3. As Mensagens (Parte III)

1515 Words
Fiquei parada diante dele, como se o chão tivesse perdido forma. As palavras ecoavam na minha cabeça, cada uma encontrando um espaço que eu tentava ignorar. “Eu já te conhecia antes.” “Você parecia alguém carregando peso demais sozinha.” “Eu não consegui simplesmente passar.” Era muita coisa. Era íntimo demais. Era verdadeiro demais. Theo manteve a distância — não muita, não pouca — apenas o suficiente para me dar espaço, mesmo que eu não tivesse pedido. Ele parecia esperar algo de mim. Uma reação. Um sinal. Um gesto. Mas eu ainda estava tentando entender por que aquilo mexia tanto comigo. Levei a mão à testa, respirando devagar. — Isso é… estranho, Theo. Minha voz tremia um pouco, mesmo eu tentando esconder. Ele não se defendeu. Não tentou justificar. Apenas assentiu. — Eu sei que é. A voz dele estava baixa, carregada de sinceridade. — E eu não quero que pareça que eu fiquei te seguindo ou te observando desde aquele dia. Porque não foi isso. Meu peito apertou. — Mas você lembrou de mim. Eu não consegui segurar o tremor na frase. — Lembrei. — ele disse, sem hesitar. — E não sei explicar o motivo. Pausa. — Só sei que aquele dia ficou na minha cabeça. As palavras dele entraram como lâmina fina — sem dor imediata, mas profunda o suficiente para atingir algo que eu não mostrava para ninguém. Meu olhar encontrou o dele. E, pela primeira vez, eu não vi “o garoto do boato”, nem “o popular da escola”. Vi um humano. Cheio de dúvidas. De erros. De verdades partidas. E de um sentimento que nem ele parecia entender. A voz dele veio mais suave: — Você tá com medo de mim agora? Demorei alguns segundos para responder. — Não. Engoli seco. — Tô com medo do que isso significa. Theo respirou fundo, como se aquela resposta fosse exatamente o que ele temia… e o que esperava. — Não significa nada se você não quiser. — ele disse. Pausa. — Mas eu precisava te contar. Porque você merece saber a verdade desde o começo. Olhei para ele, tentando entender cada detalhe que eu não enxergava antes. O rosto cansado. A tensão nos ombros. A forma como ele mantinha as mãos fechadas, como se estivesse segurando algo que poderia escapar. — Theo… — falei, quase num sussurro — por que você está assim? Mexeu comigo perceber o quanto ele parecia desconfortável, vulnerável, quase… inseguro. Ele desviou os olhos por um momento. — Porque eu estraguei tudo. — admitiu. — Não era pra você estar no meio desse caos. Não era pra ter boato nenhum. Pausa. — E eu sinto que, se eu não te contar agora… vou perder a chance de consertar. Aquilo me atravessou. — Consertar o quê? Um silêncio pesado se instalou. Theo deu um passo em minha direção — suave, cuidadoso — como se tivesse medo de que eu fugisse. — Consertar o que esse “motivo” causou. — ele disse, baixinho. Meu coração acelerou. — Então me diz qual é esse motivo. Ele fechou os olhos por um instante, respirando fundo, como se estivesse tentando reunir coragem. — Eu vou te dizer. Abriu os olhos, e eles estavam diferentes: escuros, intensos, carregados de algo que eu não sabia decifrar. — Mas se eu disser agora… você pode não querer falar comigo de novo. Meu peito apertou tão forte que doeu. — Isso é sobre mim? — perguntei. — Sim. — Theo respondeu. Sem hesitar. Sem desviar. — Sobre algo que eu fiz? — insisti. Ele balançou a cabeça. — Não. Pausa. — Sobre algo que eu fiz… e acabou chegando em você. O ar pareceu mais pesado. — Theo, você está me assustando. Ele deu outro passo — agora muito perto, mas sem ultrapassar a linha invisível entre nós. — Eu prometo que nada disso te machuca. A voz dele veio mais firme. — Só… te envolve. Senti um arrepio na espinha. Não de medo. De verdade. De uma verdade que estava para acontecer. Theo respirou fundo, como se estivesse prestes a continuar, mas então parou. O olhar dele caiu sobre minha mão. A mão que segurava o bilhete que encontrei no corredor. Ele percebeu. Seus olhos ficaram mais suaves. — Você leu? Assenti. Ele engoliu seco. — É verdade. Pausa curta. — Se você soubesse desde o começo… talvez tivesse me evitado. Outra pausa. — Mas eu não queria que você fizesse isso. Algo dentro de mim desabou um pouco. Um silêncio