Vasco narrando
Sou Vasco. Meu nome de verdade, poucos sabem, e nem vai ser da boca que vai sair. Tenho vinte e nove anos, corpo fechado de tatuagem, forte, alto. No meu morro, não aceito bagunça. Aqui é ordem, disciplina e respeito. Nada de pirangagem. Quem corre comigo sabe: eu comando a Rocinha de braço firme, e só assim ela se mantém de pé.
Desde que meu pai morreu, ficou só eu e a Jéssica, minha irmã. Ela é meu porto seguro, mas eu quase não tenho tempo pra nada. Muito corre, muito problema pra resolver. Mulher, então… nenhuma. Nunca quis me prender a ninguém. E mais: não me relaciono com mina do morro. Regra que eu mesmo coloquei. Já vi muito chefe cair por causa disso.
Mas tem uma exceção.
Uma mina que cresceu comigo, que brincava comigo quando a vida ainda era só bola de gude e pipa no céu. Laura.
Linda. Educada. De postura. Sempre na dela. Nunca vi ela rodando por aí com homem, nunca vi se rebaixando. Pelo irmão que tem, o Gustavo, já era de se esperar respeito em volta dela. Mas a real é que ela se garante sozinha.
Só que agora… agora as coisas mudaram. Eu percebi.
A menina virou mulher. E que mulher.
Eu juro que tentei não olhar, mas não deu. De uns tempos pra cá, meus olhos seguem ela sem que eu perceba. O cabelo preto batendo na cintura, o jeito dela andar, o corpo que chama atenção sem esforço. E o que mais me pega: a inocência no olhar, aquela pureza que quase não existe mais nesse mundo que a gente vive.
E eu sou o Vasco.
Se eu quero, eu consigo.
E dessa vez, eu quero.
Tava na contenção, conferindo o movimento, quando um carro parou logo na curva. Os vapores que tavam ali também viraram o pescoço, mas meu olhar foi direto.
A porta abriu… e desceu Laura.
Ela deu tchauzinho pra alguém dentro do carro e eu percebi na hora: não era qualquer um. Reconheci logo o rosto, era o Vinícius, irmão do Berg, lá do morro vizinho. Minha atenção fechou nele na hora, do jeito que só eu sei olhar. Laura sentiu. Quando passou por mim, baixou a cabeça, sem coragem de me encarar.
Não pensei duas vezes. Montei na minha moto e subi até ela.
— Te deixo em casa, soube. — falei firme, do jeito que não dá espaço pra recusa.
Ela só olhou, respirou fundo e subiu na garupa.
Quando a mão dela encostou na minha cintura, senti um arrepio atravessar meu corpo. Não era medo, não era tensão — era desejo.
Passei pelas vielas, cortando o vento da noite, com ela colada em mim. Parei em frente à casa dela, o motor ainda roncando.
Antes que ela descesse, segurei pela cintura, puxando pra perto. Senti a respiração dela falhar.
— O que tu tava fazendo no carro do Vinícius? … humm? — minha voz saiu baixa, mas firme.
— Ele é um colega da faculdade! — respondeu rápido, como se quisesse se livrar do peso da pergunta.
— Sei… — soltei devagar, sem tirar os olhos dela.
Laura ficou me encarando por alguns segundos, como se tentasse entender o que eu ia fazer depois. Aí, soltei a cintura dela devagar, deixando o toque escorrer pela pele dela como aviso.
Ela entrou pra dentro, mas eu fiquei ali, parado na moto, olhando a porta se fechar.
Não posso dar bobeira. Sei das regras, sei do meu nome, sei do que carrego nos ombros. Mas aquela cena dela dentro do carro de outro mexeu comigo de um jeito que eu não esperava.
E se tem uma coisa que eu não aceito, é dividir o que eu quero.