CAPÍTULO 13 — A BEIRA DO COLAPSO

1361 Words
POV: Cauã Delacruz A mão dela ainda ardia na minha. Ou talvez fosse o contrário: talvez fosse minha pele queimando por ter segurado ela daquele jeito. — Me solta Cauã eu não quero conversar com você! - ela se debatia nos meus braços. O camarote inteiro estava parado — eu sentia os olhares pesando no meu pescoço como pedra. O som do paredão martelava, mas parecia distante, abafado, como se o mundo tivesse entrado debaixo d’água. E no centro de tudo isso… a Hannah. Não a Hannah brava. Não a Hannah mãe. Não a Hannah que me dava bronca, que cuidava de mim, que me tirava do eixo. Essa versão aqui… essa mulher de olhos faiscando, respiração curta, e mão ainda semi-fechada do puxão que tinha dado na outra — essa Hannah era um trovão de roupa curta. E eu tava bêbado o suficiente pra não saber lidar… e sóbrio o suficiente pra saber que ia estragar tudo se abrisse a boca errado. Jonah rugiu atrás de mim. A tropa prendia a respiração. Kauány tava com os olhos do tamanho de dois pires. E a mulher que a Hannah puxou pelos cabelos tremia encostada na parede. A única coisa que eu conseguia realmente sentir era o pulso dela — da Hannah — pulsando rápido na minha mão. Eu soltei devagar. Devagar demais, talvez. Mas soltei. — Hannah… — tentei. Ela abriu os olhos como navalha. — Não fala meu nome assim — ela disparou, baixa, firme, cortante. Porra. Meu peito caiu pra dentro. O camarote não era lugar pra aquela conversa. Tinha celular filmando. Tinha gente esperando escândalo. Tinha a p***a toda do morro assistindo. E eu… eu tava longe de ser santo, mas não ia expor ela ali. Nunca. Inclinei o corpo, sem tocar nela — não ousaria — e murmurei perto o suficiente pra só ela ouvir: — Vem. Só um minuto. Só eu e você… por favor… Ela hesitou. E na hesitação dela, senti medo. O medo mais primitivo que eu já senti. O medo de perder. Não foi bonito. Não foi forte. Foi desesperado. Peguei a mão dela — dessa vez com cuidado, com respeito, como se a mão dela fosse vidro — e a conduzi até a lateral do camarote, atrás de caixas de som e do maquinário que ninguém podia ver. Era um corredor estreito, m*l iluminado, com cheiro de poeira misturado ao suor da pista. O som do baile ali vibrava tanto que parecia bater no meu peito. Ela parou bem na minha frente. Braços cruzados. Queixo erguido. Respiração difícil. Linda. E furiosa. E magoada. A mistura que mais acabava comigo. — Pronto — ela disse, fria. — Fala. Tô ouvindo. Eu passei a mão no rosto. A bebida ainda correndo quente nas veias. A cabeça pesada. Eu não tava no meu melhor. Mas tava sincero — talvez sincero demais. — Aquela mulher… — respirei fundo. — Aquilo não significou nada. Ela riu. Um riso curto, seco, sem alegria nenhuma. — Jura? Porque pra mim parecia muito significado lá debaixo. — Eu to bêbado, Hannah. — E eu sou otária? Meu coração escorregou dentro do peito. — Não fala assim — murmurei, firme. — Você não é isso. Nunca foi. Ela deu um passo pra trás. Quase imperceptível. Mas doeu como se ela tivesse me dado um empurrão. — Cauã, você quer conversar ou quer continuar se justificando? Ah, essa mulher. Essa mulher me desmontava com uma frase. — Eu… — toquei a cabeça na parede de metal atrás de mim, respirando fundo. — Eu não tô justificando. Eu tô tentando te dizer que eu vacilei. Ela me encarou. O olhar dela não era raiva pura. Era decepção. O tipo que corta. Aquele olhar me destruiu mais do que qualquer tapa. — Você me machucou hoje — ela disse, finalmente. — Não fisicamente. Aqui. Ela bateu a mão no peito. Porra. Porra. Eu fechei os olhos. Quando abri, a voz saiu rouca: — Eu segurei você daquele jeito porque eu… eu entrei em pânico. — Pânico de