Aurora
A liberdade não tinha gosto de nada.
Eu andava pelas ruas da cidade, o vento frio da madrugada me castigando. Eu não tinha nada antes de chegar naquela casa e agora, esse nada se torna ainda mais presente.
Me odiava por pensar que enquanto eu estive com Lorenzo eu tinha casa, roupas, uma cama e comida. Mas eu não podia me prender a isso, quando o homem que me deu uma chance na vida, foi justamente o que me colocou na miséria.
Voltei a ser o que sempre fui até conhecê-lo. Eu era pobre, sem família e, pior, marcada.
Eu não tinha para onde ir, sem dinheiro, sem um plano de fuga. Mas a dor que eu sentia era diferente da miséria de antes. Era um fardo moral que eu carregava sozinha. E eu preferia essa dor excruciante do que a mentira confortável de viver em um mundo que não era meu, sob a proteção dentro de um informo que me levou tudo.
Meus pensamentos me consumiam. Partes de mim ainda tentavam argumentar que o que eu vi em seus olhos era surpresa. Ele não sabia quem eu era. Não sabia o que tinha me feito.
Mas por outro lado eu me perguntava: Será que se soubesse, teria feito diferente.
Os olhos duros e pesados de Lorenzo estavam em mim. Eu ainda podia senti-lo me queimando. Sair daquela casa me tirou o pouco que eu tinha. E me tirou ele também.
Estava perdida em meus próprios pensamentos quando eu a vi.
No fim da rua, uma van escura parou bruscamente. Meu coração gelou. Olhei em busca de uma alternativa para me esconder. Mas não tinha.
Homens grandes e sombrios desceram do veiculo
Eram os Vescovi. Eu os tinha visto uma vez, em uma das negociações de Lorenzo, e a memória da frieza deles me atingiu. Demorei pouco segundos para entender. Eles não estavam ali por mim, mas por ele. A partir do momento em que eu pisei fora daquela mansão, eu me tornei o alvo mais fácil. A fraqueza que ele Lorenzo deixou exposta.
Meus instintos gritaram: Corra!
Eu não tinha onde me esconder, mas eu podia correr.
Eu corri como se minha vida dependesse disso – e dependia.
Minhas pernas já doíam quando me enfiei em um beco estreito e sujo.
Meu problema é que eles eram rápidos. Em segundos, me encurralaram contra a parede fria. O cheiro de suor e ameaça me envolveu. O medo era esmagador, mas ele foi rapidamente substituído pela raiva.
Eles me usariam contra Lorenzo. Eles me machucariam para atingi-lo. Eu era um peão. Mas eu não era mais um peão de ninguém. Eu cerrei os punhos, me preparei para lutar, para gritar, para morrer de pé, como a filha da Família Santos que eles haviam tentado apagar.
— Para que correr? Podia ter nos poupado o trabalho — um dos homens diz. Suas mãos me mim me causam repulsa.
— Vai pro inferno — digo, o encarando.
— Não tenho duvidas de que eu vou. Mas você vai primeiro.
Tentei empurra-lo, mas não tive sucesso. Um mão foi levada até minha blusa, estava ouvindo o pano ceder.
De repente, um rugido cortou o ar da noite. Um carro esportivo, preto e furioso, entrou no beco, freando com um som estridente e bloqueando a saída para a rua.
Os faróis acesos cegaram a mim e a meu agressor. Tentei me soltar, mas as mãos do homem me seguravam tão firme que não tinha como. A porta do motorista se abriu com violência.
Era Lorenzo.
Ele saiu do carro, e a imagem dele me chocou. A máscara de CEO estava desfeita. Não havia terno impecável, apenas uma camisa amassada.
Ele não era mais o homem de negócios. Ele era um predador puro, uma força da natureza. Seus olhos tinham um brilho perigoso que eu só havia vislumbrado em seus momentos de fúria controlada, e ele se movia com uma brutalidade fria e eficiente.
— Solta — sua voz era uma ordem.
— Olha só... Sabia que ia te ver, mas achei que demoraria mais.
— Solta ela, agora.
— Por que eu faria isso? A gente ia começar a se divertir agora.
— Seu problema é comigo. Então resolva comigo — sua voz é quase um rosnado.
— Tem razão. Eu vou. Mas admito que é bom ver o medo em seus olhos pela primeira vez.
O homem me coloca na frente da seu corpo, como se eu fosse um escudo. Fecho os olhos com a pressão que ele faz em meu pescoço.
Os olhos de Lorenzo estão em mim agora. Pesado, carregando mais do que eu já tinha visto até aqui. Poderia analisa-lo, mas a falta de ar se torna presente, impedindo que eu foque em Lorenzo.
— Algo me dizia que você viria por ela — os lábios do sujeito agora estão próximos ao meu rosto. Seus lábios deslizam por minha bochecha.
Sinto nojo.