O corredor ficou em silêncio depois que Theo disse aquilo.
Não era o tipo de silêncio pesado dos boatos.
Era outro.
Mais íntimo.
Mais perigoso.
O tipo de silêncio que aparece quando alguém diz uma verdade que não pode ser retirada depois.
“A outra garota tinha o seu mesmo perfil.”
Meu coração batia rápido, mas minha voz saiu baixa, firme o suficiente para não vacilar:
— Theo… qual é o nome dela?
Ele olhou para os lados, como se verificasse se alguém prestava atenção.
Depois, voltou os olhos para mim — e havia uma hesitação que eu nunca tinha visto antes.
Maria ficou alguns passos atrás, tensa, como se estivesse pronta para interferir se algo saísse do controle.
Theo passou a mão pelo cabelo, um gesto nervoso que entregava mais do que as palavras.
— Eu não sei se devo começar pelo nome. — disse ele.
— Por onde você quer começar? — perguntei.
Ele respirou fundo.
Devagar.
Como se estivesse medindo cada palavra para não errar.
— Pelo motivo. Porque o nome… vai ser consequência.
Eu senti um aperto no peito.
— Então me diz o motivo.
Theo olhou para o envelope que eu ainda segurava.
A expressão dele se contraiu.
— Posso?
Entreguei sem falar nada.
Ele abriu devagar, como se temesse o que viria.
Leu o conteúdo em silêncio.
O maxilar dele enrijeceu.
— É isso que eu queria evitar. — ele disse, dobrando o papel com cuidado. — Que você fosse colocada no mesmo lugar que ela.
Meu estômago apertou.
— No mesmo lugar… como assim?
— O lugar onde tudo vira culpa sua. Mesmo quando você não fez nada.
Eu queria entender, mas a cada frase dele, mais perguntas surgiam.
Theo desviou o olhar por um instante, depois voltou para mim com seriedade.
— A outra garota não mudou de escola por boatos. Ela mudou porque alguém usou nossa aproximação contra ela.
Meu coração gelou.
— E agora estão fazendo isso comigo?
— Estão tentando. — Theo respondeu. — E eu juro que não sei por quê ainda, mas desde que te vi no estacionamento naquele dia… eu senti que isso ia acontecer de novo.
Eu pisquei, confusa com a frase.
— Então… você tentou se afastar de mim? — perguntei.
Theo respirou mais fundo dessa vez.
— Tentei e falhei.
Senti o ar entrar e sair do peito com dificuldade.
— Por quê?
Ele não hesitou.
— Porque você não parecia alguém que seria usada pra isso e eu não queria que você virasse parte dessa história.
Meu coração bateu forte.
— Parte da história com ela? Que ocorreu antes?
Theo assentiu.
— Sim.
E a honestidade dele pesou.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando organizar o que sentia.
Medo?
Raiva?
Curiosidade?
Confusão?
Tudo ao mesmo tempo.
Finalmente, repeti:
— Theo… qual é o nome dela?
Ele olhou para mim.
Direto.
Sem fugir.
Um segundo.
Dois.
Três.
Então disse:
— Júlia.
O nome caiu entre nós como uma pedra na água.
Criando ondas e mais ondas que eu ainda não sabia como enfrentar.
— Ela era… sua namorada? — perguntei, sem conseguir esconder o impacto.
Theo se mexeu, desconfortável.
— Não. Mas ela acreditou em mim. Mais do que devia.
Meu estômago virou.
— E ela se machucou por sua causa?
Theo apertou os olhos por um instante, como se aquela pergunta fosse difícil de ouvir.
— Ela se machucou por causa do que fizeram com nós dois. E agora estão fazendo com você.
Engoli seco.
— E por que comigo? Eu nem te conhecia.
Theo deu um passo para frente — não agressivo, mas decidido.
— É isso que eu tô tentando descobrir. Mas se começou comigo… vai terminar comigo.
Eu senti a tensão nos meus ombros diminuir de um jeito estranho — não porque tudo estava resolvido, mas porque, pela primeira vez, ele não parecia esconder nada.
Repassei o nome na cabeça.
Júlia.
Eu não conhecia nenhuma Júlia que combinasse com aquela história.
Nenhuma que tivesse sumido.
Nenhuma que tivesse sido engolida por um boato e apagada depois.
Mas agora…
agora eu tinha um nome.
E nomes têm histórias.
Histórias que machucam.
Histórias que repetem.
Histórias que não deveriam se repetir.
Respirei fundo.
— Theo… onde ela está agora?
Ele não respondeu imediatamente.
E isso me deu a sensação de que a verdade não vinha fácil.
Depois de alguns segundos, ele disse:
— Longe. E não foi por escolha.
Meu coração disparou de novo.
— O que aconteceu com ela?
Theo abriu a boca para responder — mas alguém chamou meu nome no final do corredor.
Um professor.
Ele parecia apressado.
— Lívia, você tem um minuto? Preciso falar com você na coordenação.
O mundo pareceu congelar.
Maria arregalou os olhos.
Theo ficou rígido.
— Não vai, por favor. — Theo disse imediatamente. — Não sozinha.
O professor insistiu:
— É rápido. Venha agora.
Olhei para Theo.
Ele olhou para mim.
Havia medo nos olhos dele.
Medo real.
— Isso tem a ver com o que aconteceu com a Júlia. — ele disse, quase num sussurro. — Eu sinto.
Meu coração disparou.
O professor me chamava de novo.
