Iago
Parei o carro em frente ao barraco da Rafaela. Enquanto a porta não batia, eu tava com o celular na mão, trocando ideia com a Maria Clara. Ela mandou que ia sair com uma prima. Papo torto. Só de ler aquilo já senti o sangue subir, a raiva queimando no estômago. Eu conheço bem essa p***a de desculpa esfarrapada. Prima? Sei...
A porta bateu e a Rafaela surgiu de vestido curto, ajeitada pra c*****o. Não vou mentir, tava bonita. Mas nem me brilhou o olho, porque minha mente só tava presa naquela filha da p**a da Maria Clara. Rafa entrou ligeira, ajeitou a bolsa no colo, olhou pra mim de canto. Eu já meti a direção reta pra Rocinha.
Eu nem tava na pilha de sair hoje, mas quando ouvi que o show ia ser grande, que os cria iam colar em peso, pensei: melhor marcar presença.
No caminho, a Rafaela abriu a boca sem parar. Puxava assunto de tudo, mas eu só respondia com “aham”, “sei”. Automático. O ouvido no papo dela, mas a mente viajando na Maria. O celular não parava de vibrar. Mensagem atrás de mensagem. Pedi foto da roupa, perguntei onde tava, ficava testando a resposta. Se eu não tivesse paz, ela também não ia ter. Eu controlava ela de longe, como se a corda tivesse sempre na minha mão.
A Rafaela sacava de longe que eu tava na fissura com outra. Mas já conhecia meu jeito, não perdia tempo implicando. Aceitava o papel dela, calada.
Estacionei numa rua próxima do baile. O grave estourava. O segurança parou a moto atrás de mim, só de olho. Desci do carro, tranquei e enfiei a chave no bolso. A Rafa colou logo do meu lado e enlaçou minha mão. Queria marcar o território.
A rua tava fervendo. Moto passando no corredor, mina rebolando no meio da multidão, cheiro de maconha e lança no ar. A quebrada tava bonita. Cada cria que cruzava comigo abria passagem só no olhar. Qualquer canto que eu pisar nesse RJ eu vou ser respeitado.
Cheguei no camarote. Lá em cima tava o Braddock, chefe daqui. Cumprimentei com aquele aperto de mão demorado e olho no olho. Patrão reconhece patrão.
— Tranquilidade, Iago? — ele mandou.
— Sempre, parceiro. — respondi firme, andando mais pro fundo.
O camarote era coberto por uma lona grande, visão panorâmica da pista inteira. A multidão parecia um mar batendo na batida do grave. A Rafaela ficou na minha frente, dançando com a garrafa na mão e rebolando no meu p*u como se fosse um show particular. Eu nem piscava. Bebia, tragava e trocava papo com os caras sobre negócios.
De vez em quando ela virava, me encarava com olhar safado, mordia o canto da boca, depois voltava a descer até o chão, rindo, fazendo cena. Eu só observava.
As luzes piscaram e o DJ gritou no mic:
— Com vocês… MC IG!
O baile explodiu na mesma hora. Acendi mais um, puxei o balão devagar e deixei a fumaça fazer a mente.
Maria Clara
Eu estava pronta pra sair com a Luana mesmo sem muita vontade. Era a última noite dela aqui no Rio, então não tinha como eu dizer não.
Expliquei isso pro Iago e, em resposta, vieram quase trinta mensagens. Ele queria saber tudo: pra onde eu ia, com quem, que horas voltava. Até chamada de vídeo eu tive que fazer, só pra ele ver a roupa que eu estava.
Ele não brigou, não surtou. Mas eu senti. Pelo jeito como as respostas vinham rápidas e pelas frases curtas… que ele tava incomodado.
Era sufocante? Talvez.
Soava como loucura esse controle dele? Sim.
Mas em mim não incomodava. Ao contrário, eu gostava. Gostava de sentir que eu era importante a ponto de ele perder o sono por causa de mim. Gostava dessa obsessão que queimava nele.