quê? — De você ir embora. — confessei. — De você olhar pra mim como olhou e decidir que já chega. Que não vale mais a pena. Hannah piscou lento. Eu continuei, porque agora que tinha começado, não tinha mais volta: — Eu fiquei com medo. É isso. — Medo? — ela repetiu. — De perder o quê exatamente, Cauã? Eu cheguei mais perto. Um passo só. Um passo que ela não recuou. — De perder você. Ela apertou os lábios. — Eu não sou mais sua mulher! Ela sussurra. E foi ali — exatamente ali — que algo dentro de mim realmente rachou. Eu respirei fundo e disse: — Mas meu coração não sabe disso. Hannah desviou o olhar. E quando ela desviava, era porque sentia. Eu sabia. Eu conhecia. — Você não pode brincar comigo desse jeito — ela disse, a voz pequena, como se tivesse ficando sem ar. — Não hoje. — Não tô brincando — sussurrei. — Eu tava m*l. Tava tentando esquecer a falta que você me faz. Fiz besteira. Mas quando eu vi você ali… puxando a mulher… olhando pra mim daquele jeito… eu só… — minha voz falhou. — Eu só senti medo. Real. Vivo. — Então você quer que eu sinta pena? — ela rebateu. — Não. — respondi, rápido. — Quero que você sinta a verdade. Ela me encarou. Eu encarei de volta. A tensão entre nós era tão forte que eu podia ouvir o próprio sangue circulando. — Se você tivesse ido embora… — murmurei. — Eu não sei o que eu teria feito. — Cauã… — Eu não tô falando isso pra te prender. Eu tô falando porque é verdade. Porque quando você vira as costas pra mim… — toquei o peito, sobre a camiseta. — eu sinto como se o chão abrisse. Ela respirou fundo, tentando não tremer. Eu percebi. Eu sempre percebia. Estendi a mão, devagar, devagarinho, até tocar o queixo dela com a ponta dos dedos. Ela não recuou. — Me olha — pedi. Ela olhou. E eu vi tudo. Raiva. Dor. Saudade. E algo que ela nunca admitiria — mas eu reconhecia: medo de sentir também. — Eu não quero que você vá embora — falei, baixo, com a sinceridade atravessada na garganta. — Não hoje. Não nunca. O silêncio pesou. O som do baile vibrou atrás de nós como trovão. O ar cheirava a tensão, suor, perfume doce vindo dela. E então… no exato segundo em que eu achava que ela ia falar algo — um estampido ecoou lá fora. Seco. Violento. Depois outro. E outro. E outro. Gritos. Correria. O metal do camarote tremeu. Hannah arregalou os olhos. Eu me virei na hora. — TIRO? — alguém berrou. — NÃO É FOGOS! — outro respondeu. O baile explodiu em caos. Gente correndo. Gente caindo. Gente se empurrando. A tropa sacando ferro. Jonah gritando ordens. O DJ desligando a música e berrando pra todo mundo se abaixar. Metralhadora, p***a. Metralhadora pesada. As luzes piscavam. A fumaça começava a subir. Eu agarrei Hannah pela cintura — dessa vez com urgência, não violência — e a puxei pra trás de uma coluna de concreto. — FICA ABAIXADA! — gritei. Ela respirava acelerado, mas não entrou em pânico. Essa mulher era feita de aço. Kauány gritava o nome da Hannah do outro lado. A tropa tentava formar barreira. O barulho de passos acelerados ecoava pelo corredor. E antes que eu conseguisse pensar no próximo movimento… alguém lá embaixo gritou o que gelou meu sangue: — É O CAVEIRÃO ! — O CAVEIRÃO SUBIU! Puta. Que. Pariu. O ar saiu do meu peito. A Caravela não aparecia por nada. Quando aparecia… era pra buscar sangue. Olhei pra Hannah. Ela percebeu meu olhar. E entendeu. — Cauã… — ela murmurou, tensa. — O que tá acontecendo? O chão vibrava com os tiros. A respiração dela batia no meu pescoço. E eu sussurrei a verdade crua: — Eles não vieram pro baile. Eles vieram por mim. E então… um laser vermelho mirou bem no peito dela. E antes que ela percebesse — eu a joguei no chão.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD