Construção

2425 Words
O sabor adocicado do chá renovou minhas baterias, me energizando. Em estado de êxtase, inspirei o aroma de camomila do conteúdo quente da xícara, sorrindo a cada gole. Minha rotina baseada em acordar cedo — porque meu metabolismo se habituou — se provou uma vantagem para a loucura que aceitei no impulso, treinar com Morgana e aprender truques de magia, até brinquei com a ideia de ser um do tipo tirar coelhos da cartola e adivinhar a carta no jogo de baralho, mas pelo pouco que testemunhei certamente não tinha nada do gênero. Minha mente pipocava imaginando os feitiços, me maravilhando com o leque de possibilidades que se estendiam ante mim. Ontem, antes de dormir, pesquisei sobre o conceito de feitiçaria e cerimônias ritualísticas, lendo textos e contos sob a perspectiva de pessoas que pouco conheciam a respeito das riquezas que esse mundo oculto possuía. Se desejasse extrair o máximo de informações espalhadas pela rede, teria que investigar os diversos sites e filtrar os que se dedicavam a tratar o assunto com devido respeito com direito a fontes históricas de, até mesmo, suspeitos de praticar bruxaria — que originalmente era somente o que atualmente se denomina como herbalismo, um estudo que se centra no uso de plantas e ervas para fins medicinais e alimentícios. Madruguei revirando mais páginas, absorvendo mais e mais e vidrada nisso, acabei sonhando comigo convertida em uma bruxa com todo estereótipos reunidos: roupas escuras, chapéu excêntrico e vassoura. Só despertei por completo com um banho gelado que me custou muito — me proporcionou uma tremedeira que durou um longo período até beber meu chá matinal. Esse foi meu maior exercício de coragem daquele mês, acrescentando na minha lista. Um persistente e peçonhento pensamento, repentinamente, se espreitou para fora da prisão que a joguei. Ela cobrava uma resolução, uma aclaração lógica para o pequeno alarde de Gael que desfez toda a visão de ser inabalável e adaptável a qualquer ambiente caótico que construí dele. Não que o condenasse por ter um colapso ou o julgasse inferior, mas adoraria descobrir mais dos objetivos e princípios que regiam as ações dele. Morgana introduziu uma elaborada condição que resumia bem as nuances de personalidade que ele iria externar em detrimento a tudo que acionasse algum gatilho nele. Gael não era um rapaz tão emocional tampouco a muralha de mármore intransponível, simplesmente atuava como a situação exigia. Para minha surpresa, me peguei pensando em Gael com mais frequência do que deveria e nosso relacionamento se iniciou há pouco. Me convenci que o que me atraía de verdade vinha a ser o mistério pendente dele que se recusava a contar. O mais próximo de exposição fora o que Morgana revelou sob a vigilância. Terminei meu chá, recolhi minha mochila e peguei minhas chaves. Christine tinha aproveitado para dormir fora do departamento, mas ela tinha a própria chave. Segui para o estacionamento e o carro de Morgana em uma cor muito chamativa já estava ali, me aguardando como combinado. — E aí, boneca. Pronta para a viagem da sua vida? — arqueei a sobrancelha com o dialeto peculiar dela, embora achasse graça do seu humor diferenciado. — Sim. — respondi, sorrindo. Estreitei os olhos com a falta de um integrante. — O Gael não virá com a gente? Morgana ajustou o espelho retrovisor. — Ele foi muito antes da gente, disse que precisava treinar para relaxar. — deu de ombros. — E ele tem um jeito estranho de fazer isso. Mas quem sou eu para julgar? — Ele é sempre assim? — Assim como? — perguntou desbocada. — Quieto, sempre na dele. Introspectivo. — Ele é caladão, mas um amor quando quer. Não se deixe levar pelo aspecto durão e frígido dele, no começo é assim mesmo. — riu. — Ele costuma dar tudo de si quando se foca em algo. Imaginei como seria esse lado mais suave. — E que missão ele está? — Se eu te contar, teria que matar você. — sorriu diabolicamente. — Não estou autorizada a entrar em detalhes, só posso dizer que se trata de uma questão familiar. — Ele disse que não podia me contar por enquanto. — Gael tem muita cautela a envolver pessoas de fora, se Raviel não tivesse te atacado dificilmente ele chegaria tão longe. — anuiu com certa seriedade. — Quem é esse Raviel afinal? Ok, estava abusando da disponibilidade e bondade de Morgana para enchê-la de perguntas, no entanto, ela não aparentava aborrecimento ou tédio, o que deduzi ser um sinal verde para sanar as dúvidas que cultivei. — Para ser honesta, não faço nem ideia. É um ser enigmático e imprevisível. Não conseguimos prever nada sobre ele... Como se ele estivesse sempre um passo a frente de nós. — franziu o cenho, seu semblante menos divertido. — Quando soube que