Capítulo 36

2328 Words
A invasão — continuação — Avança, avança! — Iago gritou, o fuzil colado no ombro. — Segura cadência, c*****o! — Terror retrucou, encostando o corpo na parede descascada e mandando rajada curta na descida do beco. — Se gastar pente agora, nós fica vendido! Um soldado atrás deles gritou, abaixado no canto do beco: — Tô seco, preciso trocar! — era o Menor D, um dos mais ligeiros da tropa. — Cobre ele, Iago! — Terror ordenou sem tirar o olho da frente. Iago se lançou na quina da parede, botou o corpo rápido e despejou sequência em direção aos caveira que vinham subindo. A rajada obrigou os policiais a recuarem alguns passos, se escondendo atrás de um portão de ferro. — Troca tranquilo! Tô na frente! — Iago berrou, dedo firme no gatilho. — Valeu! — Menor D respondeu, já ajoelhado trocando pente, a mão tremendo de pressa. De repente um estampido seco explodiu perto. A bala bateu no muro e arrancou lasca de cimento bem na linha do rosto do Iago. Ele recuou de um pulo. — c*****o, quase! Esses filha da p**a tão mirando na gente. — Fica esperto, p***a! — Terror respondeu rápido, sem parar de disparar. A poucos metros dali já dava pra ouvir o barulho das deles subindo no beco, a tropa do BOPE avançando com gritos: — Avança, vai, vai, não recua! O eco encheu a viela apertada. — Eles tão colado! — Vascaíno avisou da outra quina, já com a arma apontada. — Então segura perto! — Iago rebateu, travando o fuzil no ombro e fixando o olho na curva do beco. Três polícias apareceram de repente, surgindo pelo beco, fuzil na frente. Iago mirou em cheio, o primeiro caiu com tiro certeiro no peito. Os outros dois tentaram recuar, mas tomaram rajada do Terror, que varou o canto da parede. — Já foi! — Iago gritou. — Segura, pai, que eles não sobem não! — Não vacila, Iago! — Terror devolveu, firme. — Troca pente antes de secar! Iago puxou pente novo, encaixou batendo com força e voltou pro muro. Um dos soldados da tropa correu pelo beco lateral e se jogou encostando na porta de alumínio: — Vou pegar posição melhor aqui! — Vai, mas não bota o corpo todo não! — Terror avisou, rajando sem parar. — Senão vai cair de graça! Outra sequência veio de baixo. Os polícia gritavam, a voz ecoando forte: — Prende eles no beco! Não deixa respirar! As paredes estreitas tremiam de tanto buraco de bala. Um dos soldados do morro não teve sorte: levou no meio da testa e caiu duro,ficando largado no chão de cimento. — Ai, p***a! — Vascaino gritou, vendo o moleque estendido, sangue escorrendo pela boca. — Menor não tinha nem 18 anos… — c*****o, mano! — Iago berrou, largando o corpo contra o muro e puxando o cadáver pro canto. — Morreu na hora. Terror olhou rápido, no meio da trocação, e viu o filho arrastando o corpo. — Deixa aí, c*****o, eles tão vindo! Iago não largou. Encostou o corpo do garoto atrás de um portão e voltou pra posição. Encostou o fuzil na quina e despejou fogo outra vez. Terror olhou pro filho, o peito latejando, mas deixou escapar entre rajada e rajada: — Tu é bom mesmo, moleque! Mira afiada do c*****o! Iago abriu um meio sorriso, suado e mantendo o dedo firme. O rádio chiou alto na cintura dele, estourando no meio do barulho: — Tá f**a aqui, p***a! — a voz do menor veio desesperada. — Nós tá perdendo gente pra c*****o! Preciso de reforço urgente, Iaguin! Iago olhou pro pai, a respiração curta, e respondeu sem pensar: — Segura, c*****o! Não arreda o pé! Eu vou descer pra reforçar vocês! Outro grito cortou a frequência, ainda mais desesperado: — O Boca caiu, mano! Não vai dar pra segurar mais não, neguin! Os polícia tão vindo pra cima! Iago respirou fundo, os olhos ardendo de fúria. — Eles tão estourando os menor lá embaixo. Eu tenho que descer. Terror apertou o rádio com força e berrou: — Segura essa p***a, rapaziada! Segura até o último cair! Não deixa eles subir! Já tamo a caminho! A troca de tiro não parava. Rajada subia, rajada descia. Os dois lados engolidos no som das armas. — Se a gente não descer agora, vão tombar geral lá embaixo — Iago falou de novo, engatando pente novo. — Então o Vascaíno desce contigo, c*****o! — Terror retrucou, varando mais um policia na escada enquanto eles avançavam. — Vou sozinho! Esse moleque não dá conta não — Iago falou. — Tu não