Prólogo

960 Words
Prologo Minha vida até os cinco anos parecia coisa de conto de fadas. Eu me lembro de acordar com o cheiro do café que minha mãe fazia, dela me pegando no colo e cantando baixinho enquanto trançava meu cabelo. Eu não entendia nada do mundo, só sabia que tinha um lugar seguro no colo dela, e isso bastava. A casa podia tá caindo, o céu podia tá cinza, mas ela sempre arrumava um jeito de colorir meus dias. Era riso, era abraço, era amor. Era tudo. Até que, num dia qualquer, tudo desabou. Minha mãe passou m*l no trabalho, e… morreu. Assim. Do nada. Sem doença, sem explicação. Doeu tanto que até hoje sinto como se tivessem arrancado meu coração à força. Porque naquele dia não morreu só minha mãe. Morreu a parte mais bonita de mim, a parte que acreditava que o mundo podia ser justo. Eu tinha só cinco anos, e aprendi cedo que felicidade é coisa frágil. Dois anos depois, meu pai, Rogério, se casou de novo. Eu ainda era pequena, mas já entendia que Rosângela não vinha pra somar. No começo, ela até fingia ser boazinha, me tratava bem na frente dos outros, mas logo tirou a máscara. Se mostrou o que realmente era: uma víbora. Fez da minha vida um inferno. Enquanto minhas amigas brincavam na rua, eu aprendia a me virar dentro do meu quarto. Enquanto outras crianças tinham colo, eu ganhava desprezo. Rogério, que devia me proteger, começou a me tratar não como filha, mas como um peso, uma intrusa. Às vezes, pior: como se eu fosse uma empregada dentro da minha própria casa. Eu cresci ouvindo que eu era nada. Que eu não servia pra nada. E, de tanto ouvir, quase acreditei. Quinze anos se passaram nessa tortura. Quinze anos de dor, de humilhação, de lágrima engolida. Mas hoje… hoje eu tava voltando naquela casa só pra pegar minhas coisas e ir embora. Ia finalmente ter minha liberdade. Ia me livrar daquele buraco que chamavam de lar. Mal sabia eu que, naquele dia, eu não tava fugindo do inferno. Eu tava caminhando com minhas próprias pernas direto pros braços do próprio demônio. Quando abri a porta da sala, senti logo o clima estranho. Rogério e Rosângela tavam sentados no sofá, duros, sérios demais. E não estavam sozinhos. Na frente deles, um homem m*l-encarado, de olhar frio, cercado por mais três caras que pareciam não ter alma. Meu coração disparou. — Aí está ela… Lisandra. — A voz do Rogério ecoou pela sala. Franzi a testa. — O que tá acontecendo aqui? Rosângela cruzou as pernas devagar, aquele sorriso falso nos lábios. — Sobe pro quarto, Lisandra. Arruma tuas coisas. Você vai embora com o Caveira. Olhei em volta, confusa. — Caveira? Quem é Caveira? E eu não vou a lugar nenhum, não. O homem sentado no sofá se levantou devagar, impondo uma presença que gelou meu sangue. Alto, ombros largos, tatuagens subindo pelo pescoço, o olhar sombrio de quem não conhece piedade. Ele caminhou até mim como se fosse dono do espaço, dono do ar, dono de mim. — Eu sou o Caveira. — A voz dele saiu grave, rouca, carregada de autoridade. — E agora… eu sou o teu dono. Minha boca abriu num riso nervoso. — Dono? Tu só pode tá fumando merda estragada. Eu não vou a lugar nenhum contigo, não. Ele parou na minha frente, tão perto que senti o calor do corpo dele invadindo o meu espaço. Segurou meu queixo com força, me obrigando a olhar dentro daqueles olhos escuros. Meu corpo inteiro arrepiou, mas não era só de medo. Tinha algo estranho naquela energia dele. Algo que puxava, mesmo enquanto eu odiava. — Não gosto dessa tua língua afiada. — Ele murmurou, roçando o polegar nos meus lábios. — É melhor você aprender a se comportar. Como eu disse, agora você é minha. Me soltei com força, cuspi no chão perto dele. — Vai se f***r, o****o. Eu não sou de ninguém. Um dos homens atrás dele riu baixo, mas parou quando Caveira lançou um olhar fulminante. Ele voltou a me encarar, ainda mais sombrio. — Teu papai… — ele falou devagar, saboreando cada palavra — …me vendeu você pra quitar a dívida dele. Mais de cem mil. Ou eu saio daqui com você, ou com o dinheiro. Ou então… todo mundo nessa casa morre. O chão sumiu dos meus pés. Olhei pro Rogério, esperando que ele desmentisse, que dissesse que era mentira. Mas ele não desviou o olhar. Não disse nada. — Não… — balancei a cabeça, recuando. — Isso não pode ser real… — É mais real do que você pensa. — Rosângela sorriu satisfeita. — Vai, Lisandra. Faz suas malas. — Eu não vou a lugar nenhum! — gritei, tentando correr até a porta. Antes que eu alcançasse a maçaneta, Caveira foi mais rápido. Me puxou pelo braço, me jogando contra o peito dele. O impacto me deixou sem ar. Senti o cheiro forte de couro, cigarro e perigo. Ele me segurou firme, como se já soubesse que meu corpo era dele, mesmo contra a minha vontade. — Você não entendeu ainda? — o tom dele era baixo, ameaçador. — Não tem escolha. — Me solta! — gritei, me debatendo. — Eu não vou com você, p***a! De repente, senti um pano sendo pressionado contra meu rosto. O cheiro químico invadiu minhas narinas, queimando, me deixando tonta. Eu ainda tentei lutar, bater, mas as minhas forças foram sumindo. A última coisa que vi foram os olhos do Caveira me observando de cima, com um brilho perverso, quase possessivo. — Dorme, princesa. — Ele sussurrou perto do meu ouvido. — A partir de agora… teu inferno só tá começando. E então, tudo ficou escuro.
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