Meu celular vibra, é o Matteo:
O que aconteceu linda? Quer que eu passe aí?
Eu: Minha mãe tá no hospital, não precisa passar, não to com cabeça.
Ele: Minha mãe sabe disso? Vou aí sim, logo, logo chego aí.
Eu: Pedi pra tia Nádia avisar.
Eu: Você tem algum problema com a palavra não?
Ele: Não estou familiarizado :)
Só ele pra me deixar com vontade de sorrir uma hora dessas. Matteo é filho da tia Lari, nós nunca nos dávamos bem, ele nunca teve absolutamente nada a ver comigo, mas dos 16 anos pra cá. Algo mudou.
Tudo começou quando eu percebi que ele ficou bonito e as meninas estavam dando mole pra ele, eu senti um ciúme medonho e comecei a me interessar. Mas obvio que eu não diria nada, quer dizer, nós nos víamos praticamente todos os domingos.
Na adolescência meu cabelo ficou rebelde demais e eu não gostava daquilo. Vivia querendo alisar, ainda bem que minha mãe não me deixou fazer isso e cuidava dele pra mim.
Só que eu mudei também, e o mesmo aconteceu, só que ele demonstrava o ciúmes dele, o que eu adoro até hoje.
Com o passar do tempo meu cabelo cresceu e pesou, formando cachos lindos, o ruivo passou para castanho avermelhado, que combina perfeitamente com meus olhos verdes. Tenho sardas, que ninguém sabe de onde vem, e sou feliz com a minha aparência,
“Exótica” é como todos dizem que sou, e parei de me importar com isso. Gosto do que vejo. Ponto.
Como eu já disse, com o apoio da minha família, eu aguento qualquer coisa.
Os meninos ficam para arrumar a cozinha e ou para sala ler mais um pouco.
“Ele apareceu na minha casa dois dias depois, com um buque de flores, que por si só foi um baque, pediu desculpas e perguntou se podia conversar comigo.
Achei engraçado que ele precisou de dois dias para absorver tudo que aconteceu. Eu sou do tipo que pensa rápido, impulsiva.
Eu disse que podíamos sim conversar, e conversamos, tanto que o dia virou noite. Nesse dia, Heitor resolveu se abrir comigo.
Me contou que no dia que eu mandei ele calar a boca, alguma coisa despertou dentro dele. Ele pensava que eu fosse sem personalidade e mimada – na verdade para ele, todo mundo é sem personalidade, ele só gosta dos amigos dele.
E que se apaixonou por mim naquele dia, disse inclusive se lembrava da data: 13 de setembro.
Já fiquei emocionada nesse momento, mas ele me contou por que se mudou para cá, e eu não esperava por aquilo:
Seus pais faleceram em um acidente de carro e nada mais restou, além de muita grana. Sim, ele é podre de rico, mas não deixava transparecer.
Disse que sua vida era perfeita antes, que todas as meninas amavam sua pose de bad boy, e na verdade ele só gostava do estilo, e passou a gostar mais quando percebeu que que não precisava falar muito para atraí-las. (Sim, ele tinha consciência de sua beleza).
Disse que depois do acidente, sua vida virou de ponta cabeça. Seus pais eram muito legais, mas sozinhos, não restando família alguma para ele.
Nos identificamos nessa parte, eu também só tenho os meus pais.
'Como a vida é singular', pensei.
Mas ele não aguentava ficar mais um dia se quer na cidade em que seus pais morreram. Não suportava aquela casa, não suportava os vizinhos, os amigos de faculdade e nem nada daquilo.
A pena no olhar.
Aquilo acabava com ele.
Então ele decidiu vir embora. E seus melhores amigos não quiseram deixar ele sozinho. Então encontraram uma faculdade que haveria como todos estudarem e assim vieram parar aqui.”
Campainha.
- Por que eu não consigo ler em paz? – resmungo.
Nem olho quem é, só abro a porta.
Meu estomago revira sempre que coloco os olhos nele.
- Oi linda.
- Oi Matteo.
Abro mais a porta pra ele passar.
Ele deixa o skate ao lado da porta como sempre e me abraça. Seu cheiro é tão bom, seu abraço mais ainda.
Me sinto em casa. Eu sei que parece clichê e eu nunca admitiria isso pra ele, mas é a sensação que ele me causa.
- Eai como você ta? – Pergunta já se jogando no sofá.
- Pareço bem pra você? – Pergunto.
Ele levanta as sobrancelhas com ironia.
- Sim - diz.
É claro que pareço, sou tão boa em esconder minhas emoções que quando demonstro algo, as pessoas nem acreditam.
- Eai Mat – Noah simplesmente ama o meu namorado.
Eles batem as mãos e sorriem um para o outro.
É legal a relação deles, Noah é muito ciumento, tenho sorte de ser mais velha que ele.
- Eai moleque, tudo certo?
- Mais ou menos né cara? Nossa mãe naquela situação.
- Eu sei cara, mas qualquer coisa eu estou aqui pra ajudar.
- Oi Mat – Diz Henry vindo da cozinha.
- Oi Henry, e você como ta?
