Lorenzo Valente
Eu não mato sem motivo. Minha existência é uma equação de poder, fria e precisa, onde cada ação tem uma reação calculada.
Desperdiçar uma vida sem um propósito claro é uma falha inaceitável, um luxo que meu império não pode se permitir.
Não me importo em matar, mas já tenho escuridão demais dentro de mim para fazer algo assim sem um único motivo.
O home, que agora sangra no chão é prova disso.
Todos aqueles que estão do meu lado sabem que precisam andar na linha. Não a segundas chances e eu não admito erros e falhas.
Alguém pode até tentar me passar a perna, mas jamais sairá vivo para contar essa história.
Eu a vi, antes de atirar no infeliz.
Sua presença foi sentida por mim e mesmo sem saber de quem se tratava, eu jamais recuaria.
A garota que encontrei na escuridão, escondida entre as sombras pútridas do armazém, era uma anomalia, uma variável que eu não havia previsto. Mas que eu também não podia deixar passar.
Ela deveria ter gritado, implorado, desmaiado de terror, como tantos outros.
Em vez disso, naquele olhar desafiador, por baixo da sujeira e do medo que nublavam seu rosto, eu vislumbrei algo que raramente encontrava: uma inteligência selvagem, uma sagacidade instintiva que não se aprende em livros de estratégia.
Ela me intrigou profundamente.
Meus homens se prepararam para removê-la.
Eu os parei com um gesto. Eu a encarei, a escuridão do armazém nos engolindo.
— Você não fala — disse, a voz baixa e sem emoção.
Ela não respondeu. Apenas continuou a me encarar, a cabeça ligeiramente inclinada, como se me avaliasse.
— Isso é bom. Pelo visto, não vou ter trabalho com você. Agora vem comigo.
— Por quê? — ela perguntou. A voz dela era rouca, mas firme. Não havia medo, apenas uma curiosidade crua.
Aquela voz me pegou de um jeito diferente.
— Porque eu mandei — respondi, a única explicação que eu daria.
Por um segundo achei que ela fosse lutar, mas estava errado.
Fiz sinal e sem dizer mais nada a garota começou a caminhar. Meus homens mostravam o caminho. Eles ficaram em alertas, mas a garota não dava sinais de que tentaria um ataque.
Eu a trouxe para o meu carro blindado, e o interior silencioso engoliu qualquer resquício do mundo de onde ela viera. Ela não disse uma palavra durante todo o percurso. Não implorou por piedade, não chorou lágrimas de desespero, nem protestou contra a minha decisão unilateral. Sua passividade, no entanto, não era de fraqueza, mas de uma aceitação fria, quase desafiadora, que me intrigava ainda mais.
Acho chegarmos na minha mansão, desci do carro e esperei que ela fizesse o mesmo.
Foi a primeira vez que vi uma sombra de medo ali e ainda sim, ela não recuou.
Em minha mansão, o silêncio nos engoliu, o comportamento dela continuou a me desorientar.
— Senhor — um de meus homens para próximo a mim e espera por um ordem.
— Vou até meu escritório. Aviso se precisar.
A olhei e apontei o caminho, a levando comigo. Me sentei na minha poltrona de couro e antes mesmo que eu dissesse que ela podia se sentar, há vi se acomodando. Ela se sentou na ponta do sofá, os ombros tensos, mas os olhos ainda me lendo.
— Vou ser direto — eu disse, sem rodeios. — Eu ofereço a você uma vida. Refúgio, comida, roupas. Tudo que você quiser. Em troca, você me dá sua lealdade. Sem perguntas, sem fugas.
Não me perguntem o porque disso. Eu não saberia responder.
Mas havia algo nela que gritava por mim.
Ela permaneceu em silêncio por um longo momento. Era como se a proposta fosse tão absurda que ela não conseguia processá-la.
— E se eu disser não? — ela perguntou, a voz quase um sussurro.
— Você não está em posição de dizer não. — A frieza da minha voz a atingiu. Ela me olhou, e eu vi o cálculo em seus olhos.
Ela entendia.
Eu vi em seus olhos que ela aceitaria seu destino, mas não sem lutar e principalmente não sem traçar um plano.
— Aceito – ela diz sem vacilar
— Você não teria outro escolha – garanto a ela — Meus homens vão te mostrar o seu quarto. Você trabalha para mim agora. Tome um banho e se limpe.
Ela apenas acena e sem dizer mais nada me da as costas e sai.
Pego um charuto na caixa de madeira em cima da minha mesa e o acendo. Me permito descansar a cabeça por alguns instantes.
No final daquela noite, enquanto meus homens se encarregavam de "limpar" os vestígios do incidente no armazém, eu me peguei no silêncio santificado da minha cozinha.
Era o meu refúgio, o único lugar onde o controle era absoluto. Eu estava picando um maço de coentro fresco, seu aroma agridoce pairando no ar, quando a porta se abriu. Era ela.
—O que você está fazendo? — ela perguntou.
Eu não respondi de imediato. A presença dela naquele espaço, o meu refúgio secreto, era uma violação. Mas algo me impediu de mandá-la embora.
— Cozinhando — respondi, a única palavra que a situação permitia.
Ela se aproximou, me observando com uma curiosidade cautelosa. Por um momento, não éramos um mafioso e sua posse, mas duas pessoas em um cômodo, compartilhando um segredo. Ela era um problema, uma variável que ameaçava desestabilizar a minha equação. E, por alguma razão inexplicável, eu não podia – e talvez não queria – ignorá-la.