denso se formou entre nós. Ele estava mais perto do que nunca. Posso contar os fios soltos da gola da camisa dele. Posso ouvir a respiração dele. Posso sentir a tensão que existe entre nós — silenciosa, mas viva. E então, pela primeira vez, a voz dele saiu quase num sussurro: — Lívia… eu não quero que você vá embora de mim. Meu coração parou. Literalmente parou. Eu não sabia o que responder. Não sabia o que pensar. E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele deu meio passo para trás. Como se tivesse percebido que tinha ido longe demais. Como se estivesse tentando controlar um sentimento que não tinha nome. Como se estivesse preso entre o medo e o desejo de permanecer. ******* O silêncio entre nós parecia vivo, respirando junto com a tensão que ocupava cada espaço da quadra. Theo ainda estava ali, a poucos passos, com o corpo inclinado como se buscasse um equilíbrio interno que não encontrava. Eu não conseguia tirar os olhos dele. Era como se finalmente enxergasse algo que sempre esteve ali, escondido atrás dos boatos, das máscaras, das versões distorcidas que todos repetiam. A voz dele veio baixa, rouca, sincera: — Eu não quero que você vá embora de mim. Meu coração travou. Não era uma declaração. Não era romance. Era vulnerabilidade. E, por isso, pesava muito mais. — Theo… — tentei dizer, mas minha própria voz falhou. Ele passou a mão pelos cabelos com força, como se tentasse segurar alguma coisa que escapava. — Eu sei que parece estranho. Pausa. — Eu sei que parece errado. Outra pausa. — Mas eu preciso que você entenda o motivo antes de… decidir qualquer coisa. — Então me diz. — falei, finalmente encontrando firmeza. — Eu tô aqui. Diz agora. Os olhos dele encontraram os meus. Havia algo que eu nunca tinha visto: hesitação. Theo respirou fundo. Uma. Duas vezes. — O motivo… — começou. Meu corpo inteiro ficou alerta. — É algo que aconteceu comigo. E que… acabou chegando até você sem querer. Ele fechou os olhos por um segundo. — Eu deveria ter te avisado antes. Antes da carona. Antes da confusão. Antes de te ver assim… no meio de algo que é meu. Eu senti um frio percorrer minha espinha. — Theo, você tá me assustando de verdade. — confessei. — Eu sei. — ele disse. — Mas eu preciso que você tenha um pouco de paciência. Pausa. — Só mais um pouco. Ele deu um passo. Devagar. Cauteloso. Como se o chão entre nós tivesse se tornado frágil. Ficamos frente a frente. Meu peito subia e descia rápido demais. O dele também. — O que você precisa saber é que… você não era pra estar envolvida nisso. A voz dele estava baixa, quebrada. — Mas, quando eu percebi que tava… eu não consegui mais te tirar do pensamento. Meu estômago afundou. — Então me diz qual é o “isso”. Theo abriu a boca para responder. E, pela primeira vez, eu senti que ele realmente ia dizer. Que as palavras finalmente iam sair. Que o motivo — o verdadeiro motivo — enfim seria revelado. Mas alguém gritou do lado de fora da quadra: — Navarro! A coordenadora tá te chamando! Agora! O som cortou o ar como faca. Theo fechou os olhos, frustrado, como se tivesse sido arrancado de um lugar do qual não queria sair. Virou o rosto lentamente na direção da porta metálica da quadra. Respirou fundo. E eu vi. No exato segundo antes de ele falar, eu vi. A verdade estava prestes a explodir. Ele voltou o olhar para mim. O rugido baixo da voz dele veio firme: — Eu volto. Não vai embora. — Theo… — Eu preciso te contar isso. — disse ele, com uma convicção que fez meu coração disparar. — E quando eu contar… nada vai ser igual. O passo que ele deu para trás foi lento, como se parte dele resistisse a se afastar. A porta metálica abriu com um estalo alto. Um funcionário da escola apareceu. — Navarro, rápido. Theo olhou pra mim pela última vez. — Me espera. E saiu. A porta se fechou. O som ecoou pelo espaço vazio. Eu fiquei ali. Sozinha. Com o coração acelerado. Com a cabeça cheia. E com a sensação claustrofóbica de que a verdade estava tão perto que já respirava na minha nuca. A única certeza que restou foi simples. Inevitável. Aterradora: Quando ele voltar, a minha vida vai mudar. Quer eu queira… ou não.
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