5. A Outra Garota

1730 Words
O corredor ficou em silêncio depois que Theo disse aquilo. Não era o tipo de silêncio pesado dos boatos. Era outro. Mais íntimo. Mais perigoso. O tipo de silêncio que aparece quando alguém diz uma verdade que não pode ser retirada depois. “A outra garota tinha o seu mesmo perfil.” Meu coração batia rápido, mas minha voz saiu baixa, firme o suficiente para não vacilar: — Theo… qual é o nome dela? Ele olhou para os lados, como se verificasse se alguém prestava atenção. Depois, voltou os olhos para mim — e havia uma hesitação que eu nunca tinha visto antes. Maria ficou alguns passos atrás, tensa, como se estivesse pronta para interferir se algo saísse do controle. Theo passou a mão pelo cabelo, um gesto nervoso que entregava mais do que as palavras. — Eu não sei se devo começar pelo nome. — disse ele. — Por onde você quer começar? — perguntei. Ele respirou fundo. Devagar. Como se estivesse medindo cada palavra para não errar. — Pelo motivo. Porque o nome… vai ser consequência. Eu senti um aperto no peito. — Então me diz o motivo. Theo olhou para o envelope que eu ainda segurava. A expressão dele se contraiu. — Posso? Entreguei sem falar nada. Ele abriu devagar, como se temesse o que viria. Leu o conteúdo em silêncio. O maxilar dele enrijeceu. — É isso que eu queria evitar. — ele disse, dobrando o papel com cuidado. — Que você fosse colocada no mesmo lugar que ela. Meu estômago apertou. — No mesmo lugar… como assim? — O lugar onde tudo vira culpa sua. Mesmo quando você não fez nada. Eu queria entender, mas a cada frase dele, mais perguntas surgiam. Theo desviou o olhar por um instante, depois voltou para mim com seriedade. — A outra garota não mudou de escola por boatos. Ela mudou porque alguém usou nossa aproximação contra ela. Meu coração gelou. — E agora estão fazendo isso comigo? — Estão tentando. — Theo respondeu. — E eu juro que não sei por quê ainda, mas desde que te vi no estacionamento naquele dia… eu senti que isso ia acontecer de novo. Eu pisquei, confusa com a frase. — Então… você tentou se afastar de mim? — perguntei. Theo respirou mais fundo dessa vez. — Tentei e falhei. Senti o ar entrar e sair do peito com dificuldade. — Por quê? Ele não hesitou. — Porque você não parecia alguém que seria usada pra isso e eu não queria que você virasse parte dessa história. Meu coração bateu forte. — Parte da história com ela? Que ocorreu antes? Theo assentiu. — Sim. E a honestidade dele pesou. Fiquei em silêncio por alguns segundos, tentando organizar o que sentia. Medo? Raiva? Curiosidade? Confusão? Tudo ao mesmo tempo. Finalmente, repeti: — Theo… qual é o nome dela? Ele olhou para mim. Direto. Sem fugir. Um segundo. Dois. Três. Então disse: — Júlia. O nome caiu entre nós como uma pedra na água. Criando ondas e mais ondas que eu ainda não sabia como enfrentar. — Ela era… sua namorada? — perguntei, sem conseguir esconder o impacto. Theo se mexeu, desconfortável. — Não. Mas ela acreditou em mim. Mais do que devia. Meu estômago virou. — E ela se machucou por sua causa? Theo apertou os olhos por um instante, como se aquela pergunta fosse difícil de ouvir. — Ela se machucou por causa do que fizeram com nós dois. E agora estão fazendo com você. Engoli seco. — E por que comigo? Eu nem te conhecia. Theo deu um passo para frente — não agressivo, mas decidido. — É isso que eu tô tentando descobrir. Mas se começou comigo… vai terminar comigo. Eu senti a tensão nos meus ombros diminuir de um jeito estranho — não porque tudo estava resolvido, mas porque, pela primeira vez, ele não parecia esconder nada. Repassei o nome na cabeça. Júlia. Eu não conhecia nenhuma Júlia que combinasse com aquela história. Nenhuma que tivesse sumido. Nenhuma que tivesse sido engolida por um boato e apagada depois. Mas agora… agora eu tinha um nome. E nomes têm histórias. Histórias que machucam. Histórias que repetem. Histórias que não deveriam se repetir. Respirei fundo. — Theo… onde ela está agora? Ele não respondeu imediatamente. E isso me deu a sensação de que a verdade não vinha fácil. Depois de alguns segundos, ele disse: — Longe. E não foi por escolha. Meu coração disparou de novo. — O que aconteceu com ela? Theo abriu a boca para responder — mas alguém chamou meu nome no final do corredor. Um professor. Ele parecia apressado. — Lívia, você tem um minuto? Preciso falar com você na coordenação. O mundo pareceu congelar. Maria arregalou os olhos. Theo ficou rígido. — Não vai, por favor. — Theo disse imediatamente. — Não sozinha. O professor insistiu: — É rápido. Venha agora. Olhei para Theo. Ele olhou para mim. Havia medo nos olhos dele. Medo real. — Isso tem a ver com o que aconteceu com a Júlia. — ele disse, quase num sussurro. — Eu sinto. Meu coração disparou. O professor me chamava de novo. Theo deu um passo à frente, tenso. — Eu