Henry nem olha pra ele novamente, apenas murmura um “uhum” e continua jogando.
Trocamos um olhar condescendente e ele diz:
- Quer subir?
Faço que sim.
Assim que fecho a porta do meu quarto ele me puxa para um abraço e diz em meu ouvido:
- Eu sei que você não tá bem, você sabe que pode falar comigo.
Eu sei que não foi uma pergunta, mas concordo em um movimento de cabeça mesmo assim.
Aprecio minha liberdade e nunca quis um relacionamento. Odeio, repito, eu odeio, me sentir pressionada ou sem saída.
E do jeito que fazemos, dá certo pra mim.
Sem rótulos, sem sentimentalismo. O amor está ali, eu sei que sim. São dois anos nessa. Matteo me conhece perfeitamente e nunca me pressiona, não me pede explicações e nem tem crises de ciúmes. Se ele quiser saber, ele apenas pergunta. Eu faço o mesmo.
Ele confia em mim, eu confio nele. Quando isso acabar, nós dois acabamos também.
Eu sei que ele nutre uma devoção por mim, e o sentimento é mútuo, mas não temos necessidade de ficar fazendo declarações de amor.
E eu acho isso sensacional.
Ficamos deitado na minha cama, abraçados, ele estava sussurrando palavras reconfortantes em meu ouvido, até que tia Lari ligou, e ele saiu para atender.
Tenho certeza de que ele saiu porque teve medo de que fosse alguma notícia sobre a minha mãe. Ele sempre atende ao meu lado.
- Minha mãe disse pra eu dormir aqui com vocês, tudo bem por você? – Diz, voltando pro quarto.
- Sim, vou ligar pro meu pai pra ver se tenho notícias, vamos descer para ficar com os meninos?
- Claro.
Noah está jogado no sofá com fones de ouvido enquanto joga no celular e vê algum vídeo no notebook, e Henry está jogando videogame.
Puxo o fone do Noah.
- Vou ligar pro papai e depois vou pedir alguma coisa pra comer, vocês têm alguma ideia?
- Açaí – Noah.
- Pizza – Henry.
Olho pro Matteo que levanta os braços em sinal de rendição.
- Já venho para decidirmos.
Disco o número do meu pai e ele atende no primeiro toque.
- Oi florzinha, eu já ia ligar para você.
- Oi pai, tudo bem?
- Não filha, sua mãe piorou, e não existe nenhuma chance de eu deixar ela sozinha, liga pro Matteo dormir aí com vocês...
- Ele veio pra cá mais cedo.
- Que bom, vocês podem trazer uma muda de roupa pra mim?
- Vou levar – já estou começando a chorar, uma sensação h******l me invade – devo levar os meninos?
- Melhor eles não verem a Louisa assim, quando ela melhorar você traz eles.
- Tá.
- Obrigada florzinha, papai te ama.
- Tchau pai, também te amo.
Peço pizza e açaí para todo mundo, pego uma muda de roupas pro meu pai e vou pro hospital, vou sozinha, mesmo querendo Matteo ao meu lado, eu não quis deixar os meninos sozinhos.
Geralmente ficam, são grandinhos, mas algo me disse para vir sozinha.
Entro no quarto e percebo que todo mundo já deve ter passado por aqui, há flores por todo lado e cartões.
Mas meus pais não estão aqui.
Saio do quarto e ando pelos corredores. Até que vejo meu pai sentado no chão, com a cabeça entre as mãos.
Mas não está chorando, o que deve ser um bom sinal.
Mas tem um banco do lado dele, por que não se sentou lá?
Meu coração dispara.
- Pai? O que aconteceu?
Eu pergunto e pergunto, mas ele não me diz o que está acontecendo.
Pensei que ele não estivesse chorando, mas ele está, lágrimas silenciosas descem por suas bochechas, e ele se recusa a dizer uma palavra.
Começo a chacoalhar ele em certo momento, mas ele não reage. Grito com ele, imploro para que fale comigo, mas ele não reage.
- Eu preciso do meu pai c*****o!
Dr. Michael aparece e me tira de cima dele, eu sei que estou completamente descontrolada. Mas nesse momento, eu não ligo.
Como eu disse.
Odeio ser atingida por múltiplas emoções, preciso absorver cada uma com calma. E talvez esse seja meu maior defeito.
E não consigo raciocinar direito, ainda menos quando o Dr. Michael olha dentro dos meus olhos e diz:
- Ela não resistiu.
Essa frase me faz sair do estado de estupor em que me encontro.
- O que?
- Sinto muito querida. O acidente causou muitos danos internos.
- A minha mãe morreu?
Ele assente uma vez com a cabeça.
- Sinto muito – repete.
Pisco uma vez.
E fico calma. Estranhamente calma.
A calmaria antes do furacão de emoções que irão me atingir mais tarde.
Eu sei disso.
Respiro fundo.
Olho para ao meu pai. Parece que meu cérebro está trabalhando em câmera lenta.
Me ajoelho a sua frente.
- Pai? – Tento mais uma vez.
Ele não reage de novo.
Se minha paciência fosse contada nos dedos, ela toda, se equivaleria ao mindinho.