Capítulo 3

1483 Words
Sexta-feira, 05 de outubro de 2018. O prédio ao Lado, Sandtown Baltimore – EUA. Não lembro quando caí no sono ontem à noite, mas apaguei. Eu me acostumei a acordar no quarto vazio, e ver Gwen sentada em um banquinho ao lado da cama. Mas hoje eu acordo amarrada, com as pernas abertas e levantadas, em uma maca com estofado duro e gelado, sentindo o cheiro forte de antisséptico no ar. É uma sala diferente, maior, e com paredes de metal. A princípio, não consigo ver quem está aqui comigo, já que o sono pesado ainda mantém meus olhos fechados, mas sinto a presença de mais alguém perto de mim. Continuo respirando de modo contido e constante, fazendo um esforço para ouvir, então uma mão segura meu joelho. — Sei que você está acordada. — A voz parece ser de uma mulher de meia-idade e com um sotaque nova-iorquino. É uma voz agradável. Sua mão sobe por minha perna, e então para em meus s***s, e os aperta devagar. Um arrepio atravessa meu corpo, apesar do calor da sala. — É melhor ficar bem paradinha, caso contrário nós duas teremos motivos para nos arrepender. Quando tento virar minha cabeça em direção à voz, percebo que também está amarrada, fazendo com que eu fique parada olhando para cima, impedindo qualquer movimento. — Se você sentir que não vai conseguir ficar imóvel, eu posso lhe dar algo que a force a isso. Mas repito que prefiro não ter que tomar qualquer uma dessas medidas. Você é capaz de ficar parada? — Por quê? — pergunto, quase sussurrando. Tento abrir os olhos, mas os remédios para dormir os deixam pesados demais para abrir. Uma mão acaricia meus cabelos, as unhas raspam de leve meu couro cabeludo. Então ela começa a massagear meus olhos, fazendo com que eles se abram. Ela está atrás de mim, e o ar ao redor dela está tomado pelo cheiro de um perfume muito forte. Nem é preciso dizer que é caro. Com o canto do olho, consigo ver equipamentos médicos para cirurgia, todos organizados em uma bandeja. Ah, não. Não, não, não. Começo a me agitar na maca, tentando me soltar. Uma mão se move para o meu pulso, contendo meus movimentos. Vejo dedos longos e os nós dos dedos rachados que levam a um pulso nodoso e ao braço fino. Só então que dou uma boa olhada em todos na sala. Uma enfermeira parece abalada. Há dois homens que parecem ser médicos ou enfermeiros, e que me observam. E a mulher que falou comigo, vestida de roupa social e um jaleco branco, está parada perto da maca. O ar está parado, frio e pesado. Cheira a remédios, produtos de limpeza e desinfetantes. Não pode ser nada bom. — Quem é você? — pergunto. Ela aperta os lábios e se aproxima. — Sou a Dra. Melinda Addison. Sou a médica. Ela está bem vestida, do jeito que uma madame se vestiria: saia lápis, sapatilha preta da moda, camisa com modelagem para parecer profissional e feminina, que tem uma leve transparência, com uma combinação por baixo, e está tão em desacordo com a cara lavada e o cabelo preso em um coque sério que me causa estranhamento. — O que você vai fazer comigo? — Um ultrassom transvaginal. Arregalo meus olhos. Engulo em seco. — O quê? Por quê? Ela ri, e o riso sai fácil e forte. — Não é de surpreender que a Gwen goste de você. Você é forte, bem parecida com ela. Não sei como responder isso, não encontro nada para dizer que faça algum sentido. Quando percebe que meu corpo está enrijecido, ela dá um t**a em minha coxa. — Relaxe. Se você ficar tensa, vai doer mais e vai demorar mais. Respiro fundo e forço meus músculos a se descontraírem. Fecho e abro os dedos e, a cada movimento, solto um pouco mais da tensão de minhas costas. Então pergunto: — Por que você está fazendo isso? — Preciso analisar o útero, ovários e o seu colo uterino, para uma gravidez saudável. Ela me olha enquanto tento não chorar, e seus olhos pequenos e brilhosos parecem compreensivos. — Você é virgem? — Ela pergunta. Balanço a cabeça negativamente em resposta. Eu quero chorar. Consigo sentir um nó subindo na minha garganta. Fixo meu olhar nas luzes do teto com tanta intensidade que nuvens pretas se formam diante dos meus olhos. — Posso