Capitulo II- Dandara Bispo

2169 Words
Um mês e nenhum sinal do homem que me levou para casa em meio a um tiroteio, eu queria esquecer, na verdade, era uma tolice pensar tanto em alguém que nem deveria se lembrar de mim, parei de imediato no meio da rua quando retornava do mercado para casa, com a sacola na mão, era evidente que sim, só poderia ser isso, eu havia acabado de prometer para mim mesma que não olharia mais para os homens armados, que não procuraria mais nenhum sinal dele, quando simplesmente me veio a certeza de que ele poderia ter sido baleado. Ou o pior, morto, isso poderia ser por minha causa, com uma sacola de mercado na mão, aproximei-me de três homens de armas, rostos a mostra, calça folgada moletom, parecendo que ia cair no corpo, um de camisa, dois sem. — Oi, tudo bem? — Olharam de um para o outro, deram algum tipo de olhar na minha figura. — Houve algum baleado naquela noite? — O homem pretão ainda me olhava quando meio desconfiado, afirmou. — Teve uns colegas aí, mas já tão na ativa de novo, por que tia? — Então era isso, eu sou uma tia? Dezoito, acima do peso, saião marrom, blusa bege. — Porque eu preciso saber de um que esteve ali perto da igreja no dia que teve os disparos. — Eu disse buscando coragem, as armas me assustavam apesar de viver na favela. — Não faço ideia! — Disse saindo, sem educação alguma. Os outros o seguiu, fiquei parada olhando para eles irem, um carro chegou na entrada, mais uma vez, era um comprador. Não havia respostas para mim, voltei para casa, era de dia ensaio, olhei para as rosas em cima da mesa, vermelhas, outra vez Isa recebia flores, a minha raiva talvez tivesse mascarada de inveja. Eu sabia, só não ia admitir, mas e se o Paulo visse? O que ele ia achar disso? Me aproximei da mesa, olhei para as rosas bonitas, eu nunca recebi flores, nem mato, puxei o papel perto delas, era a prova que eu precisava, se eu não ia ser feliz, ela também não, pelo menos não com ele. — Vê que não fica moscando por aí outra vez! — Estava escrito e mais nada, uma letra de mulher, de nada servia a droga deste bilhete nem nome tinha. Larguei no lugar, se ela visse eu mexendo ia surtar, arrumei as compras, tinha que me contentar em ser a tia virgem, como as beatas da igreja. Dizer que era mulher de Cristo, será que é seletivo também como Paulo? Me perguntei sentada abaixo da pia da cozinha. — Flores? Ah Paulo! — Isa chegou toda melosa, virei lhe vendo cheirando o buquê, o batom vermelho fica lindo nela. — Você sabe que como mulher de um levita, futuro pastor não pode ficar usando essas coisas. Era inveja, usar um batom vermelho, seria caso de zombaria, uma preta como eu, usando batom vermelho, era macumba, muitos ia dizer. — O Paulo vai largar a igreja, mana, ou ele sai, ou... — Me levantei numa rebanada. — Como pode fazer isso, Isabel? A vida do Paulo sempre foi na igreja. — Ela parou de cheirar as rosas, pondo na mesa, retirou o cartão, leu com os olhos. — Não importa, a vida dele pode ser eu. Engoli em seco, não descia isso. — Amor exige sacrifícios, quem foi o i****a que mandou isso para mim, eu não ando moscando em lugar algum, i****a! — Eu vi o bilhete ser amassado, ela fez a bolinha, jogou na lixeira. — O que é moscando? Tu ainda anda com esse tipo de gente Isabel? — Suspirou fundo. — Dando sopa, fica de bobeira, droga nem parece que mora aqui, alienada, por isso que ninguém te come. — De fato, ninguém me comia. — Pelo menos se algum dia eu me casar, estarei virgem para o meu marido. — Explodiu em riso. — Quem vai te querer, gorda, feia desse jeito? — Saiu me dando as costas, é ela tinha razão, ninguém ia. — Foram dias, aquele buque murchando em cima da mesa, ela não pôs no copo, as rosas foi perdendo as pétalas, chegava e saia, ele continuava lá, joguei fora, já que ela não se importava com isso, só comeu o chocolate, nem me deu um. Entre cuidar da casa, e ir para igreja, não havia tempo para ficar pensando no homem que me salvou, seria tolice admitir para mim mesma que eu me apaixonei por um desconhecido só porque foi gentil, sim, eu me apaixonei, já estava anoitecendo quando sai vestida para mais um encontro de jovens na igreja, salto médio marrom, saia longa branca com umas listas azuis, blusa de mangas preta, e o cabelo curto solto na prancha. Ao abrir a porta segurando a bíblia, passei