Na cidade de Vale das Sombras
Assim que chego em casa cansado, exausto e torcendo para que meus irmãos não tenham aprontado nada enquanto eu estava fora sinto meu celular vibrar no bolso. Pego automaticamente, imaginando que seja uma mensagem do meu pai.
Mas não é.
É uma notificação da plataforma de empregos.
Uma candidata ao cargo de babá.
Arqueio a sobrancelha.
— Finalmente.
murmuro.
Abro o perfil.
Ravena Veras. 22 anos.
Foto simples, sorriso tímido. Algo nela prende meu olhar… mas não deixo isso me distrair.
Envio a mensagem:
> Aqui é Nicolas, o filho mais velho da família Ravenscroft. Preciso fazer algumas perguntas antes de fecharmos com você.
A resposta dela vem rápido.
Quase como se estivesse esperando.
> O que você precisa saber?
Cruzo os braços, encostando na bancada da cozinha.
— Tá penso. Vamos ser diretos.
> Você já cuidou de crianças?
Ela demora alguns segundos. Consigo quase imaginar o dilema dela.
> Bem… não seria a primeira vez, mas as crianças gostam de mim.
Sinto meu maxilar travar um pouco.
Laila gosta de quem ela quer gostar… e odeia quem ela quer odiar.
E Draco é ainda pior.
> Não sei… minha irmã tem um temperamento forte. E eu também tenho outros dois irmãos, então a casa pode ser um caos às vezes.
Antes que eu continue, ela responde firme:
> Eu posso lidar com isso.
Não sei de onde essa garota tira tanta confiança.
Mas por algum motivo… gosto disso.
Digito a próxima parte:
> Você vai precisar morar com a gente, na mansão. Por que exatamente quer o trabalho de babá?
A resposta dela chega com uma honestidade que me surpreende:
> Porque passei e ganhei uma bolsa para a faculdade de Vale das Sombras. Preciso de um trabalho que me permita estudar.
A faculdade.
Mesma instituição do Peter e do Draco.
Ótimo. Pelo menos ela não será completamente isolada.
> Entendi. Então… você irá para a mesma faculdade dos meus irmãos. Legal.
Penso por alguns segundos antes de enviar a pergunta seguinte:
> Quando você pode se mudar?
E fico ali, parado no silêncio da cozinha, esperando a resposta dessa garota estranha, sorridente, que tem coragem o suficiente para dizer “as crianças gostam de mim” sem nem conhecer a Laila.
Algo me diz… que ela não faz ideia do que está prestes a enfrentar.
> No fim de semana. Só preciso arrumar minhas coisas.
Envio.
Guardo o celular no bolso antes que eu fique encarando a tela como uma boba.
Subo as escadas lentamente. Cada degrau parece pesar um pouco mais talvez porque esta casa, mesmo vazia, ainda carrega os fantasmas dos meus pais. Entro no meu quarto e, antes de qualquer coisa, pego o porta-retrato em cima da cômoda.
É só uma foto simples: nós três sorrindo.
Mas o impacto… é profundo demais.
— Sinto falta de vocês.
murmuro, passando o dedo pelo vidro.
Por um instante, a garganta aperta, o ar queima, e eu sinto que, se respirar fundo demais, vou desabar. Mas não.
Não agora.
Inspiro.
Deixo a foto sobre a cama.
Abro a mala.
E começo a colocar roupas, livros, pequenos objetos que quero levar comigo.
Vale das Sombras.
Uma cidade com um nome pesado demais para alguém que só quer recomeçar.
Quando finalmente paro, o quarto já parece diferente. Já não é mais “meu”, mas um lugar que estou deixando para trás.
Pego o celular para avisar a Luna.
> Luna, já achei um trabalho. Vou ser babá de uma família rica. Vou embora no fim de semana.
A resposta dela chega quase instantaneamente, como se tivesse ficado esperando.
> Nossa, que rápido! Então eu só tenho mais TRÊS dias pra aproveitar você!
_ Três dias, Ravena! Isso é muito pouco!
Quase posso ver o drama no rosto dela.
E isso me arranca um sorriso pequeno, mas real.
> Eu prometo que não vou desaparecer do mapa, calma.
Ela manda mais uma mensagem:
> Promete mesmo? Vale das Sombras me dá arrepios… mas você sempre foi teimosa.
_ Talvez eu seja.Ou talvez… eu só esteja correndo de uma dor que ainda não sei lidar.
Coloco o celular ao lado da mala e suspiro.
Em três dias, minha vida inteira vai mudar.