabia que tinha algo errado. Eu sabia que nesse angu tinha caroço!
— p***a, Nara, não viaja — falei, tentando disfarçar minha própria preocupação. — Ela deve ter se enrolado lá em cima, só isso. Vamos arrumar tudo, deixar as coisas prontas e ir até o morro buscar ela.
Ela concordou a contragosto. Arrumamos as malas às pressas, descemos para a recepção e pegamos o carro alugado. Tudo parecia em câmera lenta. A música do rádio, o sol brilhando lá fora, o movimento na rua — nada combinava com o desespero que tomava conta de mim por dentro.
Quando chegamos ao pé do morro, já fomos barradas. O Canivete, um dos homens de confiança do Dante, estava lá.
— E aí, mina, n******e subir hoje.
— Como assim não podemos subir? Cadê a Dara?
Ele desviou o olhar.
— A Dara n******e descer. Essa é a ordem.
— Não faz isso, Canivete. Pelo amor de Deus, deixa minha amiga descer. Não faz isso!
— Tenho nada a ver com isso, não, mina. Ordem do chefe.
— Liga pro seu chefe. Agora. Diz pra ele que eu não vou sair daqui até ver minha amiga!
Peguei o celular com as mãos tremendo e liguei pra Geovana, uma das meninas do morro que tinha se aproximado da gente nos últimos dias. A voz dela do outro lado me cortou o coração.
— Desculpa, Luiza. Eu tentei, juro que tentei. Eu avisei pra Dara se afastar do Dante... mas ela não ouviu. Ele não quer deixar ela ir embora.
— p***a! E agora, Geovana? O que a gente faz?
— Talvez ele mude de ideia. Talvez amanhã ele veja o que tá fazendo. Vou tentar convencer ele. Mas agora… é melhor vocês irem. Eu prometo que vou cuidar dela. Ele não vai machucar a Dara.
Desliguei a ligação com a sensação de estar despencando de um prédio.
— p***a! — gritou Nara, já em prantos. — A Dara é tudo pra mim, Luiza! Ela sempre esteve comigo, em tudo! Ela n******e ficar presa nesse lugar!
Meu sangue fervia. Eu queria invadir aquele morro. Gritar. Bater em alguém. Fazer qualquer coisa.
Foi quando o PC, outro morador que conhecíamos, apareceu.
— Aê, Luiza, tá fazendo o que aqui, pô? Facilita. Se o Dante descer e ver vocês aqui, ele não vai perdoar.
— É errado o que EU tô fazendo ou o que ELE tá fazendo?
PC suspirou, olhando pra Nara completamente descompensada ao meu lado.
— Nessa vida, Luiza… não tem esse negócio de certo e errado, não. Eu não concordo com isso, mas ficar aqui não vai ajudar.
— A Dara é minha amiga! Ela é minha irmã!
Ele baixou os olhos.
— Mina… pega a Nara, olha o estado dela. Volta pra casa. A Dara tá segura, eu juro. O Dante não é de fazer m*l sem motivo. Depois… tenho certeza que ele vai liberar ela.
Eu odiava admitir, mas ele tinha razão. Ficar ali não ia ajudar em nada. Dante não cederia por um apelo emocional. A gente precisava pensar, respirar, bolar um plano. Mas naquele momento, tudo o que eu conseguia sentir era impotência.
Entrei no carro com Nara. Ela não parava de chorar. E eu… eu só conseguia pensar em todas as vezes que a gente brincou de imaginar a vida perfeita. Nós três casando no mesmo dia, morando na mesma rua, cuidando dos filhos juntas. Tudo aquilo parecia agora uma ilusão infantil diante da realidade c***l em que Dara estava presa — literalmente.
No caminho até o aeroporto, o choro tomou conta de mim. Um choro silencioso, pesado. Parecia que eu estava morrendo por dentro, mesmo com o corpo inteiro funcionando. Era como se a vida tivesse perdido o sabor. Como se tudo que eu tivesse feito de bom não valesse mais de nada.
Voltar pra casa sem a Dara era como voltar com um buraco no peito.
Nós não podíamos chamar a polícia. Não havia para quem pedir ajuda. Ninguém entenderia. Dante — ou melhor, Lion — não era alguém que se enfrentava com a lei. Ele mandava mais do que qualquer juiz. E se a gente envolvesse alguém de fora, a Dara pagaria o preço. Sozinha.
Eu me sentia uma inútil. A Nara também. Só conseguíamos olhar uma pra outra e nos perguntar como as coisas tinham chegado àquele ponto. Era pra ser uma viagem dos sonhos. Agora parecia um pesadelo do qual não conseguíamos acordar.
Mas uma coisa eu jurei pra mim mesma naquele voo de volta:
Eu vou tirar a Dara de lá. Nem que eu precise virar esse mundo de cabeça pra baixo.
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