Capítulo 2

1944 Words
Lisandra narrando Acordei de novo no mesmo quarto escuro. A lâmpada fraca balançava no teto, rangendo como se fosse cair a qualquer momento. O cheiro de cigarro ainda impregnava o ar, e minhas mãos doíam de tanto tentar me soltar das cordas. O meu coração batia rápido, tão forte que parecia que ia rasgar meu peito. Eu não tava sonhando. Eu não tava em casa. Não tava no meu quarto. Tava presa… sequestrada. E aquele homem Caveira tinha dito que eu era dele. O desespero subiu como fogo, a minha garganta queimava de tanto segurar o choro. Eu não aguentei mais. — SOCORRO! — gritei o mais alto que pude, a minha voz ecoando nas paredes. — ALGUÉM ME AJUDA! PELO AMOR DE DEUS! A esperança, mesmo mínima, fez meu coração disparar ainda mais. Talvez alguém me ouvisse, alguém viesse. Eu continuei gritando até minha garganta arranhar. — ME SOLTA! EU NÃO PERTENÇO A ESTE LUGAR! SOCORRO! As lágrimas escorriam quentes pelo meu rosto. O som do meu próprio grito me dava um fio de força, mas logo o som de passos pesados no corredor fez meu sangue gelar. A porta se abriu devagar, rangendo. A figura dele apareceu, ocupando a entrada. Ombros largos, arma na cintura, o olhar frio como gelo. Caveira. Ele entrou sem pressa, fechou a porta atrás de si. O silêncio tomou conta, só quebrado pela minha respiração ofegante. — Continua gritando, princesa… — a voz dele era baixa, carregada de deboche. — Ou tu pode se calar e tentar dormir. Eu tremi, mas não parei. — Você não pode fazer isso comigo! Alguém vai me ouvir! Alguém vai vir! Ele riu, uma risada seca que fez meu estômago embrulhar. — Pode gritar até perder a voz. Se tu quiser, arruma uma dor de garganta. — Ele se aproximou, os passos firmes ecoando no chão. — Mesmo que alguém escute… ninguém vai vir. As palavras dele caíram pesadas, sufocando qualquer esperança dentro de mim. — Sabe por quê? — ele continuou, se inclinando até ficar perto do meu rosto. O cheiro de cigarro misturado com whisky me envolveu. — Porque aqui eu sou a lei. Meu corpo inteiro estremeceu. Ele não precisou gritar, nem levantar a mão. Só aquelas palavras já me esmagavam. Eu engoli seco, as lágrimas escorrendo sem parar. — Por favor… — minha voz saiu baixa, rouca. — Eu só quero ir pra casa… Ele levantou meu queixo com os dedos, me obrigando a olhar nos olhos dele. Aquele olhar me queimava, frio e sem piedade. — Tua casa é aqui agora. E quanto mais cedo tu aceitar isso… menos vai doer. Balancei a cabeça, desesperada. — Nunca… eu nunca vou aceitar isso… Um sorriso de canto se formou nos lábios dele, como se minha resistência fosse só diversão. — Então vai aprender do jeito mais difícil. Ele me soltou de repente e se afastou, caminhando até a porta. Meu coração gritava junto comigo, pedindo uma saída que não existia. Antes de sair, ele olhou por cima do ombro, a sombra dele cobrindo quase todo o quarto. — Dorme, princesa. Aproveita enquanto eu deixo. Porque amanhã… pode ser pior. A porta bateu, e eu fiquei sozinha outra vez. O silêncio voltou, mas agora mais pesado que antes. Me encolhi na cama, chorando até a vista ficar turva. Eu queria acreditar que alguém ia aparecer, que alguém ia me salvar. Mas a voz dele ecoava dentro da minha cabeça, repetindo a mesma frase como uma sentença: — “Aqui eu sou a lei.” E naquele momento, eu entendi o verdadeiro inferno que tava só começando. Acordei com a luz atravessando uma fresta minúscula na janela. Por um segundo, meu corpo acreditou que tudo tinha sido apenas um pesadelo. Que eu estava na minha cama, com o cheiro do café de manhã vindo da cozinha, o