vai descer! — Terror virou pro filho, o olhar duro, o maxilar travado. O rádio chiou outra vez: — Tão entrando na rua da igrejinha! Tão ganhando espaço, c*****o! Tá só eu e mais dois aqui! Terror apertou o botão, gritou de volta: — Segura, p***a! Eu tô descendo! Não arreda o pé! Eles avançaram mais um pouco, mas o beco fechava, impossível descer direto. — Não dá por aqui! — Vascaíno gritou, procurando cobertura. Terror respirava fundo, encarando o filho. A testa suada, os olhos cheios de fúria e orgulho ao mesmo tempo. — Iago, é agora ou nunca. Se eles subirem nesse beco, eles vão tomar tudo. Iago encarou ele e respondeu sem tremer: — Eles não vão subir, c*****o. Uma rajada forte veio de baixo, obrigando eles a se encolher. Terror olhou de um pro outro, respirou e puxou uma granada do colete. Arrancou o pino com os dentes e lançou longe. — Baixa, p***a! — gritou. Todos se jogaram no chão. O barulho estourou dentro do beco, fumaça, grito, estilhaço batendo nas paredes estreitas. A poeira tomou o espaço. Mesmo assim, eles avançaram no meio da confusão, varando quem aparecia. Iago acertou dois na sequência, rajada reta. Menor D do lado meteu outro no chão. Terror vinha atrás, atirando em cadência. Até que o Vascaíno levou um tiro no abdômen e caiu de joelhos segurando a barriga. — p**a que pariu! Perdi! — ele gritou, a mão coberta de sangue. Terror se abaixou, arrancou a própria blusa e mandou: — Segura aqui, c*****o! Pressiona! — enquanto gritava no rádio: — Reforço urgente no beco 7, beco que sai na igrejinha! Iago ficou abaixado, pressionando o ferimento do companheiro. — Fica comigo, p***a! Tu não vai tombar aqui não! — falava pro garoto. Renan chegou com mais três soldados, suados, fuzil na mão. — c*****o, menor! — ele soltou, vendo o sangue jorrando. — O buraco tá feio! — Ele tem que ir pra UPA — Iago disse. — Leva ele, Iago — Terror mandou. Iago levantou a cabeça, encarando o pai. — Não, tô descendo. Leva tu. Terror travava o filho só no olhar, a raiva e o orgulho misturados. A verdade é que ele era igualzinho ao pai. Não tinha medo de nada. Mesmo sem querer admitir e sentindo raiva da teimosia do filho. Ele se orgulhava. Devido ao impasse sobre quem deceria. Renan resolveu tomar uma decisão: — Eu vou com ele. Silêncio de um segundo. Todo mundo encarou ele. Ela loucura os dois descerem por ali. A chance de dar merda era maior que a de dar certo. Se o beco tava cheio de polícia, a saída do beco tambem estaria. — Eu vou descer com o Iago. — Renan repetiu e Terror estreitou os olhos. — Fica aqui com o moleque ferido e eu desço, Renan. — Terror falou. — Não tô pedindo não, Terror. — Renan retrucou. — Não vou deixar ele sozinho. — Não precisa vir ninguém, p***a — Iago rebateu — Eu dou conta sozinho. — Tu não é homem de ferro não, c*****o. — Renan falou firme. — Vai achando que pode bancar tudo no peito… não pode. Parece teu pai, c*****o. Terror respirou fundo, aceitando na marra. — Tá bom. Eu vou levar o menor. — gritou pros soldados: — Prepara ele pra remoção! Iago e Renan bateram mão, ajeitaram o corpo e começaram a descer o beco estreito, passo rápido, dedo no gatilho. As paredes marcadas de bala, o chão sujo de sangue fresco. — Esquerda limpa — Renan falou baixo, correndo junto. Iago respirou fundo, o olhar firme. — Direita também. Mas fica esperto, p***a. Esses verme brotam do nada. O beco bifurcou: uma ruazinha pra esquerda, outra saindo na rua da igrejinha. Iago levantou a mão, sinalizando. — Vamos reto. — Fechou. — Renan confirmou. Só que antes deles saírem, uma rajada estourou de frente. Os polícia tavam colados na saída. — Cuidado! — Renan gritou, se jogando contra a parede. Iago grudou no portão de ferro, as balas ricocheteando a centímetros. — p***a, p**a que pariu! As vozes ecoaram no beco: — Prensa eles aí! Não deixa subir, p***a! A ordem é pra matar. Renan abriu sequência, rajando. — Caiu um! — disse pro Iago. Iago levantou meio corpo, puxou o gatilho certeiro e fez com que dois caíssem. Mas eles não recuaram e as rajadas aumentavam ainda mais. Iago olhou rápido pro parceiro. — Mete o pé, Renan. Te dou cobertura, irmão. Renan ajeitou o pente novo, respiração pesada. — Nós fica junto, p***a. Tá maluco arregar pra esses p*u no **. Os dois