me sentar um pouco, por favor? — peço, depois que ela termina o procedimento. — Pode — responde ela. E então ela me desamarra e me ajuda a sentar na maca. Minhas mãos são algemadas por um dos enfermeiros logo em seguida. Ela começa a passar os dedos cuidadosamente por meus cabelos, afastando-os de meus ombros, e pega uma escova. Fico imóvel. Ela desembaraça os fios até não sobrar nem um nó e continua escovando depois. Acho que ela gosta disso tanto quanto qualquer outra coisa, na verdade. É um prazer simples poder escovar os cabelos de alguém. Por fim, ela os prende com um elástico em um r**o de cavalo e então os enrola em um coque pesado, prendendo-o com uma presilha e grampos com pontas de borracha. — Qual o seu nome mesmo? — sussurro. — Melinda — responde rapidamente. — Um guarda vai te levar para o quarto agora. Quando a porta se abre, encaro o guarda: Thomas está parado ali. Por que será que Thomas está envolvido nisso? Como um guarda? Qual é a lógica disso? — Gostaria de saber que horas são — pergunto à Melinda, antes de sair. — É mesmo? Que interessante — responde ela. Eu já deveria saber que ela não me contaria. — Sabe, Amélia, estou desapontada pelo fato de que você ainda não tentou arrancar meus olhos — comenta ela. — Se eu estivesse com as mãos soltas... mas seria idiotice minha fazer isso. — É verdade. Mas faria sentido, considerando o seu histórico de agir primeiro e pensar depois. — As pessoas mudam — contraio os lábios. — Que boa notícia. — Ela dá um passo para trás e gesticula em direção à porta. Saio da sala. Thomas caminha logo atrás de mim. Em silêncio, Thomas e eu começamos o caminho de volta para o quarto. Viramos à esquerda e há um grupo de pessoas em pé no outro lado. É o corredor mais longo pelo qual passaremos, mas a distância encolhe quando vejo ele. Guardas seguram cada um dos seus braços, e há um terceiro guarda segurando uma escopeta. Josh, algemado e com sangue escorrendo da lateral do rosto e manchando sua camisa branca de vermelho. — Josh — digo, em um tom parecido com o de um arquejo. Thomas segura meu cotovelo, mantendo-me no lugar. Um dos guardas empurra Josh em minha direção. Também tento me empurrar para frente, mas meus pés não se movem. — O que fizeram com você? — murmuro. Ele está perto de mim agora, mas não o bastante para me ouvir. Ao passar por mim, ele tenta se aproximar, mas é contido pelos guardas. Jogo-me em sua direção, tentando escapar das mãos de Thomas, mesmo que elas me machuquem. — Josh! — grito, mas minhas mãos pegam o ar. Ele vira o corredor e desaparece. Minha última visão dele é o brilho do cano da pistola e o sangue na parte de trás do lóbulo da sua orelha, de um ferimento que eu ainda não havia percebido. Desfaleço completamente depois que ele se vai. Paro de tentar lutar e deixo que as mãos de Thomas me empurrem em direção à minha prisão. Desabo no chão assim que entro no quarto e espero que a porta bata, significando que ele foi embora, mas ela não bate. — Por que ele foi capturado também? — pergunto. — Porque ele é necessário — Thomas responde enquanto tira minhas algemas. Não olho para ele. — Claro que é — debocho. Encosto a cabeça na parede. As lágrimas acumulam-se em meus olhos e não tento afastá-las. Em vez disso, olho para o ambiente ao meu redor através delas, e tudo fica borrado. Há alguns dias, nunca teria chorado na frente de alguém, mas não ligo mais. Cubro a boca com a mão para abafar meu soluço. Se eu conseguir continuar respirando, conseguirei parar de chorar. Não precisava, nem queria, que Josh morresse comigo. Mais lágrimas escorrem sobre meu rosto. Fecho os olhos. Os sapatos de Thomas fazem um ruído no chão quando se vira. Está indo embora. — Espere! — levanto o rosto. — O que eles farão com ele? — Sei lá. — Você poderia tentar descobrir? — enxugo as bochechas com as costas das mãos, frustrada. — Você poderia pelo menos tentar descobrir se ele está bem? — Por que eu faria isso? Por que faria qualquer coisa por você? Um segundo depois, ouço a porta se fechando.
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