ele te atacou, minha primeira teoria foi que estivesse portando algo do interesse dele. — suspirou. — Não posso afirmar nada ou lhe oferecer respostas coerentes de algo que não cabe a minha jurisdição. — Entendo. Se Morgana não se é encarregasse de incentivar um diálogo, o restante da viagem seria bastante monótona. Não conhecia Morgana tão bem, mas ela gostar de me incluir em tudo que fosse tema. — Você trouxe peças de reposição? Assenti, batendo gentilmente em minha mochila. — Perfeito. Você vai precisar. — sinalizou para que fosse com ela. Uma academia, quem iria prever? Ri internamente. — Bem vinda ao meu refúgio descolado e secreto. — enfatizou secreto como se toda construção não estivesse em uma boa localização para possíveis cliente. — Fique a vontade. Ali — indica uma entrada. — é o vestiário. Vou te esperar na sala do outro lado. Me espreguicei e troquei de roupa, inspecionando meu físico e rindo da minha incrível fórmula de encontrar pessoas tão fora do padrão. Estiquei os músculos para me aquecer e vaguei pelo corredor e, por fim, sair. Ouvi pancadas surdas que se repetiam em um ritmo coordenado, dava para presumir ser um saco de areia sendo utilizado como suporte de treinamento repetidas vezes. Um golpe. Dois golpes Saltou para quatro golpes. A série de ataques firmes e os gemidos de exaustão se misturando, me deu uma vaga percepção de quem estaria ali. Me desloquei para a fonte dos ruídos: arregalei os olhos com o que, se é que fazia sentido, flagrei. Gael socava o saco de areia extremamente concentrado nos ataques, arremetendo em uma sincronia digna de um especialista, tão bem coreografado que me hipnotizou. Definitivamente não era correto da minha parte espionar a sessão individual de treino do Gael tampouco permanecer assim ciente de que eu mesma teria que me exercitar com a supervisão de Morgana, ainda assim, não sai do meu esconderijo fajuto que qualquer um, com uma carga considerável de deboche e malícia, me denunciaria se me surpreendesse no ato. Não reparei muito no porte físico dele quando o conheci, até porque o enxergava como um inimigo, um ser no qual não serviria minha crença. Livre das cortinas da agressividade e sob uma perspectiva mais otimista, Gael facilmente cairia nas graças das mulheres — se bem que já era um fato consumado sua popularidade. Os cabelos, que viviam amarrados boa parte do tempo, estavam soltos, grudados na testa devida fina camada de suor que o encobria, um brilho úmido sobre sua pele formada por pequenas cicatrizes cicatrizadas. Seu corpo atlético e com músculos duros e bem estruturados muito evidentes, os ombros largos e altivos de um lutador confiante de sua competência em batalha e as pernas longas e firmes, ao mesmo tempo, executava movimentos graciosos com chutes precisos que acertou o saco de boxe que bambeou como se tivesse perdido sustento. Gael enxugou o filete de suor que orvalhou em sua testa e, antes que tomasse um segundo para se dirigir a mim, me escondi prontamente. — O que está fazendo? Espionando o Gael? — congelei e ouvi uma risadinha. Me recompus, ostentando o que me restou de dignidade para confrontar Morgana. — Só dei uma olhada por curiosidade. — declarei em minha defesa. — Deu pra notar. Ela riu mais. Engoli em seco. — Melhor irmos logo, já perdemos tempo com sua empreitada de espionagem. O calor subiu pelo meu pescoço em ondas com o rubor crescente. — Para ter uma ideia de como começar. — ela segurou meu pulso com delicadeza e me guiou até outra área de treino. — Sabe, ao menos, o básico de defesa pessoal? Neguei com a cabeça. Na verdade, o mais próximo de artes marciais que estive na minha vida toda fora pela minha paixão infantil pelo estilo que assisti nos filmes — minha orgulhosa fase de usar um roupão rosa como um kimono improvisado e fingia ser uma grande mestre do Judô, Jiu-jitsu, Kung Fu, Karatê e outros. Essa ilusão de que, quando chegasse nos dez anos, frequentaria alguma academia e viraria uma expert em todas formas de luta antes de completar os quinze se apagou com os anos e porque acabei perdendo um pouco do interesse. E nem como uma adulta me dispus a realizar esse sonho que meu eu de seis anos nutriu tão esperançosa. — Não posso te ensinar se nem o básico conhece. — Morgana pousou as mãos na cintura delgada, me analisando de cima a baixo. — Podemos fazer um teste prático? — Por mim tudo bem. Morgana esticou os braços e se posicionou no centro do que, segundo ela, seria um tatame. Me aproximei confusa com um sinal dela e recebi um golpe, de punho aberto, no peito que me arrancou o fôlego. Me desequilibrei pateticamente, caindo de b***a no chão. — Seus reflexos também não são dos melhores. — franziu o cenho, me ajudando a