Lorenzo
O cheiro de pólvora, sangue e a chuva fina era a minha realidade, mas naquele beco escuro, a única coisa que importava era o peso dela nos meus braços.
Quando ela se atirou contra mim, a surpresa me paralisou por um instante. Eu me senti invadido, dominado por uma força que a minha lógica jamais poderia calcular.
A segurei, sentindo as lágrimas dela molharem minha camisa, o corpo dela tremendo contra o meu. Mesmo sendo difícil de assumir, queria protegê-la. Segura-la junto ao meu corpo e dizer que tudo vai ficar bem. Mas essas, não são palavras e atitudes das quais eu conheça.
O que eu via nos olhos dela, me mostrava que ela precisava de mim. Só não tenho certeza se eu realmente poderia protegê-la ou, seria sua ruina.
O beijo não foi planejado. Foi uma reação primária, uma necessidade selvagem de calar a dor e o medo que eu vi em seus olhos, e a fúria que queimava em mim por tê-la quase perdido.
Nossos lábios se encontraram com a urgência de dois sobreviventes. O gosto era de sal e sangue, cru e desesperado. Não era o romance dos livros que ela lia na minha biblioteca; era a selagem de uma aliança forjada no caos.
Mas não posso negar, o gosto da língua dela passeando pela minha boca, me fez tremer. O sabor que ela tinha era um gosto raro. Ela tinha gosto de pecado.
Minhas mãos encontram um lugar para se acomodar em sua cintura. Meus dedos a seguraram firmes. Eu a beijei com a força de um homem que se recusa a perder o que não sabia que precisava.
O beijo se tornou mais forte, mais firme e capaz de passar por lugares dentro de mim, até então desconhecido.
Eu não podia, mas eu precisava dela.
Quando o ar nos faltou, nossos lábios se separaram, mas minha boca não saiu de sua pele.
Suga, com sangue e ainda sim, perfeita. A separação foi breve, logo o beijo voltou, ainda mais intenso, mais urgente.
Admito, eu me perdi ali, e isso nem era o que mais me assustava. O que me assustava de verdade era que eu não queria mais voltar. Eu queria ficar aqui, onde os gemidos de algum lugar dentro dela, encontraram espaço entre nós.
Nela, o caos encontrou a ordem que eu desesperadamente buscava.
Eu precisava ser aquele que recuperava o controle. A afastei abruptamente, o ar entrando de volta nos meus pulmões com uma lufada fria. Nossas testas se mantiveram por alguns segundos juntas; o controle precisava ser retomado.
Me afastei ao poucos. Toquei o corte em minha testa, sentindo o sangue escorrer. A raiva voltou, substituindo a urgência do desejo.
— Isso foi uma estupidez, Aurora — minha voz estava rouca de adrenalina, a fúria m*l contida. — Uma burrice épica. O que você pensou que ia acontecer? Que você sairia daqui e eu simplesmente aceitaria a traição? Você virou as costas para a minha proteção e se atirou na cova dos Vescovi!
Ela se afastou um passo, os olhos ainda marejados, mas o fogo do desafio voltando.
— Eu fui atrás da minha verdade! Eu não podia mais viver sob o teto do homem que fez o que fez com a minha família. Você, não vai fazer o mesmo comigo. Não sou sua prisioneira e não vou permitir que você me descarte quando eu for uma inconveniência...
— Você acha que é livre? — eu perguntei, ironicamente. — Você é ingênua. Acha que pode se cuidar sozinha? Em menos de vinte e quatro horas, você estava cercada por abutres que queriam usá-la como moeda de troca contra mim.
— Sempre me virei sozinha. Não preciso de você...
— Você é ligada a mim, Aurora. O seu passado se conecta ao meu império. Você não pode fugir de mim porque você é o elo fraco que todos eles veem. E para meu horror. — eu confessei, baixando o tom da voz, — o seu sentimento é o meu também. Não suportei a ideia de que eles te tocassem.
Era uma confissão.
Eu estava mesmo confessando a ela, mesmo que não com todas as palavras o que eu sentia.
Eu a olhei de cima a baixo. Me odiando por vê-la machucada dessa forma. Minha mão voltou a tocá-la, primeiro em seu ombro, e depois, descendo aos poucos, sua cintura se tornou meu alicerce.
Eu não estava apenas segurando-a, eu estava segurando a mim mesmo. O aperto era firme e possessivo. Ela tinha que entender, mesmo sem conseguir assumir, ela precisa entender. Eu não a estava salvando por bondade; eu a estava reivindicando.
— Você me disse que eu sou o homem que precisa de controle — eu disse, a voz voltando ao seu tom de comando. — E você está certa. Você está ligada à minha ordem, à minha segurança. Você acabou de arriscar a si mesma e a estabilidade de toda uma cidade por um capricho de vingança. Mas eu não vou te perder. Não vou.
Havia mais do que medo em seus olhos. Posso estar ficando louco, cedo pelo momento. Mais posso apostar que havia desejo ali, o mesmo desejo que abitava em mim.
— Lorenzo, não posso...
— Não diga o que eu posso ou não fazer. Pode ter ficado bravo, magoada, com um passado que eu mesmo busquei entender. Não importa o pense de mim, não vou abrir mão de você.
— Diz isso por conta dos seus negócios? — a raiva agora estava presente. Nós dois erámos duro na queda. — Você me mantem por perto porque precisa dos meus serviços, acha que não seu disso?
Sem responder nenhuma de suas perguntas, eu tirei minhas mãos de sua cintura e, tomando cuidado para não machuca-la, a guiei para o carro, ignorando o caos no beco.
— Você vai voltar para a mansão, Aurora — declarei, abrindo a porta para ela. — E vai ficar lá. Não como minha parceira ou prisioneira, mas como a peça mais valiosa que eu não consigo largar. O seu lugar é ao meu lado. É o único lugar seguro para nós dois.
Ela hesitou, mas a visão dos corpos dos homens dos Vescovi jogados no chão a convenceu. Ela não tinha escolha, e no fundo, eu senti que ela não queria outra.
Ela entrou no carro, e eu fechei a porta com um baque seco. Ela era, oficialmente, minha novamente. Minha possessão amaldiçoada, a única coisa que me fazia sentir a humanidade que eu passei a vida inteira tentando enterrar.