Capítulo 26

1899 Words
Manuela Eu estava sentada na cama, ouvindo a Ágatha me contar cada detalhe do que tinha acontecido: — E como ela está? — perguntei, eu precisava da resposta, por pior que fosse. Ágatha ajeitou o cabelo atrás da orelha e falou devagar. — Eu acho que ela tá bem… quer dizer, tá machucada, mas ta lá na UPA. Assenti com a cabeça, sentindo um misto de alívio e revolta. Parte de mim achava pouco ela ter apanhado no meio da rua, outra parte se perguntava onde eu havia errado. — Tá bom. — murmurei. Ela me encarou firme. — Você quer ir lá ver ela? Se quiser, eu vou contigo. Eu sabia o que a Ágatha queria. Ela queria que eu fosse, até porque uma mãe não abandona um filho nunca. Mas eu não tinha forças, não depois de tudo. — Não. — respondi de imediato. — Tá certo. — ela suspirou, respeitando minha decisão. Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que eu perguntei: — E o Terror? — Ele esteve aqui. — ela respondeu sem demora. — Ficou bastante tempo, mas como você não acordava… ele foi embora. Tava muito m*l, Manu. Muito m*l mesmo. Fechei os olhos por um instante. Era óbvio que ele estaria. Ninguém fica bem depois de ser traído pela própria filha. Peguei o celular. Liguei pra ele. Nada. Mandei mensagem. Nada. Perguntei pro Iago, e ele também não sabia o paradeiro do Terror. Todo mundo perdido. Mas eu não. Eu conhecia o Bernardo. Eu sabia pra onde ele ia quando o mundo desabava. Já sei onde tá! Desci da cama. — Eu sei onde o Terror está e eu vou atrás dele. — Manu, fica aqui. — Ágatha levantou a mão, como se quisesse me segurar. — Espera um pouco. Eu entendi a intenção dela. Queria me proteger, queria que eu respirasse antes de ir. Mas não dava. Eu precisava ver o Bernardo, precisava olhar nos olhos dele. — Não, Ágatha. — neguei. — Eu preciso falar com o Bernardo. Ele deve estar acabado. Eu tenho que pedir desculpa por ter duvidado dele. Ela suspirou, visivelmente preocupada. — Então deixa que eu te levo. — sugeriu com carinho. — Não. Eu preciso andar um pouco. — cortei, já indo em direção à porta. — Obrigada tá! Te amo. Saí dali. Andar era a única forma de aliviar a cabeça até encontrar ele. Segui pelas ruas até parar diante daquela casa da rua 15. A mesma casa onde a gente viveu os melhores e os piores dias, onde a gente se fez e se desfez como casal tantas vezes. O refúgio dele, o cantinho que eu sempre procurei ele quando o mundo tava grande demais pra ele. Empurrei a porta devagar e lá estava ele, exatamente como imaginei. Sentado no chão, cotovelos apoiados nos joelhos e cabeça baixa. Nem levantou os olhos quando entrei. Fechei a porta e me aproximei até sentar ao lado dele. O silêncio entre nós dois parecia não ter fim. — Eu sabia que você tava aqui. — murmurei. Ele continuou quieto. Esperei alguns segundos e, sem conseguir mais segurar, desabei: — Me perdoa por não ter acreditado em você… por ter desconfiado. Eu nunca ia imaginar que a Alicia fosse tão fria, tão sem vergonha, ao ponto de inventar uma coisa dessas. — era difícil conseguir falar tudo aquilo que eu estava sentindo. As lágrimas escorriam, mas eu continuei: — Eu não sei onde foi que eu errei. Eu dei tudo pra ela. Amor, cuidado, respeito… nunca faltou nada. E mesmo assim, ela escolheu esse caminho. Se uniu àquela vagabunda pra destruir a nossa família. Me silenciei, sentindo a dor da traição me consumindo. — A culpa é minha. — soltei. — Eu falhei como mãe. Ele ergueu o rosto devagar. Os olhos estavam vermelhos, marejados, mas não caía lágrima. — Qual foi, Manu? Não entra nessa não, p***a. — rebateu na hora. — Tu segurou essa familia sozinha, foi guerreira pra c*****o. Eu pago o maior p*u pra tu, tá entendendo? Tu é uma mãe maravilhosa. Ele respirou fundo, encarando dentro dos meus olhos. — A Alicia é r**m porque quis ser r**m. O caráter dela é esse. Tu não tem culpa de nada. Aquelas palavras bateram fundo. A raiva dele era grande, mas a decepção era ainda maior. — Eu só não quero saber mais nada sobre ela. — continuou. — Se tu quiser perdoar, perdoa. Mas eu? Eu não quero olhar pra cara dela nunca mais. Pra mim, acabou. Ele fechou os punhos, firme: — De hoje em diante eu só tenho um filho. O Iago. A Alicia morreu pra mim. Se um dia essa peste me pedir um copo d’água, eu viro as costas. Porque ela me traiu, Manuela. Eu podia ter perdido a única coisa boa que eu tenho na vida que era tu. Abracei ele, encostando minha cabeça no ombro dele. Senti o corpo dele estremecer. Ficamos ali, sem palavras, dividindo a mesma dor. Eu sempre pensei que eu era forte, que eu aguentava qualquer coisa. Mas não tem força que segure a decepção de ser traída por quem a gente mais ama no mundo. Por um filho. Iago Saí da casa da Natália e meti o pé pra casa do RD pra ver minha coroa. Mas ela ainda tava dormindo e eu não podia ficar esperando, tinha que voltar pro corre que tava rolando antes da Ágatha me soltar a fita da minha mãe. Uma vez por mês a gente organiza um bagulho na quadra pros moradores: distribuímos cesta básica pra geral e brinquedo pros menor. O