vou com você. O professor balançou a cabeça. — Só ela. E, naquele segundo, eu entendi: O passado da outra garota estava começando a alcançar o meu presente. Theo segurou meu braço, firme, mas não forte. — Livia… toma cuidado. Eu engoli o medo, soltei o braço devagar e disse: — Eu volto. E fui. Sem saber — mas sentindo — que esse era o momento que mudaria tudo. ******* O corredor até a coordenação parecia mais longo do que o normal. Cada passo parecia fazer eco dentro de mim, como se eu estivesse andando em direção a algo grande demais para controlar. Tentei respirar fundo, mas a respiração veio curta. Eu pensava no que Theo disse. No nome que ele finalmente me deu. Júlia. E, principalmente, na frase que ainda queimava na minha mente: “Ela acreditou em mim mais do que devia." Cheguei à porta da coordenação. O professor abriu, fazendo um gesto para eu entrar. — Pode sentar, Lívia. A sala estava silenciosa. A coordenadora estava sentada atrás da mesa, com uma expressão que não era severa, mas também não era leve. Era… cuidadosa. Ela me observou por alguns segundos antes de falar. — Você sabe por que chamei você aqui? Meu peito apertou. — Não, professora. Ela cruzou as mãos sobre a mesa. — Recebemos uma denúncia envolvendo seu nome. E também o nome do Theo Navarro. Meu estômago gelou. — Mas não se preocupe — ela disse rapidamente. — Não estamos assumindo nada. E você não está com nenhum problema. Respirei, mas o ar não entrou por inteiro. — Então… por que estou aqui? Ela analisou meu rosto, como se tentasse medir minha reação. — Porque essa denúncia não é clara. Mas ela repete um padrão. Um frio percorreu minhas costas. — Um padrão? — perguntei. Ela assentiu. — Sim. Recebemos algo semelhante no ano passado, também envolvendo o Navarro. Meu coração bateu forte demais. — E a outra… pessoa? — perguntei, incapaz de evitar. A coordenadora olhou para o lado por um instante, escolhendo as palavras com extremo cuidado. — Ela não está mais aqui. Eu sabia. Theo já tinha me dito. Mas ouvir da escola tornava tudo mais real, mais perigoso, mais próximo. — Professora… — engoli seco — isso tem a ver com a Júlia? O nome escapou da minha boca antes que eu pudesse segurar. A coordenadora ficou imóvel. Por três segundos, apenas me observou. Então respondeu: — Não posso dar nomes, Lívia. Mas o que eu posso dizer é que, a situação é muito parecida. Minha respiração ficou curta. — Parecida como? — perguntei, minha voz falhando levemente. Ela inclinou o corpo para frente, apoiando os antebraços na mesa. — A denúncia fala sobre proximidade indevida, sobre influência emocional. E também sobre comportamento que, segundo a mensagem, estaria deixando você vulnerável. Me senti congelar. — Professora, isso é mentira. — Eu sei. — ela disse, firme. — Eu já observei você duas vezes essa semana. Você não parece assustada. Não parece desconfortável, nem parece estar sendo forçada a nada. — Porque não estou. — falei. Ela assentiu. — Eu acredito em você, Lívia. Por isso te chamei aqui. Para perguntar antes de qualquer coisa. Senti lágrimas pressas atrás dos olhos — não de tristeza, mas de frustração, de medo, de raiva. — Diretora — respirei fundo — alguém tá fazendo isso de propósito. Ela não se chocou. Como se já soubesse. — Eu também acho. Meu peito apertou. — A senhora acha… que é a mesma pessoa que fez antes? A coordenadora respirou fundo, escolhendo: — Acho que é alguém que se beneficia de colocar o Navarro em conflito. E de afastar qualquer pessoa que se aproxime dele. Meu corpo ficou gelado. — Alguém… da escola? — Alguém próximo o suficiente para acompanhar vocês dois — ela respondeu. Eu fechei os dedos contra os joelhos, sentindo a pele esquentar de nervosismo. — E eu? — perguntei. — O que eu faço? Ela sorriu de leve, mas era um sorriso triste. — Fica atenta. E não se afaste de quem pode te explicar o que está acontecendo em nenhuma hipótese. Theo. Ela não disse o nome, mas ela sabia. E eu também. — Agora pode ir, Lívia — ela disse. — E por favor, não tome nenhuma decisão precipitada. Seu tom ficou mais sério. — Pessoas assustadas tomam decisões ruins. Assenti devagar. Embora esse conselho parecesse direcionado a outra pessoa — talvez Theo — eu senti o impacto direto em mim. Quando saí da sala, Maria estava no corredor, nervosa. — E aí? O que ela disse? Eu respirei fundo. — Que alguém fez a denúncia com intenção. E que não querem que eu me afaste do Theo até entender a verdade. Maria arregalou os olhos. — Isso… isso é sério demais. Eu assenti. — É, mas agora eu sei que não é só sobre mim. Meu peito apertou. — É sobre a Júlia também. Maria segurou meu braço. — Então você vai fazer o quê? Eu não respondi na hora. Mas a única resposta possível ecoou dentro de mim: Eu vou atrás da verdade. E a verdade está com o Theo.
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