Antes do Iago, eu me via como qualquer garota comum. Cheia de inseguranças, desajeitada, sem nada de especial. Nunca tinha me achado sexy, atraente, desejável.
E daí ele aparece… e me olha como se eu fosse feita de fogo e ele tivesse sede daquilo. Não era só t***o. Era loucura, era dominação. O olhar dele me despia inteira, cada curva minha era um banquete só dele.
Saí de casa ainda trocando mensagem com ele, mas depois ele se despediu avisando que iria dormir. Eu e a Luana fomos até um restaurante no centro e encontramos o tal amigo dela.
— Amiga, esse aqui é o Felipe — ela apresentou ele com um sorrisão. — Ele é maravilhoso!
Ele levantou as mãos, todo espalhafatoso.
— Maravilhosa é você, amiga! — e virou os olhos brilhando pra mim. — E essa boneca? Não me diz que é a tua prima!
Não aguentei, ri na hora. O jeito dele era exagerado, mas divertido. A gente jantou os três, e ele fazia graça com tudo. Falava alto, ria alto, até os garçons riam com ele.
Mas o jantar foi muito divertido e conversamos sobre vários assuntos.
No meio da refeição, o celular dele tocou. Ele atendeu rápido e desligou sorrindo.
— Amigas, vou ter que voar! — anunciou, estufando o peito. — Me chamaram pro baile na Rocinha, hoje tem show de um mc lá! Não posso perder!
Engasguei com a água.
— Você tá maluco? — perguntei, os olhos arregalados. — Ir pra Rocinha?
Ele riu, sacudindo a mão no ar.
— Relaxa, amiga. Minha amiga Eliane mora lá.
É super tranquilo.
Luana bateu palmas.
— Eu quero ir também! Clarinha, vamos?
Balancei a cabeça na hora.
— De jeito nenhum.
Felipe se inclinou sobre a mesa, cheio de charme.
— Amiga, só se vive uma vez na vida! Você já foi em algum baile de favela?
— Não
— Você precisa conhecer. É energia pura.
Luana apoiou a mão na minha, fazendo beicinho.
— Por favor, Clarinha. Você nunca sai, nunca se diverte. Vamos, vai ser legal.
É, parecia loucura… mas ultimamente eu só tenho feito loucura mesmo.
— Tá… tá bom. Vamos. — respondi, sentindo meu coração disparar.
Dirigi até a entrada da Rocinha com os dois. Encontramos a tal Eliane, e ela já entrou no carro dando ordens:
— Aqui é tranquilo, mas vocês andam sempre comigo, tá? Baixa o vidro e nada de filmar.
Assentimos e ela nos levou morro acima.
Quando chegamos na rua do baile, eu não acreditei. Um mar de gente e vários homens armados por todo lado. Gente dançando colada, meninas rebolado de mini saia, uma realidade totalmente diferente da minha.
Luana já pegou bebida, o Felipe também, e logo estavam me oferecendo.
— Só um gole, boneca. — ele insistia, empurrando o copo pra mim.
— Eu não bebo. — tentei recusar, mas os dois não me largavam.
— Clarinha, curte isso aqui! — Luana me cutucava. — Vai pagar de careta?
Acabei cedendo. Primeiro um gole, depois outro. Quando vi, já tava com um copo na mão, rindo de tudo. O corpo leve, a cabeça girando. O funk batendo forte, e eu dançando do meu jeito, desengonçado, olhos fechados e braços soltos.
— Boneca, você tá um arraso! — Felipe aplaudia, gargalhando — eu devia tá um meme pronto.
Segurei o canudo entre os dentes e bebi devagar, balançando o corpo.
Foi então que ele disse:
— Bora comprar mais bebida. — e puxou minha mão, levando a Luana também.
Nos enfiamos no meio da multidão. No empurra-empurra, trombei com uma mulher.
O copo dela quase voou.