levantar. — Vamos começar com lições de boxe, ok? Assenti. Morgana pegou equipamentos para me equipar. Alguns conhecia de vista, embora só soubesse o nome de alguns deles. Coloquei as bandagens, mexendo as mãos para provar a textura da proteção e como se aderia a minha pele não acostumada com esse tipo de acessório. Não incomodou ou irritou, foi um sentimento de novidade que desapareceu após uns minutos. Morgana me deu instruções de postura e como manobrar os golpes, chutes e socos, para que a eficácia fosse maior e não me ferisse com um mau cálculo. As primeiras sequências de socos e chutes que deveria sintonizar, me confundiram. Quando deveria chutar, socava e, quando precisava socar, chutava. Invertia as ordens e isso acabou dobrando meus exercícios. Morgana mascarou seu jeito mais mordaz e afiado e substituiu por um que manava severidade que demandava a situação, ela tomou mesmo o manto de tutora. Me ajoelhei ao terminar a terceira repetição de exercícios, sequer alcançando o número ideal demarcado que era de dez. Meu sedentarismo cobrava caro em meus músculos que clamavam por uma pausa. — Não está sendo muito dura com ela, Morgana? — Gael surgiu, ajustando as bandagens em sua mãos provavelmente já tendo finalizado seu próprio treino. — Não. Estamos tirando o atraso e fazendo com que ela consiga, ao menos, sincronizar seus ataques. Gael cruzou os braços. — Não funcionará muito se ela desmaiar. — Ela precisa ter o corpo são e a mente são para depois partir para o estágio de magia. — Resfoleguei com o comentário rígido dela. — Se pulasse tudo isso, provavelmente ela teria morrido. Gael encurtou a distância que nos separava e ofereceu água enquanto me ajudava a me estabilizar de pé. — Como está se sentindo? — Cansada, mas posso prever que amanhã não conseguirei sair da cama. — ri exausta. — Morgana, se importa se pararmos um pouco? — Morgana revirou os olhos como se a pergunta fosse uma afronta. — Certo, certo. Estou generosa hoje, então darei trinta minutos de descanso. — ela me entregou uma toalha e seguiu para fora do salão. — Morgana esquece que não são todos que estão habituados a cargas pesadas de treino. — bebi a água parcialmente atenta as palavras de Gael. Umedeci os lábios e reparei que ele ainda estava sem camisa. m*l administrei o ocorrido e somente naquele momento estava consciente do meu entorno com mais lucidez. Bebi o restante de água lutando com minha estranha e irracional vontade de admirá-lo. Varri o salão de aresta a aresta, ocupando minha mente com o que Morgana orientou a respeito dos meus exercícios. Gael se sentou no tatame tão preguiçosamente quanto possível e me senti tentada a imitá-lo. — Se você estiver arrependida de... — Não estou. — proferi com rapidez brusquidão, corando. — Isso tudo será útil e se puder auxiliar você, vai compensar. Gael sorriu, deitando com os braços para trás para apoiar sua cabeça. — Eu agradeço. — seu olhar afável descansou em mim. E, pela primeira vez, desde que declaramos paz e apaziguando as diferenças de ideias, pude sentir como alguém que ele prezava. — Passei um bom tempo sozinho e... Ter pessoas do meu lado me faz entender melhor sobre confiar. — Então... Fora a Morgana, não tem nenhum outro amigo? Gael ponderou. — Temos várias pessoas próximas, mas nunca estive em contato com alguém fora do meu... Mundo. — ele suspirou pesadamente. — A sensação de normalidade me agrada. — Começamos bem, de inimigos a parceiros. É isso que chamam de começar com o pé esquerdo? — gracejei, fazendo-o rir. — De algum ponto precisávamos começar. — replicou sorrindo. — Quando terminar o treino, para mostrar meu agradecimento, te convido para comer. Com meus dotes de atuação, esfreguei o queixo como se a proposta precisasse ser bem discutida e planejada, mordendo de leve a ponta da unha do polegar. — Estamos pulando muito rápido todas as etapas e partindo logo para um encontro. — brinquei, rindo. — Não precisa fazer isso, mas aceito. — Se é o caso — com um movimento acrobático e uma performance impecável, Gael se pôs de pé, algo que demorei segundos para fazer. — O que acha se eu também te treinasse? — Não vai pegar pesado, não é? — Depende. — sorrio convencido. — Se fosse para ser exercícios leves, não seria um treino real. Uma avalanche invadiu meu estômago. Meu coração se acelerou e se antes suava pelas árduas repetições, agora estava pela ansiedade e a expectativa que vibrou em meu âmago. O calor que vinha dele se transmitia direto pra mim e uma descarga elétrica percorreu minha espinha. — Por mim tudo bem. — Ah, antes que me esqueça... — aproximou os lábios de minha orelha. — Eu vi você me espiando, Eve. Realmente ele me pegou.
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