Forças Opostas

1325 Words
Não esperava por uma reviravolta tão louca tampouco que minha amiga estivesse confabulando com aquele teatro todo — uma situação absurda e que não encaixava com a realidade certa. Os burburinhos inflamaram com o que descreveria como comoção do círculo de curiosos que fofocavam entre si sobre o m****o novo. Estávamos na faculdade e tínhamos passado da fase de "predadores" de caras novas que tinha no ensino médio, agravando ainda mais toda a repercussão do que deveria ser um intervalo normal. O rapaz de cabelo claro se encontrava cercado como se cada pessoa quisesse atrair a atenção dele para si, mas sem sucesso porque... Seus olhos se fixaram em mim. A sensação de ser tragada pelo oceano de um azul cobalto intenso me congelou no lugar, tive a sutil impressão que o mundo ao nosso redor tivera desaparecido com o choque. Sem desfazer minha expressão de desconfiança e avaliando o ocorrido para procurar alguma lógica e desvendar o surto coletivo que contagiou uma parcela grande de alunos, cruzei os braços para salientar minha postura pouco amigável e também para proteger inconscientemente meu espaço pessoal a medida que o rapaz encurtava a segura distância que nos separava. Nunca gostei da ideia de ser exposta a expectadores tão fervorosos e famintos, na verdade, tudo em mim gritava discrição e normalidade e sair dessa zona cômoda e segura não parecia ser tão convidativo e divertido quanto se sugere. E aqui estava eu: congelada, irritada com o espetáculo desnecessário, com uma plateia curiosa ao redor e o cara mais bonito que já vi na vida bem na minha frente. Em poucos minutos consegui a proeza de reunir todos os requisitos para os famosos e desagradáveis quinze segundos de fama com tudo que tinha direito no “cardápio”, incluindo fãs descontentes. Quando disse que era o mais bonito, não era exagero. Na primeira vez, por causa da pouca iluminação e do pânico, m*l pude vê-lo e teria pouco material para apresentar caso precisasse fazer um retrato falado dele. Entretanto, agora com ele tão próximo e em um ambiente mais favorável — para mim —, não somente tinha uma imagem mais clara e objetiva como também seria mais fácil para distingui-lo entre tantas pessoas. Algo nele, não só seu aspecto físico impressionante, não se enquadrava com nada ali, como se não pertencesse. — Podemos conversar? — indagou em um profundo tom de doçura, uma simpatia quase palpável. — Não temos nada pra conversar. Cruzei os braços em uma postura firme e fria. — Eve. — murmurou com cautela. Como raios ele sabia meu nome? — Não seja tão dura com ele, Eve. — Christine censurou. Revirei os olhos e segui o desconhecido até uma área mais reservada. — Não sei o que fez com todo mundo pra que acreditem que você estava aqui faz tempo, mas você não me engana! — acusei sem nem esperar algum pronunciamento, sequer esperei que arranjasse argumentos para tecer sua defesa. — Eu vi o que você fez e não tem como ser humano! — Então você viu mesmo. — disse como se estivesse conferindo a veracidade de uma informação. — Se me deixar explicar talvez possa esclarecer. Reparei melhor na silhueta alta e corpulenta do rapaz, sendo mais alto que eu. As mechas claras emolduravam a face elegantemente esculpida, traços tão atraentes que roubava o fôlego de quem estivesse próxima e meu rosto esquentou, para meu desgosto, com a percepção de quão atraente ele era. O azul cobalto dos olhos dele me analisaram profundamente como se extraísse minhas vulnerabilidades. — Eu estava testando uma experiência. — Uma experiência? — repeti incrédula. — Olha... — Aí está você, Gael. Achei que nunca o encontraria. — uma garota de cabelo n***o que não conhecia agarrou o braço do rapaz antes que ele completasse seu raciocínio, arrastando-o junto com ela pelo braço. Gael olhou pra mim enquanto se permitia ser conduzido para longe do meu campo de visão. Respirei fundo para soltar o ar que nem tinha reparado que