Amor da Vida Dele

1687 Words
Noah está nervoso, posso ver em seu semblante, Henry está no celular como sempre, esse garoto está sempre alheio as coisas a sua volta, vai nadando conforme a maré. Não sei se tenho inveja ou me preocupo. Paro o carro em uma vaga qualquer e entramos, quando chegamos digo para a Recepcionista: - Oi, viemos ver Louisa Ferri. - Vocês são filhos dela? – Pergunta. - Sim – diz Noah. A Recepcionista assume um olhar de dó que me faz querer afundar no chão. - Um momento – diz, e faz um telefonema. Noah começa a andar pra lá e pra cá, Henry se senta para esperar. Continuo no balcão. A Recepcionista desliga e diz: - Vocês podem entrar, só deixem o nome dos três por gentileza. - Cecilia, Noah e Henry Ferri – digo. Ela se inclina e diz baixinho: - O menor tem menos de 16? Faço que sim. Ela comprime os lábios e diz: - Vou deixar ele passar devido ao estado da mãe de vocês, se alguém perguntar, digam que tem 16. Meus olhos enchem de lágrimas. Faço que sim, em seguida respiro fundo e mantenho uma expressão neutra. Viro para os meninos e digo: - Vamos. Nós entramos no corredor, e aquele cheiro h******l de hospital invade meus sentidos, me deixando automaticamente nauseada. Quando bato os olhos em meu pai sentado no chão com a cabeça entre as mãos, minhas pernas bambeiam, não, não pode ser que o pior tenha acontecido. Noah imediatamente corre em direção a ele e o abraça, os dois são extremamente conectados um ao outro, Henry agarra minha mão, com muita força. Como se ele realmente precisasse de força para o que está por vir. Todos precisamos. Meu pai está um caco, não foi capaz de pronunciar duas palavras para me dizer o que está acontecendo. Ele quer me surtar? Eu sou extremamente ansiosa. Dou um último abraço nele – sinto seu corpo tremer enquanto chora. Desolado. Depois de alguns segundos me levanto e olho para os lados. Preciso falar com um médico, não aguento mais essa agonia, limpo as lágrimas e vou andando pelo corredor, até que vejo uma enfermeira. - Bom dia, queria saber sobre Louisa Ferri. - A do atropelamento? Meu coração que já estava descompassado, dispara mais, parece que estou sufocando. Mas disfarço o choque e digo: - Não sei o que aconteceu, ela é minha mãe. Seus olhos se enchem de compaixão e ela aponta para uma cadeira: - Sente-se ali por um momento, vou chamar um médico para falar com você. Alguns minutos depois ela volta. - Seu nome é Cecilia? Faço que sim. - O restante de sua família está aqui? Repito o movimento. - Chame eles por favor, vou te esperar aqui. Me arrasto pelo corredor até três das quatro pessoas que mais amo no mundo, meus irmãos estão um de cada lado do meu pai no chão, que parece alheio a presença deles. Ele ainda não parou de chorar, Noah está com um braço envolta dele e vejo o medo em seus olhos. Henry está com os olhos arregalados olhando para a parede, assim que me vê, seus olhos se enchem de lágrimas, ele se levanta, e agarra meu braço novamente. Engulo a bola que está se formando em minha garganta. - Pai – digo, mas ele não levanta a cabeça. Tento de novo: - Pai, o médico quer falar com a gente – ele não reage, parece que nem está me ouvindo – é sobre a mamãe. Isso causa uma reação nele, ele abre os olhos e se levanta em um pulo. Vamos até onde estava a enfermeira e ela nos leva até a sala de um médico. Meu pai está acabado, eu nunca havia visto ele chorar até hoje, e não estou me sentindo bem com isso. Ele é nossa fortaleza, sempre passa a segurança de que precisamos. Nós sempre recorremos a ele e sempre podemos contar com ele. Hoje me vejo sem norte, mas, vou me esforçar para ser o dele nesse momento de dor. - Bom dia, eu sou o Dr. Michael, e estou cuidando da senhora Louisa, vocês são a família dela, certo? Meu pai permanece em silencio, então eu digo: - Somos sim. - Espero que entendam a delicadeza da situação. Faço que não com a cabeça, sem desgrudar meus olhos do médico. - O atropelamento causou danos cerebrais – ele olha para Henry que está grudado ao meu corpo, e para o meu pai que está com a cabeça entre as mãos chorando silenciosamente. Seu olhar se encontra com o meu entramos em um entendimento silencioso. Depois. Depois falamos sobre aspectos clínicos. - A mãe de vocês está consciente, hã... nesse momento – meu pai levanta a cabeça e diz com a voz rouca: - Posso vê-la? - Sim, todos vocês devem ir vê-la, e devo avisar que a situação não é boa. Assinto, meu pai já está de pé. Meus olhos estão queimando, e meu estomago deu um nó tão grande que estou