— Tá me vendo não, c*****o?! — ela não gritou, ela berrou empurrando meu ombro.
Meu coração gelou.
— Desculpa, eu não vi… — falei rápido, recuando um passo.
Mas ela avançou de novo, raivosa.
— Não viu é o c*****o! Presta atenção, p***a!
Eliane tentou segurar a treta.
— Calma, foi sem querer…
A mulher não quis saber, empurrou a gente novamente. Quase caí no chão. Quando virei o salto.
Felipe entrou no meio, com o dedo em riste.
— Ei, ei! Fica na tua! Aqui ninguém tá de b.o contigo não!
A confusão só foi aumentando e a mulher de cabelo vermelho começou a discutir com o Felipe. No meio do bate-boca, de repente, ela jogou bebida na cara dele.
— Ai, sua louca! — ele gritou, limpando o rosto, e partiu pra cima dela.
Só vi quando ele agarrou o cabelo dela e começou a puxar, e ela reagiu chutando, esperneando, feito dois malucos brigando no meio da multidão.
O povo se abriu em volta, gritando. De repente, um monte de homem apareceu com a arma na mão. O barulho dos tiros fez todo mundo gelar.
— Para essa p***a agora! — um deles gritou, e em segundos vários outros caras armados cercaram o Felipe.
Era tanta gente em volta que não dava pra reparar no rosto de ninguém. Mas vi quando um empurrou o Felipe no peito, jogando ele no chão com força. Ele caiu de mau jeito, gritando:
— Ai, meu braço! Quebrei o braço!
Abaixei, tentando ajudar ele e a cada segundo eu me perguntava no que eu tinha me metido.
Então um daqueles homens fez sinal e eles pegaram o Felipe do chão.
— Tu é maluco de encostar a mão nela? Vai subir pro desenrolo.
Levantei rápido e tentei argumentar mas a Luana segurou meu braço com muita força.
Eles levaram ele mesmo ele chorando e pedindo desculpas.
— Meu primo é envolvido, eu vou atrás dele — a garota que tava com a gente falou e saiu correndo entre aquele tumulto todo.
— Será que vão matar ele, Clara? — ela me perguntava com a cara de pânico.
Eu devia estar igual.
— Não sei… vamos sair daqui e ligar pro Humberto. — segurei na mão dela, pronta pra puxar e sair daquele furdunço. Só que quando virei…
Meus olhos bateram nele.
O homem que segurava a ruiva pelo braço. O mesmo que tinha uma arma na outra mão e um monte de cara armado em volta, mas, ainda assim, parecia ser o centro de tudo.
Ouvi alguém cochichar perto de mim:
— Tá maluco… mexer com mulher de bandido.
Fiquei parada, travada, sem saber se ia ou se ficava, olhando só pra ele. O Iago. Ali, na minha frente, discutindo com a ruiva.
— E tu, Rafaela! Para de graça, c*****o! Quer fazer barraco em morro dos outros? Tá maluca, p***a?— ele gritou, a voz firme que se soprepunha ao barulho alto da música e dos gritos em volta.
Ela, em vez de baixar a bola, foi pra cima. Passando a mão no seu rosto, tentando se enroscar no seu pescoço, como se ele fosse dela.
Ele arrancou as mãos dela com força e a empurrou.
Foi nesse momento que ele virou.
E me viu.
Um arrepio tomou conta de mim, me deixando imóvel. Minhas pernas amoleceram, o chão parecia que ia sumir.
Não ouvi mais nada. Nem a batida do funk, nem o povo gritando em volta. Nada.
Só via ele.
E ele me olhava também, fixo, sem piscar, como se tivesse acabado de levar uma pancada inesperada.
Então a ruiva acompanhou o olhar dele e me encarou também.
Eu não sabia o que doía mais: o susto de encontrar o Iago naquele lugar ou a cena da mulher se pendurando nele.
O importante é que apartir de agora nada voltaria a ser igual depois desse encontro.