segurara. Teria que abordá-lo em outra oportunidade, não descansaria até ter uma resposta satisfatória para essa maluquice e se necessário fosse ficar de vigilância cerrada com o novato, não teria problema em fazê-lo. Decidi espairecer em alguma área com pouca movimentação, necessitava fugir desse ambiente onde todos estavam agindo como se um mero desconhecido fosse uma parte do corpo estudantil e um m****o ativo do meu grupo de amigos. Não tinha chance disso ser real e tinha quase certeza de que seria a única a ter essa consciência. Nem mesmo a Christine se deu conta e foi pra ela que contei sobre o invasor. Por outro lado, se tratando de um assunto no qual a maioria enxerga como verdade, dificilmente eu teria voz e crédito. Pensativa, apertei o passo e esbarrei com uma mulher, derrubando o material que ela carregava no processo. — Me desculpe! — exclamei, ajudando-a recolher seus pertences. — Não se preocupe, está tudo bem. — ela sorriu com doçura. A mulher ajeitou tudo que trazia e deu alguns passos antes de se dar conta de algo e girar os calcanhares em minha direção. — Poderia me ajudar? Eu estou fazendo um trabalho por aqui e não conheço nada e nem ninguém. — o rubor tingindo suas bochechas lhes atribuíram um ar quase pueril. — Claro, é o mínimo que poderia fazer depois de te derrubar. — forcei uma risada, constrangida. Ela suspirou com alívio. Um equilíbrio entre o normal e o bizarro. Discretamente observei a mulher tentando encontrar a razão por, de repente, ter a impressão que tinha visto-a em algum lugar. Havia um ar afetuoso perto dela, seus olhos castanhos reluziam ternamente e os cabelos castanhos ondulados caíam em ondas pelas suas costas. Nada que me remetesse algo e, ainda assim, era estranhamente familiar. Dei de ombros. As últimas horas se resumiram em uma episódica sequência de eventos bizarros, primeiro com o tal Gael e, o bônus, com a jovem fotógrafa. — A propósito, meu nome é Anastasia. E novamente agradeço pela mãozinha. — ela riu em uma mescla de ansiedade e euforia. Uma combinação pouco compatível e até diria desastrosa. — Meu nome é Evelyn, normalmente me chamam de Eve. — pigarreei. — E seja bem vinda a selva que é essa prestigiosa faculdade. — Muito obrigada. Pra ser sincera, estava nervosa. Acho que errei algumas salas no percurso e não encontrei ninguém disposto a me auxiliar, acredita? — explicou, menos aflita. Como duvidar de alguém que só faltava explodir tamanha tensão? — As vezes é difícil se localizar em um lugar novo. — sorrio para confortá-la. — Logo se acostuma e as chances de se perder diminuem consideravelmente. — É, está certa. — concordou hesitante. Anastasia ajustou a lente da câmera para se assegurar de que sua máquina estava bem configurada, ela arrumou manualmente cada parte que precisava, examinando o resultado de seu trabalho. Ela tratou de enquadrar um canteiro de flores que o zelador, junto com alguns alunos, cuidava. Ninguém mexia nelas tanto por não estarem muito de acordo em sentir o peso da punição quanto por acharem, em alguns boatos, que o zelador Bob — um senhor muito gentil — poderia disparar contra o engraçadinho que ousasse ultrapassar essa curva. Era um método estranho de se solucionar as coisas, mas o respeito através do medos tinha dado frutos nesse caso. Anastasia tomou uma foto das flores com o orgulho. No ramo da fotografia, certamente ela seria aquele tipo de pessoa que teria uma coleção de fotos de flores das mais variadas espécies. Seguimos até a sala de coordenação conversando em uma sinergia reconfortante. Nunca tinha estado com alguém com tanta compatibilidade comigo. Nem mesmo Christine, que conviveu um bom tempo comigo, tinha. Acenei para Anastasia vendo-a desaparecer da minha vista. Justo quando acreditei que as coisas estavam bem, um grito irrompeu o silêncio do corredor e com uma única frase mudou tudo: — Há um aluno morto!
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