me sentindo m*l, vejo que Henry está mais assustado e passo o braço por cima de seus ombros, ele rapidamente se aninha em mim. Ele é o mais grudado com a minha mãe. Papai vai à frente com Noah, quando a enfermeira abre a porta do quarto, os ombros do meu pai – que já estavam caídos, despencam, e ele corre em direção a cama. - Lou, aí minha Lou o que fizeram com você? – e desata a chorar. Só que dessa vez seu choro é de dor, sofrido. Entro no quarto para ver melhor, mas a cena que presencio me faz querer voltar atrás. O rosto de minha mãe está todo roxo e inchado, o corpo está escondido pelo lençol, mas o braço em que a medicação está sendo aplicada, está de fora, também cheio de hematomas. E curativos. Deus, o que aconteceu com ela? O que me faz querer chorar igual ao meu pai. Olho para Henry e vejo seus lindos olhos cheios de lágrimas, e o viro para mim, nos abraçamos com força. Sinto seu corpo tremer e sei que está chorando. Também derramo algumas lágrimas. Mas meus irmãos já estão assustados o suficiente, não posso dar vazão ao meu sofrimento na frente deles, como meu pai está fazendo. Costumo ser uma pessoa muito confiante, minha mãe me ensinou assim, nunca liguei para a opinião de ninguém que não fosse da minha família. E só o amor e dedicação que vem deles, é o suficiente, não preciso nem de amigos. Embora tenha os melhores do mundo. Não consigo encontrar essa confiança dentro de mim. Pela aparência de minha mãe, a expressão dos médicos e a forma como respira, sei que a situação não é boa. Papai pega sua mão e planta um beijo mais do que gentil, quase reverente, m*l encostando os lábios em sua pele. Sei que ela significa o mundo para ele, os dois significam o mundo para nós, e parece que nesse momento, nosso mundo está prestes a ruir. Minha mãe abre os olhos lentamente, e levo um susto. Ela é a única que tem olhos castanhos entre nós, cheios de vida. E as vezes me pego invejando isso. Ela é tão única. Tem os cabelos louros e enrolados mais lindos que já vi, perfeitamente definidos e descem em cascata até sua cintura. Os meus também são assim, mas não se comparam aos dela. Quando chove, parece uma juba, e meu pai canta a música “Leãozinho” do Caetano Veloso pra ela. Eu sou brava feito um leão, mas minha mãe é a pessoa mais doce, bondosa e generosa que já pisou nesse mundo, seu sorriso é capaz de iluminar um cômodo inteiro. Talvez o mundo inteiro. Mas agora seus olhos estão sem vida, sua expressão é de cansaço total, seus cabelos, a selvageria em meio aqueles traços finos e meigos, estão agora abertos e embaraçados. A pessoa em minha frente não se parece com a minha mãe, eu nunca a havia visto dessa forma. Meus avós morreram quando Henry tinha dois anos, eles eram a única família de mamãe, e mesmo assim, não lembro de ela estar tão acabada como agora. E isso está me destruindo por dentro. Me aproximo para apertar sua mão livre, meu pai não se move. Respeito o momento dele e dou a volta na cama. Dou um beijinho em sua testa e inspiro seu cheiro. Lírio, ela sempre teve cheiro de lírio, que coincidentemente é sua flor favorita. Me afasto e ela fixa o olhar em meus olhos. - Chega mais perto – sussurra. Meu coração fica apertado, eu odeio quando tantas emoções me atingem dessa forma. Coloco o rosto perto do seu, e ela sussurra em meu ouvido: - Estou muito feliz pela mulher que você está se tornando. Eu sei o que ela quis dizer. Ou acho que sei, acho que ela viu o sofrimento em meus olhos e percebeu que estou guardando a emoção. Fico mais um momento ali e me afasto. - Henry, vem aqui dar um beijo na mamãe. Ele sai do pé da cama e vem lentamente em direção a ela, mais uma vez parece que meu coração vai parar. - Com cuidado – digo para ele. Ele dá um beijinho na bochecha dela, e mamãe abre um sorriso mínimo, parece que estamos nos despedindo dela. - Noah? Olho para ele que assente, e vem para o nosso lado, ele empurra nosso irmão para se aproximar da mamãe, Henry vira pronto para brigar, mas intervenho silenciosamente. Os olhos de Henry que antes estavam cheios de dor, estão fervendo de raiva. - Calma – digo em seu ouvido. Eles não param de brigar nem em momentos como esse. Meu pai ainda está segurando a mão de minha mãe, e agora abaixou a cabeça e colocou o rosto em sua mão, parece estar alheio a nossa presença. Ele sempre é amoroso com a gente, mas o amor da vida dele sempre vai ser Louisa Ferri. Que agora se agarra a mão dele como se fosse o que a mantém viva.
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