Felipe / brinquedo narrando
Fiquei lá do lado do Paulista, ele foi me passando a visão de como funciona a cadeia, de como se comportar e o que deve ou não fazer. Tipo um estatuto com o que pode e o que não pode fazer na cadeia, essa conversa com ele me ajudou muito. Teve uma frase que ele me disse lá, que eu nunca mais esqueci. “Cadeia tu tem que tirar com a mente, pra não tirar com o corpo.” Se não tiver cabeça, tu entra na porrada. Aqui tu tem que pensar antes de falar, porque uma palavra lançada não volta a trás. E cuidado com os verdinhos, eles são traíras e fecham com os canas. Verdinhos são uns presos que trabalham na cadeia e usam uma blusa verde pra diferenciar dos outros presos. Eles ficam andando pelo presídio trabalhando, levando a comida r**m e claro, dando uma de x9 para os canas. Ali eu fui vendo que o bagulho é de verdade mesmo, que tem que ser homem pra sustentar o bagulho. Prestei bastante atenção nas visão que ele foi me passando. O mais difícil pra mim era pensar antes de falar ou xingar, mas ali não tinha outra opção. Tem que levar na risca o estatuto.
Foi escurecendo e os verdinhos levaram um saco de marroca lá pra nós. Marroca é como se chama o pão.
Só a marroca pura, sem manteiga nem nada. Comi rápido, estava morrendo de fome. Logo acabei de comer e um dos presos grita lá da grade:
— Muita água no feijão em.
Aí que eu entendi que água no feijão, é quando chega mais gente na cela, como diz no vocabulário da cadeia, chega alguém de leva. Chegaram mais 4, onde já tinha 150 e só cabia 34. E estava um calor infernal, a noite parecia que tava uns 40 graus mano.
Esses 4 que chegaram já vi logo que era tudo Playboy, chegaram mais assustados do que eu. Estavam lá os 4 encolhidos no canto com medo, com os olhos arregalados. Como também tinha acabado de chegar, fui até lá. Foi aí que conheci o Jeferson, que viraria meu parceiro Jefinho de Petrópolis, ele e os outros 3 rodaram no 171, estelionatários natos, desviaram milhões de uma agência bancária. Ele foi me falando aquilo e eu pensando “isso que é ladrão de verdade.”
Com a chegada deles eu fiquei mais tranquilo, porque não era o único novato ali.
Foi chegando perto da hora de dormir, e foram se organizando pra ver onde cada um ia dormir. E é claro que os mais antigos não iam dar uma comarca para os novatos né. Os mais antigos dormiram 2 em cada comarca, um de pé pro outro pra não ter risco de ninguém se encoxar dormindo. b***a com b***a como diz a rapaziada. É nós os novatos, arrumamos uns pedaços daquelas espumas amarelas rasgadas, e jogamos no chão pra deitar um pouco. Como eu senti falta da minha cama nessa hora. Deu 22h, e apagaram o balão. Balão é como se chama a lâmpada na cadeia. Na cadeia deu 22h, tem que fazer silêncio total, o sono do preso é responsa, é a hora de refletir e de sonhar com a família. Tentei dormir um pouco, mas era impossível. Pelo menos pra mim, novato ali. De madrugada era a hora da ronda das ratazanas, elas saiam dos buracos pra subir naquelas lixeiras, pra comer aqueles restos de fígado podre, e eu deitado no chão, com aquelas ratazanas gigantes passando do lado, eu não consegui nem cochilar. Cada bicho daquele parecia um gato de tão grande. Ficou eu e mais os 4 novatos acordados, assustando com as ratazanas comendo o lixo podre. Quando foi amanhecendo, as ratazanas já não rodavam tanto, consegui cochilar um pouco. Bem pouco mesmo, logo em seguida veio o desipe gritando:
— Acorda geral, hora do confere.
Confere é a contagem dos presos em cada cela. Geral saindo um por um pra eles contarem, e depois retornar para a cela, 154 candangos dentro daquele quadrado.
Comecei a observar mais a cela, fui vendo que tinha gente ali de todos os tipos, o que me assustou muito. Cracudos, mendigos, pessoas descalças todas sujas. Ali eu entendi que ali era uma triagem, depois ia cada um pra um presídio. Aquela comida podre que eu joguei fora, esses caras conseguiam comer 3 daquelas, tinham uns doidos que pegavam do lixo antes das ratazanas, coisa de maluco aquele lugar.
Verdinhos na galeria, chegou o café da manhã. Um café horrível, parecia mais uma água suja e uma marroca. Comi somente a marroca, tinha que tentar me alimentar um pouco. Até porque a brilhosa não dava pra comer.