capítulo5

1766 Words
Eu me encontrava no fundo de uma cela fria e solitária, o som distante das correntes ecoando pelo corredor do presídio. Havia acabado de ser algemada, a sensação do metal frio apertando meus pulsos ainda me fazia estremecer. A noite já estava avançada, e a penumbra do lugar parecia intensificar cada batida do meu coração, repleto de angústia e medo. Lembro-me nitidamente de cada instante. Ainda havia a esperança, tênue e quase ilusória, de que tudo terminaria logo – o advogado havia me assegurado que, na pior das hipóteses, eu sairia naquela noite ou, no máximo, ficaria ali por um ano. Eu acreditava no que Marcus me dizia, na promessa de que nosso amor era maior que qualquer obstáculo. Mas nada poderia preparar-me para o que estava prestes a acontecer. Sentada no frio do chão de concreto, tentei me acomodar no colchão estreito e puído que dividia o espaço com outras detentas. O tempo parecia congelado, cada minuto se estendendo em uma eternidade de silêncio e solidão. Enquanto lágrimas silenciosas escorriam pelo meu rosto, o som repentino de uma porta se abrindo quebrou a monotonia do desespero. Num instante, a escuridão se encheu de sombras humanas. Cinco mulheres robustas e com olhares duros invadiram minha cela. Seus rostos estavam marcados por cicatrizes e uma expressão implacável que anunciava que ali não havia lugar para fraquezas. O cheiro de suor e de um desodorante barato se misturava com o ar úmido e frio do ambiente. Eu tentei me erguer, ainda atordoada pelo impacto do meu próprio medo, mas meus membros pareciam pesados demais para obedecer. — Quem é você? – gritou uma delas, a voz áspera ressoando na pequena sala, enquanto se aproximava de mim com passos firmes. O pavor se instalou em meu peito, mas antes que eu pudesse responder, outra mulher se adiantou e, sem qualquer aviso, desferiu um golpe no meu rosto. O impacto foi brutal, e senti a força do soco como se mil martelos tivessem se abatido sobre mim. A dor era intensa, uma explosão que percorreu todo o meu corpo. Meu rosto ardia, e os sentidos começaram a se embotar. Lembro-me de ter tentado, com todas as forças, me defender, mas era inútil. Cada golpe, cada chute que descia sobre mim parecia ter a precisão de um relógio, calculado para destruir toda a minha resistência. As agressoras não hesitavam; seus rostos impenetráveis demonstravam uma determinação c***l. Enquanto a violência se instaurava, eu não conseguia entender o porquê daquele ataque. Minhas pernas cederam e caí ao chão, a cabeça girando de tanto sofrimento. Os sons do ambiente – o estalo dos punhos contra a carne, o som abafado de gritos e o barulho surdo de impacto – formavam um turbilhão que me arrastava para uma escuridão cada vez mais profunda. O tempo perdeu qualquer sentido enquanto eu era espancada sem piedade. Senti o gosto do sangue na boca, o cheiro de medo e a fria sensação de desamparo. Cada golpe era uma lembrança c***l de que eu estava sozinha, abandonada num lugar onde ninguém se importava com a minha dor. A cada instante, a minha consciência se desvanecia um pouco mais, até que, por fim, tudo se tornou um vácuo insuportável. Em meio à tormenta de violência, perdi completamente a consciência. A última coisa que ouvi foram os gritos, uma cacofonia desesperada e distorcida, que se misturava ao som dos golpes. Por um tempo que me pareceu uma eternidade, fui envolvida por um silêncio sepulcral, a mente mergulhada na escuridão de um sonho febril onde a dor era constante e a esperança, inexistente. Quando acordei, não sabia quanto tempo havia passado. A luz fraca que penetrava pela pequena janela da cela era o único sinal de que o mundo ainda existia. Minha cabeça latejava de dor, e o corpo reclamava em protesto: uma costela quebrada fazia cada respiração um martírio, um olho roxo denunciava a brutalidade dos golpes, e meu lábio cortado não parava de sangrar. O ambiente ao meu redor estava em silêncio, exceto pelo som abafado do meu próprio choro e pelo ritmo irregular do meu coração. Fui rapidamente levada, com a pouca mobilidade que me restava, por seguranças que não demonstravam qualquer compaixão. Cada passo era um lembrete doloroso da brutalidade que eu acabara de sofrer. Chegamos à sala de recepção, onde me esperava Sandra, a dona da cadeia. Seu olhar frio e calculista varria o ambiente, como se ela estivesse avaliando minha utilidade naquele lugar de sombras e violência. Sentada em uma cadeira de couro desgastado, Sandra fitou-me com uma expressão que misturava curiosidade e desdém. A sala era simples, decorada com poucos móveis que pareciam ter sido escolhidos mais para impor ordem do que para acolher os condenados. — Meg, conte-me por que você foi presa e, principalmente, como sua prisão pode ser útil para mim – perguntou Sandra, sua voz firme cortando o silêncio pesado da sala. Ainda com a respiração difícil e os sentidos atordoados, engoli a dor e reuni forças para responder. — Fui presa por desvio de dinheiro. Eu era contadora, e eu mesma assinei os documentos que desviaram os recursos – disse, a voz embargada e trêmula. Sandra soltou uma risada curta, quase zombeteira, que ecoou pela sala, provocando uma sensação de humilhação profunda. — Ah, Meg, você realmente acha que isso importa aqui? Deixe-me