03 // Passado

1249 Words
"Muitas vezes do inesperado, nasce o que se espera uma vida inteira." P A S S A D O Não entendia porque mamãe não conseguia conter seu choro. Ela me olhava, e mesmo que tentasse dizer algo, nada saía da sua boca. Era nítido que algo estava acontecendo e ela simplesmente não estava conseguindo nos contar. Minha irmã, por outro lado, ainda muito nova e inocente, chorava junto por não entender, por acreditar que algo estivesse errado com mamãe. Lembro-me de tocar e apertar seus ombros várias vezes e implorar para que ela me dissesse o que estava havendo com ela. — Quer que eu chame o papai? — Perguntei preocupada. — Ele irá saber o que fazer. Afinal, papai e mamãe estavam juntos há anos. Se houvesse pessoa no mundo para entendê-la melhor, seria ele. Mamãe balançou a cabeça negativamente várias vezes, antes de pôr fim conseguir contar. — Minha filha... ah, como isso dói. — Iniciou falando. — Infelizmente seu pai não estava muito bem. — Como assim ele não estava bem? O que aconteceu com o meu pai? — Insisti nas perguntas, afinal, embora amasse muito mamãe, a conexão que havia criado ao longo dos anos com papai, era imensurável. — O coração dele não estava muito bom. — Mamãe contou rapidamente. — Ele teve um infarto, e infelizmente não houve nada que os médicos pudessem fazer. Meu mundo parou ali. Era como se o chão que estivesse de baixo de nossos pés, houvesse sumido. Como se eu estivesse prestes a despencar a qualquer momento. Não conseguia enxergar uma vida sem papai, não tão cedo, embora soubesse que as pessoas se vão. Tentei respirar, mas era quase impossível, precisei fazer muita força. Mamãe precisou me ensinar a respirar novamente, como se houvesse desaprendido naqueles minutos. E lá estávamos nós três, abraçadas, num choro sem fim. Não que o choro tenha cessado, mas havia brevemente diminuído. Com isso, resolvi correr para a beira do mar. Era o meu lugar preferido de Maratea. Geralmente quando precisava de um tempo para pensar, era o lugar que eu procurava. Sentei-me nas pedras, grandes lajotas, como grandes muros. Fiquei olhando para o além, na tentativa de encontrar a paz que eu precisava para seguir a partir daquele momento. Valerie me acompanhou até o restaurante que havia me contado que estava com uma vaga em aberto. Pelo horário estaria fechado, já que segundo ela, ele costumava funcionar somente no turno da noite, servindo a janta. Porém, haviam avisado que quem estivesse interessado na vaga, poderia procurar por eles no turno da tarde e era o que estávamos fazendo. A fachada do local era extremamente rustica, mas ao mesmo tempo sofisticada. Era tudo em um tom creme único, cheio de detalhes desenhados nas paredes, lembrando bastante as casas antigas da Itália. Precisei bater duas vezes na porta da frente, para que alguém me redirecionasse. — Pois não? — Um rapaz que utilizava uma roupa escura e um avental nos atendeu. — Estou aqui para a vaga na cozinha, per favore. — Expliquei Ele me analisou por alguns segundos, antes de abrir toda a porta nos dando espaço para entrar. O local ainda estava um tanto escuro, com poucas luzes acesas, imagino que estivessem arrumando o salão para quando a noite surgisse e as portas estivessem abertas. — Aspettare! — Falou ao entrar em uma porta logo ao lado do balcão. Valerie olhava tudo com os olhos admirados, mesmo que já estivesse frequentado o lugar antes. Meus olhos também estavam interessados, não posso negar, olhava cada detalhe do meu possível novo ambiente de trabalho. Se o cardápio e a comida servida fosse tão sugestiva, quanto a presença do local, isso realmente significava que era um restaurante de sucesso e muito frequentado na região. Não demorou para que de lá, onde imaginava ser o escritório, viesse um homem jovem, utilizando a roupa do que eu imaginava ser de chefe e provavelmente dono do local. — Álvaro contou que está aqui para a vaga na cozinha. — Falou ao aproximar-se. — Ah, sou Giovani Marino. Ele estendeu a mão para que eu a apertasse e assim fiz. — Me chamo Giullia Bellini. — Apresentei-me. — Você tem alguma experiência? Trabalhou em algum restaurante da cidade? — Perguntou ao sentar-se na mesa onde estávamos. Como falar que na verdade você não tem experiência em nenhum restaurante. Que na verdade está na cidade para fazer o curso e que precisa de um emprego para me manter ali. — Na verdade, não. — Neguei. — Cheguei de Potenza ontem e estou aqui para fazer um curso de culinária, a única experiência que tenho é cozinhando em casa mesmo, aprendi com meu pai que era chefe em um restaurante da cidade. O olhar dele não me parecia muito positiva em relação ao que eu acabara de contar. Provavelmente estava esperando alguém que já estivesse com estudos na área ou então que tivesse ao menos trabalhado em um restaurante. — Olha, para ser sincero não sou de fazer isso. — Giovani iniciou falando. — Mas simpatizei com a senhorita, irei dar-lhe uma chance em meu restaurante. Suas últimas palavras foram músicas para meus ouvidos. Quase me engasguei na minha própria saliva ao escutar que havia conseguido a vaga. — Grazie, grazie. — Agradeci animadamente. — Caso queira começar nesta noite mesmo, fique à vontade, caso precise de um dia para arrumar suas coisas, pode começar amanhã. Jamais deixaria passar essa chance, iria aproveitar naquela mesma noite. Estava ansiosa para cozinhar e mostrar tudo que eu poderia acrescentar naquele restaurante. — Hoje mesmo estarei aqui. — Avisei. — Álvaro, pegue o uniforme para Giulia, per favore. Não demorou muito para que a roupa que estava dentro de uma embalagem plástica transparente chegasse até mim, a abracei com todo o cuidado para não amassar e sai de lá ao lado de Valerie que até agora se encontrava calada. — Eu falei que você iria conseguir. — Falou animada assim que pisamos do lado de fora. — Você estava tão quieta lá dentro. — Comentei notando seu silêncio. — Aqui eles não gostam muito que você fique dando palpites, vim apenas acompanhá-la para mostrar o local. Preciso deixar que você fale por si. — Explicou carinhosamente. Entendi que de fato ela não queria me atrapalhar ou possivelmente prejudicar na hora de conseguir minha vaga e a agradeci comprando um sorvete na sorveteria da esquina. — É por você ter me acolhido em seu apartamento e agora ter me ajudado a encontrar essa vaga única. — Agradeci com um abraço, enquanto ela tomava seu sorvete. Valerie tinha uma bicicleta com garupa e fora com essa bicicleta que fomos até o restaurante e retornamos ao seu apartamento. Talvez fosse um item necessário para eu adquirir e que me polparia dinheiro nos dias mais corridos em vez de pegar um táxi ou algo do tipo para ir trabalhar. Ela amava altas aventuras e era mais ou menos isso que poderia ser descrito andar na garupa com ela. Uma hora estávamos nas ruas, outras nas calçadas, e a todo momento pensava que iria cair. Meus cabelos voaram, coisa que me incomodava. Uma das coisas que sempre desejei, até mesmo quando criança, era cortar as madeixas. Mamãe gostava de cabelos compridos, e por conta disso estávamos sempre com os mesmos cortes. Somente cortavam as pontas para alinhá-lo e não o deixar ressecá-lo mesmo. Algumas expressões/palavras/frases utilizadas na história e seus significados: Per favore= Por favor Aspettare= Espere Grazie= Obrigado
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