barulho da rua entrando pela janela…, mas bastou eu tentar me mexer pra realidade me esmagar de novo. O coração bateu mais forte. Eu respirei fundo, mas o ar parecia não entrar direito. O desespero vinha em ondas, e eu tentava empurrar ele pra longe, tentando me convencer de que precisava manter a calma, de que precisava encontrar alguma saída. Os gritos da noite passada ainda queimavam na minha garganta. Eu ainda sentia a voz falhando, o eco dos meus pedidos de socorro preenchendo o vazio e voltando só pra me lembrar do quanto era inútil. Ele tinha razão… ninguém ia ouvir. Ninguém ia me salvar. O barulho da porta rangendo me fez gelar. Minha pele inteira se arrepiou. E então ele apareceu. Caveira parado no batente, me olhando como se fosse dono até do ar que eu respirava. Nas mãos, uma bandeja de metal com algo que parecia comida. — Bom dia, princesa — a voz dele veio grave, carregada de um deboche que me fez querer sumir dali na hora. — Dormiu bem? Eu não respondi. Nem consegui. Minha garganta travou, e eu só conseguia encarar a bandeja, tentando não olhar nos olhos dele. Ele riu baixo, como se estivesse me lendo por dentro. Caminhou até mim devagar, cada passo ecoando, até colocar a bandeja numa mesinha, perto da cama onde eu estava deitada. — Comida. Vai precisar se manter forte. Não quero você desmaiando por aí. Meu estômago se revirou. Parte de mim estava faminta, outra parte queria cuspir no rosto dele e mostrar que não ia ceder. Mas eu sabia… ele estava jogando. Alimentando meu corpo pra enfraquecer minha mente depois. — Eu não quero — forcei minha voz a sair, rouca, baixa. Ele se agachou na minha frente, tão perto que eu podia sentir o cheiro dele. Olhos fixos nos meus, como lâminas atravessando minha pele. — Você não quer? — repetiu, inclinando a cabeça. — Lisandra, você ainda não entendeu, né? Aqui não importa o que você quer. Aqui importa o que eu digo. O ar escapou dos meus pulmões. Eu tentei sustentar o seu olhar, mas era impossível. Aqueles olhos eram uma prisão pior do que as cordas. — Abre. Balancei a cabeça em negação, o meu coração disparado. — Vai ficar de frescura? — ele riu de novo, mas não tinha humor nenhum naquele som. — Eu posso ser paciente… ou não. Fiquei imóvel, sem saber o que fazer. O silêncio entre nós pesava tanto que parecia que as paredes iam desabar. Por um instante, cogitei abrir a boca, aceitar, me render. Mas ao mesmo tempo, algo dentro de mim gritava pra não ceder. Ele então suspirou, colocou a colher de volta na bandeja e se levantou. — Você ainda tem fogo dentro de você. Eu gosto disso. — A voz dele ficou mais baixa, mais fria. — Mas lembra do que eu disse ontem: aqui, eu sou a lei. Quanto mais cedo aceitar isso, menos vai sofrer. Eu fiquei olhando a bandeja, a comida intacta, sentindo o peso das palavras dele caindo sobre mim como uma sentença. O medo me apertava o peito, mas debaixo dele tinha uma centelha de resistência. Eu não queria dar pra ele a vitória de me ver quebrada. Mesmo que fosse só por dentro, eu ainda me agarrava a isso. Ele caminhou até a porta, a sombra dele se alongando pelo chão. Antes de sair, se virou, aquele sorriso sombrio ainda no rosto. — Então não quer comer? Talvez passar o dia de fome. Hoje… abra seu apetite. A porta bateu, e eu fiquei sozinha de novo. O silêncio agora era ensurdecedor. Meus pulsos já estavam queimando das cordas. Tentei me soltar tantas vezes que a pele já tava roxa, a carne latejando. Os tornozelos doíam igual, cada movimento parecia só me lembrar que eu era prisioneira dentro desse pesadelo. O quarto era pequeno, abafado, e