te explicar: nesta cadeia, só existem duas maneiras de garantir proteção. Ou se tem um caso com a detenta mais forte, ou trabalha para mim. E, sinceramente, não preciso de uma contadora – disse ela, inclinando-se para mais perto, os olhos brilhando de malícia. Senti meu corpo tremer, não apenas pela dor física, mas pelo peso da minha situação. A brutalidade daquela noite havia me transformado, mas, apesar de tudo, eu ainda mantinha um resquício de orgulho e esperança. Respirei fundo, tentando encontrar a coragem que ainda residia em mim, mesmo que diluída pela violência recente. — Sandra, eu posso ajudar – comecei, com a voz mais firme, apesar do tremor. — Eu posso gerir os seus negócios lá fora. Posso limpar o dinheiro, organizar tudo para que, quando você sair daqui, tenha um empreendimento impecável. Houve um silêncio breve, onde cada segundo parecia se arrastar infinitamente. Por fim, Sandra deu uma risada, dessa vez mais sincera e inesperada. — Você tem um ponto, Meg. Lembra do Al Capone? Foi o imposto de renda que o derrubou, não os seus crimes violentos – disse ela, a ironia perceptível em sua fala. Sorri, apesar de tudo, mesmo que de forma amarga, tentando demonstrar que, de alguma forma, eu ainda tinha controle sobre a situação. — Exatamente. Se você me contratar, podemos transformar esse caos em algo valioso. Você terá um negócio limpo e lucrativo, sem manchar seu nome – completei, convencida de que essa era a única saída para minha sobrevivência. Sandra analisou meu rosto, avaliando cada marca de dor e cada lágrima que ainda insistia em escorrer. Finalmente, ela assentiu lentamente, como se já tivesse tomado uma decisão há muito tempo. — Muito bem, Meg. Você vai trabalhar para mim – disse ela, sua voz carregada de uma autoridade que não admitia discussões. E assim, naquele ambiente onde o desespero e a violência se entrelaçavam, um novo capítulo começou a se desenhar em minha vida. Ainda com as marcas da brutalidade daquela primeira noite – a costela quebrada, o olho roxo, o lábio sangrando – eu me via diante de uma oportunidade inesperada. Uma chance de, de alguma forma, reescrever meu destino, mesmo que dentro dos muros frios daquela prisão. Enquanto os seguranças me conduziam para um setor isolado, onde passaria as próximas horas recuperando um pouco da consciência, minha mente oscilava entre a dor insuportável e a esperança tênue que Sandra representava. Eu sabia que o caminho seria árduo, que cada dia ali seria uma batalha constante contra a dor e a humilhação. Mas, de alguma forma, a promessa de ajudar Sandra a organizar seus negócios fora dali me fazia sentir que ainda havia algo pelo que lutar. No silêncio sombrio da cela, o som dos meus próprios pensamentos misturava-se ao ruído distante de passos e vozes. Cada batida do meu coração era um lembrete da brutalidade que eu havia sofrido, mas também uma declaração de que, apesar de tudo, eu ainda estava viva. E, mesmo que o desespero tentasse me consumir, a perspectiva de transformar minha dor em algo útil – de limpar não apenas o dinheiro, mas o meu próprio nome – acendia uma pequena chama de determinação em meu interior. Durante os dias seguintes, o atendimento de Sandra se tornou parte da minha rotina. Eu me dedicava com afinco a organizar os documentos, revisar contas e estabelecer um sistema que pudesse ser um alicerce para um futuro melhor. As noites, contudo, eram as mais difíceis. Sozinha em minha cela, os ecos daquela primeira noite de violência ainda reverberavam, lembrando-me incessantemente do quão frágil era a linha que separava a vida da morte. Cada soco, cada chacoalhada do corpo, era um lembrete doloroso da brutalidade que eu havia enfrentado. Mesmo assim, eu me agarrava à promessa de Sandra e ao amor que, mesmo que distante, ainda vinha na lembrança de Marcus. Em cada documento revisado, em cada número equilibrado, eu encontrava um fio de esperança. A ideia de um futuro onde eu poderia, de alguma forma, transformar aquela experiência em uma ferramenta para recomeçar, me fazia suportar o sofrimento. Havia momentos em que a solidão era tão esmagadora que eu sentia vontade de desistir. Mas então, recordava as palavras de Marcus, aquele sorriso sereno que ele me dera antes de tudo desmoronar – a lembrança de que ele sempre estaria ao meu lado, mesmo que apenas em pensamento. Essa lembrança era o que me impelia a seguir em frente, mesmo nos dias mais sombrios. Naquele universo sombrio de grades e paredes frias, eu encontrava pequenas luzes de redenção. Sandra, com sua postura implacável, transformara o que poderia ter sido apenas mais uma vida perdida na prisão em uma oportunidade. Eu sabia que o caminho seria repleto de obstáculos, que a violência e o desprezo poderiam voltar a se manifestar a qualquer instante. Mas, de alguma forma, eu estava determinada a não permitir que aquela noite me definisse para sempre. Enquanto trabalhava para Sandra, revisando números e organizando planilhas, minha mente vagava para o que fora a minha primeira noite ali – uma noite de dor intensa, de gritos e de desespero. A memória daqueles golpes me assombrava, mas também me ensinava que a resiliência humana era capaz de florescer mesmo nos lugares mais inóspitos.
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