tráfico aqui faz mais que o governo. Tava lá com os cria, observando a fila enorme, cada morador pegando o que era de direito, quando a Rafaela brotou do meu lado. — Preciso falar contigo. — largou me encarando. Continuei na mesma fita, cumprimentando quem passava. Não ia dar moral. — Depois nós desenrola. — soltei frio, sem olhar muito, mas cravando a visão em cada rosto que recebia as cestas. — Iago, já tô te chamando pra ir lá em casa faz dois dias e tu não vai. — tentou engrossar, mas a voz dela tremeu no fim. Vi o bandeide na cara dela, e imaginei que ela devia tá querendo caçar outro buraco pra cair. — Se eu não fui é porque não deu. — falei sério, a cara fechada. — Agora, mete o pé. — lancei o olhar pesado, daquele que corta. Ela virou as costas e saiu. WL, que tava do lado, deu aquela risadinha debochada, mas eu continuei sério, não dei palco. — E aí, vai no baile da Rocinha hoje? MC IG vai cantar lá. — ele falou, todo animado, enquanto a Lara tava calada, só observando de canto. — Não sei, tô decidindo ainda. — respondi, mas meus olhos já tavam nela, e o i****a do Wallace nem percebeu. Ela sacou que eu tava na intenção e foi se afastando. — Vai onde? — ele perguntou, desconfiado. — Comprar um guaraná. Tá quente pra c*****o. — respondeu ajeitando o fuzil nas costas. — Vai dar perdido em pleno plantão não. — soltei serio, encarando ela. Ela riu irônica, sem mostrar os dentes, e rebateu: — Tô ciente do meu serviço, patrão. — e saiu andando. Fiquei mais um tempo ali, mas depois dei o papo pros menor que ia dar um giro. Andei pelo meio do povo, cumprimentando, até que bati o olho na Lara dentro do açaí. Fui direto. — Aí, mina. Manda um açaí puro, sem bagulho nenhum. — pedi pra atendente, que sorriu e correu providenciar. Me virei e encostei do lado da Lara, parada na porta com o pote cheio de coisa. — Calor da p***a, né não? — tentei quebrar o gelo. Ela não disse nada, continuou olhando pra frente. — c*****o, me negando a voz mesmo? — soltei uma risada curta. — Por que tu não vai procurar tuas marmitas e me deixa em paz? Eu tô com o Wallace. — falou firme, me tirando um riso de canto. Me aproximei do ouvido dela, pousando a mão na sua cintura. Senti o corpo dela tremer, e o olhar vacilou pra minha boca. A Lara fica se fazendo de difícil mais é só eu aproximar que ela amolece. — Bora lá pra casa? — sussurrei. Quando ela ia responder, o Wallace surgiu do nada. Me afastei rápido, puto. — Tava te procurando. — disse pra ela, que me olhou rápido antes de responder. Os dois se beijaram na minha frente, e ela puxou ele de volta pra quadra. Filha da p**a do c*****o. — Aqui teu açaí. — a atendente chamou, me entregando o pote. Peguei, paguei e nem quis. Entreguei pro primeiro moleque que passou na minha frente. Foi quando meu celular vibrou: notificação do i********:. O cuzão do PM tinha me aceitado. Sorri, mas logo minha visão escureceu. Quando abri no story e vi a Maria Clara na mesma foto que ele. — O que essa filha da p**a tá fazendo com esse p*u no cu? — soltei baixo, puto. Não tavam abraçados, nem juntos. Mas só de tá na mesma foto já me impudia. Entrei no w******p e mandei logo: — Tá onde? Ela demorou pra responder. Só isso já me irritou. A mente começou a viajar: imaginei os dois juntos, ele tocando nela. Em poucos minutos eu já tava surtando. — Fala, c*****o. Tá onde? — disparei várias chamadas. Até que ela atendeu, voz de quem tava rindo. Piorou tudo. Já imaginei ela rindo pro PM. — Tá onde? — perguntei me afastando da muvuca. — Tô na casa dos meus avós. — a voz dela tinha eco, devia tá num quarto, num banheiro. — Tô ligado. — soltei tentando controlar a raiva, pra não pagar de maluco igual da outra vez. — E você, tá onde? — perguntou. — Tô num evento da igreja. — menti. Se falasse a parada das cestas básicas, era bem capaz dela querer colar junto. — Vai demorar a ir pra casa? — perguntei, a mente queimando. — Não, meu pai já tá querendo ir. — respondeu ainda divertida. — Quando colar em casa me avisa. — precisava saber a hora que ela saía de lá. — Tá bom. — Vai fazer o que hoje à noite? — perguntou. — Vou ficar em casa… pensando em você. — soltei, jogando charme. Ela sorriu, e eu ouvi o riso dela antes de desligar. — Beijo, linda. — me despedi. — Beijo. — respondeu. Assim que desligou, meu semblante fechou. Tava puto. Um ódio sem tamanho. Ver aquele merda no mesmo ambiente que ela me deixou pior do que a treta da Alicia. Avisei os cria que tava metendo o pé e subi pro desenrolo. Na moral? Eu ia matar a Natália. Mas pior que ela era a desgraçada da minha irmã, que entregou os bagulho pra ela. Como meu pai já tinha batido, então eu resolvi dar mais um “carinho” e deixar o resto na mão de Deus. Se Ele quisesse levar, já ia tá na mão dele. Quando colei lá, a p*****a já tava careca. Então me adiantou. Peguei a madeira cravejada de prego enferrujado e desci nela sem dó. Cinquenta no lombo. A mina tava toda furada. Depois, mandei deixarem na porta de casa e fui pra minha base.
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