cheirava a mofo misturado com ferro. O ferro do sangue que eu mesma já tinha deixado escapar tentando me livrar. O cheiro da comida era forte e provocador. Meu estômago se contorcia, gritando, me lembrando da minha fraqueza. Era c***l, ele sabia disso. Ele queria me ver implorar, queria ver o momento em que eu quebrasse. Eu mordia o lábio até sentir gosto de sangue, tentando me manter firme, mas a fome não é algo que dá pra calar. E a única coisa que eu conseguia pensar era: quanto tempo eu vou aguentar antes de quebrar de verdade? Eu só conseguia pensar: quanto tempo eu vou aguentar antes de ceder? Antes de entregar minha boca pro pedido que ele queria ouvir? Eu sabia que quando eu pedisse, quando eu me rendesse, nada mais seria meu. > Vendida ao Traficante Cidade de Deus: A cada segundo presa, meu peito se apertava mais. O medo me corroía. Mas ninguém vinha por mim. Ninguém ia me salvar. Eu era só mais uma alma esquecida dentro dessa jaula que ele transformou na minha vida. O meu corpo doía de tanto de ficar naquela posição. Eu rezava pra dormir, pra fugir nem que fosse por alguns minutos. Mas o sono não vinha. Só vinha a lembrança da voz dele, grave, debochada: “Talvez passar o dia de fome. Hoje… abra seu apetite.” E o pior… era a dúvida. Será que um dia eu ia sair dali viva? Ou será que esse lugar ia ser meu fim? Porque naquele silêncio pesado, com a fome me corroendo e as cordas marcando minha pele, a única certeza que eu tinha era que eu já não era mais a mesma Lisandra que entrou aqui. O tempo ali dentro parecia não andar. A fome doía, mas o que mais me torturava era a sensação de estar sendo vigiada, mesmo quando ele não tava no quarto. Quando a porta abriu de novo, meu coração disparou. O corpo inteiro gelou, mas, ao mesmo tempo, uma onda estranha percorreu minha pele. Ele entrou calmo, carregando um prato de comida, o cheiro ainda mais forte. Colocou sobre a mesa e ficou me olhando, aquele sorriso de canto. O olhar dele me varreu inteira, devagar, com aquela calma c***l que fazia meu sangue gelar. Na mão, trazia um prato. O cheiro da comida inundou o ar e me fez salivar sem controle. — Tá vendo? — ele disse, se abaixando na minha frente. — O corpo pede… você só precisa abrir a boca. Eu tremi. Queria gritar que não, que eu não ia dar esse gosto pra ele. Mas meus olhos traíam minha vontade, grudados no prato. Eu me odiava por isso. Ele riu baixo, satisfeito. Segurou meu queixo com força, erguendo meu rosto pra encarar o dele. — Orgulhinho bonito, mas inútil. A fome sempre vence, Lisandra, vai pedir ou vai continuar se matando? — a voz dele era grave, cortante, mas tinha um veneno doce. Engoli seco. Eu queria resistir, queria cuspir na cara dele, mas meus lábios tremeram. Meus olhos caíram pro prato, depois voltaram pra ele. E eu me odiei por isso. — Eu… — minha voz saiu falha, quase um sussurro. — Eu só quero que pare… Ele se aproximou devagar, agachando na minha frente. Passou os dedos pelo meu rosto, e eu fechei os olhos sem conseguir evitar. O toque era firme, sujo, mas me queimava de um jeito que me confundia. — Você vai pedir. — ele afirmou, não era pergunta. As cordas ardiam nos meus pulsos, os tornozelos latejavam. A dor me arrancou um soluço, e, antes de perceber, as palavras saíram: — Me solta… por favor… meus braços, meus pés… tão machucando. Ele me encarou em silêncio, a tensão me fez prender a respiração. Até que, depois de alguns segundos, ele sorriu. Devagar, puxou a faca da cintura e começou a cortar as cordas. Caveira me soltou.
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