Após algumas horas…
— Ravena… chegamos
a voz do Diego é calma, quase um sussurro.
Abro os olhos devagar. O carro diminui a velocidade, e a primeira visão que tenho é da cidade ao longe. Não é grande, mas também não pode ser chamada de pequena. É… silenciosa. Densa. Cercada por tanta mata que mais parece um vilarejo esquecido no meio da selva.
Conforme nos aproximamos, um portão de ferro aparece, todo tomado por heras escuras e símbolos antigos. Acima dele, uma placa enferrujada balança com o vento frio:
BEM-VINDO A VALE DAS SOMBRAS.
Um arrepio percorre minha nuca.
O Diego estaciona em uma rua estreita, um pouco afastada do centro. E ao final dela, solitária, se ergue uma enorme mansão. Alta. Escura. Cheia de torres e janelas que parecem olhos.
— Nossa… é muito misteriosa essa cidade — murmuro enquanto saio do carro. Assim que coloco os pés no chão, sinto olhares. Pessoas passando devagar. Observando. Medindo.
Como se uma estranha não fosse algo comum por ali.
— Misteriosa é pouco
Diego diz, fechando a porta.
— Olha só o sol… está sempre escondido atrás das nuvens. E esse vento frio… úmido. Aqui parece viver preso entre o dia e a noite. Mas você se acostuma, Ravena.
Ele tenta sorrir, mas dá pra ver que até ele sente o clima estranho daqui.
— Não sei, Diego…
respondo, abraçando meus próprios braços. — Mas… também preciso de um lugar onde eu possa… esquecer. Nem que seja por um tempo.
Minha voz falha um pouco.
— Esquecer que não tenho mais meus pais.
Diego suspira, suave, e coloca a mão no meu ombro.
— Você não está sozinha. E… talvez essa cidade te dê um começo novo
ele diz, suave.
Eu olho ao redor, tentando absorver tudo que consigo ver daquele ponto. As casas antigas se misturam com construções novas, criando um contraste estranho… como se o passado e o presente estivessem brigando em silêncio.
— Bem, acho que aquela ali é a mansão onde você vai morar.
Diego aponta com o queixo, num tom provocador.
— Aquela no fim da rua. A solitária.
Sigo o dedo dele.
A mansão.
No fim da rua, afastada de tudo. Como se fosse uma parte arrancada da cidade e deixada ali, isolada. As janelas altas, escuras. A fachada tomada por heras. A sensação de que alguém ou alguma coisa está olhando de dentro.
Um arrepio percorre minha espinha, tão rápido que prendo a respiração.
— Ela parece… vazia
murmuro.
— Parece
Diego concorda, mas seus olhos estreitam por um segundo.
— Mas aqui em Vale das Sombras, nada é totalmente vazio.
Eu viro o rosto para ele.
— Bem… eu nunca andei por aqui. Quer que eu te acompanhe até a mansão?
ele pergunta, como se não quisesse admitir que está preocupado comigo.
Mordo o lábio, pensando.
— Antes, eu quero ver a faculdade
digo.
— Você vem comigo?
— Claro que vou.
Ele sorri.
— Você não vai se perder na sua primeira hora na cidade.
Caminhamos lado a lado pelas ruas. Quanto mais andamos, mais entendo por que o nome é Vale das Sombras. É como se a luz do sol fosse mais fraca ali. Ou talvez as sombras fossem fortes demais.
As casas, os postes, as árvores… tudo parece lançar sombras maiores do que deveria.
Mesmo assim, a cidade é bonita. Tem um charme antigo, quase encantado.
Depois de um tempo, algo enorme aparece ao longe. Sinto o coração bater mais rápido.
A faculdade.
Prédios grandes, imponentes, de arquitetura antiga. Torres, arcos, vitrais. É tão majestosa que parece até um castelo moderno.
Em uma das paredes, em letras enormes, está escrito o nome da instituição. Eu me aproximo e passo a mão pela pedra fria, como se isso fosse tornar tudo mais real.
— Impressiona, né?
Diego pergunta, vindo até meu lado.
— Impressiona… muito
respondo, ainda encarando o prédio.
— Parece que guarda segredos.
— Guarda
ele diz, sem humor.
— Todo mundo aqui guarda.
Viro para ele, desconfiada.
— Inclusive você?
Ele sorri de um jeito que não sei decifrar.