Theo deu um passo à frente, tenso.
— Eu vou com você.
O professor balançou a cabeça.
— Só ela.
E, naquele segundo, eu entendi:
O passado da outra garota estava começando a alcançar o meu presente.
Theo segurou meu braço, firme, mas não forte.
— Livia… toma cuidado.
Eu engoli o medo, soltei o braço devagar e disse:
— Eu volto.
E fui.
Sem saber — mas sentindo — que esse era o momento que mudaria tudo.
*******
O corredor até a coordenação parecia mais longo do que o normal.
Cada passo parecia fazer eco dentro de mim, como se eu estivesse andando em direção a algo grande demais para controlar.
Tentei respirar fundo, mas a respiração veio curta.
Eu pensava no que Theo disse.
No nome que ele finalmente me deu.
Júlia.
E, principalmente, na frase que ainda queimava na minha mente:
“Ela acreditou em mim mais do que devia."
Cheguei à porta da coordenação.
O professor abriu, fazendo um gesto para eu entrar.
— Pode sentar, Lívia.
A sala estava silenciosa.
A coordenadora estava sentada atrás da mesa, com uma expressão que não era severa, mas também não era leve.
Era… cuidadosa.
Ela me observou por alguns segundos antes de falar.
— Você sabe por que chamei você aqui?
Meu peito apertou.
— Não, professora.
Ela cruzou as mãos sobre a mesa.
— Recebemos uma denúncia envolvendo seu nome. E também o nome do Theo Navarro.
Meu estômago gelou.
— Mas não se preocupe — ela disse rapidamente. — Não estamos assumindo nada. E você não está com nenhum problema.
Respirei, mas o ar não entrou por inteiro.
— Então… por que estou aqui?
Ela analisou meu rosto, como se tentasse medir minha reação.
— Porque essa denúncia não é clara. Mas ela repete um padrão.
Um frio percorreu minhas costas.
— Um padrão? — perguntei.
Ela assentiu.
— Sim. Recebemos algo semelhante no ano passado, também envolvendo o Navarro.
Meu coração bateu forte demais.
— E a outra… pessoa? — perguntei, incapaz de evitar.
A coordenadora olhou para o lado por um instante, escolhendo as palavras com extremo cuidado.
— Ela não está mais aqui.
Eu sabia.
Theo já tinha me dito.
Mas ouvir da escola tornava tudo mais real, mais perigoso, mais próximo.
— Professora… — engoli seco — isso tem a ver com a Júlia?
O nome escapou da minha boca antes que eu pudesse segurar.
A coordenadora ficou imóvel.
Por três segundos, apenas me observou.
Então respondeu:
— Não posso dar nomes, Lívia. Mas o que eu posso dizer é que, a situação é muito parecida.
Minha respiração ficou curta.
— Parecida como? — perguntei, minha voz falhando levemente.
Ela inclinou o corpo para frente, apoiando os antebraços na mesa.
— A denúncia fala sobre proximidade indevida, sobre influência emocional.
E também sobre comportamento que, segundo a mensagem, estaria deixando você vulnerável.
Me senti congelar.
— Professora, isso é mentira.
— Eu sei. — ela disse, firme. — Eu já observei você duas vezes essa semana.
Você não parece assustada. Não parece desconfortável, nem parece estar sendo forçada a nada.
— Porque não estou. — falei.
Ela assentiu.
— Eu acredito em você, Lívia. Por isso te chamei aqui. Para perguntar antes de qualquer coisa.
Senti lágrimas pressas atrás dos olhos — não de tristeza, mas de frustração, de medo, de raiva.
— Diretora — respirei fundo — alguém tá fazendo isso de propósito.
Ela não se chocou.
Como se já soubesse.
— Eu também acho.
Meu peito apertou.
— A senhora acha… que é a mesma pessoa que fez antes?
A coordenadora respirou fundo, escolhendo:
— Acho que é alguém que se beneficia de colocar o Navarro em conflito. E de afastar qualquer pessoa que se aproxime dele.
Meu corpo ficou gelado.
— Alguém… da escola?
— Alguém próximo o suficiente para acompanhar vocês dois — ela respondeu.
Eu fechei os dedos contra os joelhos, sentindo a pele esquentar de nervosismo.
— E eu? — perguntei. — O que eu faço?
Ela sorriu de leve, mas era um sorriso triste.
— Fica atenta. E não se afaste de quem pode te explicar o que está acontecendo em nenhuma hipótese.
Theo.
Ela não disse o nome, mas ela sabia.
E eu também.
— Agora pode ir, Lívia — ela disse. — E por favor, não tome nenhuma decisão precipitada.
Seu tom ficou mais sério.
— Pessoas assustadas tomam decisões ruins.
Assenti devagar.
Embora esse conselho parecesse direcionado a outra pessoa — talvez Theo — eu senti o impacto direto em mim.
Quando saí da sala, Maria estava no corredor, nervosa.
— E aí? O que ela disse?
Eu respirei fundo.
— Que alguém fez a denúncia com intenção. E que não querem que eu me afaste do Theo até entender a verdade.
Maria arregalou os olhos.
— Isso… isso é sério demais.
Eu assenti.
— É, mas agora eu sei que não é só sobre mim.
Meu peito apertou.
— É sobre a Júlia também.
Maria segurou meu braço.
— Então você vai fazer o quê?
Eu não respondi na hora.
Mas a única resposta possível ecoou dentro de mim:
Eu vou atrás da verdade.
E a verdade está com o Theo.