permaneceram, lado a lado, sustentando no beco apertado, descendo bala contra o avanço do BOPE, cada vez mais perto. Maria Clara Quando chegou a tarde, minha mãe apareceu na porta do quarto. Dizendo que o Humberto estava lá fora, me esperando pra me levar à delegacia. Por um instante, o tempo parou. Fiquei sentada na beira da cama, com a bolsa nas mãos e o coração doendo. Queria inventar qualquer coisa, dizer que eu tava passando m*l, que não devia fazer aquilo ou até reafirmando que não queria. Mas não dava pra fugir. Meu pai tinha sido claro demais. Respirei fundo, ajeitei a alça da bolsa no ombro e caminhei até a porta. Quando atravessei a porta da sala e o vento bateu no meu rosto. O Humberto estava encostado no carro, braços cruzados, a postura reta, aquele jeito calmo que ele sempre tinha. Calmo demais pra um dia como aquele. O relógio no pulso dele refletia o sol, e por um segundo fiquei olhando pra aquilo, sem motivo, só pra adiar o que vinha depois. Ajeitei o cabelo atrás da orelha, tentando disfarçar a tremedeira nas mãos. Ele me olhou rápido, com um meio sorriso educado,frio e polido demais pra ser consolo. Respondi com um aceno pequeno, meio sem saber se queria mesmo ir até ele. Meu corpo foi, mas minha cabeça ficou. O medo vinha em ondas, subindo, descendo, até virar silêncio. — Teu pai pediu pra eu te acompanhar — ele disse, ajeitando a gola da camisa. A voz dele era leve, gentil. Assenti, sem conseguir responder. Por mim, eu voltava pra dentro e me trancava no quarto. Mas meu pai não me perdoaria. O Humberto abriu a porta do passageiro. Entrei. O som da porta fechando pareceu me isolar do mundo. Prendi o cinto e fiquei ali, olhando pra frente, tentando respirar. O motor ligou. O carro se moveu. — Eu sei que tu não queria vir — ele disse depois de um tempo. — Mas tenta não ficar assim. Tu tá fazendo a coisa certa. Demorei pra responder pensando na fala dele. Fiquei olhando o reflexo da rua pelo vidro, vendo tudo se distorcer. — Desde quando mentir é o certo? — perguntei baixo. Ele suspirou, apertou o volante. As mãos dele tinham aquela calma ao dirigir. — Quando a mentira é por uma boa causa... justifica. — disse encarando o sinal vermelho. Baixei o olhar pro meu colo. Minhas mãos estavam entrelaçadas, nervosas. Balancei a cabeça devagar. — Mentira nunca justifica nada. O silêncio ficou no ar. Só o vento entrando pela fresta do vidro e bagunçando o meu cabelo. Eu queria que o caminho fosse mais longo, só pra demorar a chegar. — Teu pai só quer te proteger — ele tentou de novo. — Tu sabe o que ele passou contigo naquele hospital. Sabe que ele é a única pessoa que faria de tudo pra te ver bem. — Eu sei… — respondi quase num sussurro. — Mas isso não é me proteger. Ele me olhou rápido de lado. — Ele te ama, Clara. Tá fazendo o que acha certo. Não respondi. Até porque não adiantaria. Virei o rosto pro vidro e fingi observar o movimento da rua, mesmo sem conseguir prestar atenção em nada. O carro virou à esquerda. A fachada cinza da delegacia apareceu, com policiais indo e vindo, o som de vozes, o portão aberto. Um frio invadiu a minha barriga. O Humberto estacionou e desligou o motor. Virou-se um pouco, o olhar calmo de novo, como se me dissesse sem palavras que não havia mais volta. — Vamos juntos, tá? — Eu posso ficar sozinha um pouquinho antes de entrar? — perguntei, sem olhar pra ele. — Claro. Fica o tempo que precisar. Eu tô aqui fora. — abriu a porta e saiu. Fiquei sozinha. As mãos no colo, o coração na garganta. Olhei pro prédio à frente e me deu uma vontade quase infantil de fugir. Mas eu não tinha pra onde ir. Eu deveria odiar o Iago. Por tudo que ele me fez. Pelo que disseram que ele é. Mas eu não conseguia. O amor, às vezes, é essa coisa c***l. Te faz sentir culpa até por sentir. Fechei os olhos, as lágrimas escorrendo. A lembrança do toque dele veio com tudo. O beijo, o calor, o jeito dele dizer meu nome. Aquilo me tocou de novo. — Me desculpa... — sussurrei. — Me desculpa por ser fraca... Encostei a testa no vidro frio e fiquei ali, tentando parar de tremer. Mas era inútil. Tem coisa que a gente não consegue enterrar, por mais que o mundo inteiro queira e por mais que seja o certo a se fazer.
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