por ela vendo alguns vizinhos falando sem parar. Até que a moto veio no beco, alto o barulho como se queimasse o motor. E de repente um homem magro, pele parda passou por mim. — De novo? Não aprendeu da primeira? — Plena segunda-feira, dia de culto jovem, arma na cintura, continuei a andar, poderia até ser, mas nunca era comigo, a moto parou diante de mim, empatando o meu caminho. Tirei o fio de cabelo da boca, com medo assustada, para mim motos nos becos só dava em duas coisas, morte ou tiro por erro ou cobrança. — Eu não fiz nada moço. — Lhe disse, não era um homem bonito, não como Paulo, um n***o, não, um magrelo, cabelos cacheados bem curtinho, formando rolinho na cabeça, que riu de mim. — Tá me reconhecendo não doida? Tenho certeza que do chocolate comeu. Encarei seu rosto, a arma marcando na blusa amarela, franzi o cenho, qual a chance de alguém me confundi com Isabel? Nenhuma! Nunca! — Não, desculpa, deve estar havendo algum engano. — Dei passo para segui, me desviar da moto, os vizinhos tudo olhava, cochichando entre si, fofoca nunca foi inexistente por aqui, acredito ser o que movimenta a vida do povo no bairro, senti a mão em meu braço. — Tu me deve um obrigado, não acha? — Parei, como eu poderia… não, olhando para aquele garoto, não tinha chance de ser ele, o cara era corajoso, atirava sem medo. — Pelo? — Perguntei, me sentindo incomodada pelo seu toque em meu braço. — Se faz questão que eu te lembre... — Ele estava dizendo quando a minha irmã saiu em seguida. — Jão? — Perguntou, seus olhos saíram de mim para ela. — Isa? O que faz aqui? — Perguntou, mais uma vez fui para o anonimato, a mão no meu braço se soltou era um alívio. — Eu moro aqui seu bobão, quer entrar? — A alguns metros ela se apoiou na porta. Dei alguns passos, já sentindo que ia me atrasar. — Não, valeu, tu não me disse teu nome! — Não dei ouvidos, na frente de Isa, Dandara nunca existiu, a não ser, só para resolver problemas. — Tô falando contigo, p***a! — Ele gritou de repente, eu parei no beco, como se morresse em algum lugar naquele momento. — Ah, tá, o que tá acontecendo Jão? Ela é a minha irmã? — Isa disse, me sentir aliviada por ela dizer. — Tua irmã? Seu tom de voz continha surpresa, voltei a andar, sem parar desta vez, deixei os dois no seu assunto, era ou não era ele? Não me importava mais, na frente de Isa, aquele homem daquele dia tornou-se somente uma lembrança, o agradecimento eu já havia pago, pedindo a Deus que iluminasse seus passos em qualquer lugar que ele fosse, e de qualquer jeito, o herói na minha cabeça nunca seria aquele garoto. Cheguei a igreja, sentei-me para mais um culto de jovens, minha suas companheiras de canto, faltaram outra vez. As duas não queria mais estar na igreja, só vai porque a sua mãe a obriga, enquanto Ketllyn, também levita, até gosta, mas não resiste ao baile, é a filha mais nova do pastor, sempre foge de casa, manter os jovens na igreja com tanta promessa do mundo, é tão difícil, apesar de tudo, das inocências da vida, vendo Paulo um homem nascido e criado na igreja noivo de Isa, o exemplo da boa conduta, me deixava em dúvida. Eu queria que ele me visse algum dia, como via a minha irmã, mesmo que tenha me apaixonado por outro, meus sentimentos por ele não mudaram, por mais que eu pedisse a Deus que arrancasse esse sentimento de mim. O culto durou duas horas, terminou conosco cantando, para os demais, eu só não esperava que o maluco de mais cedo, estivesse sentado na última cadeira nos olhando, ainda enquanto todos saiam. Os irmãos se foram, peguei a minha bíblia, tive receio do que ele queria, eu esperava um homem, não um magrelo, mas que fosse seja o que for, tudo bem, agradeceria mesmo sem ter certeza de que era ele, ou seja, lá o que for que ele tenha feito para querer meu agradecimento, caminhei a passos curtos até a porta. — Danda quer companhia para casa? — Paralisei quando Paulo me perguntou, abaixei os olhos. Mas assenti, era o Paulo, o meu grande amor, que agora é meu cunhado. — Vai ver a Isa? — Ele sorriu um largo e belo sorriso, evidente que sim, passei pelo desconhecido apoiado na moto conversando com Paulo, era um livramento, eu não sabia o que ele tem em mente. — Estou pensando em me casar com a sua irmã o mais breve possível. Danda, quero ter filhos, mas meu pai não concorda, até me colocou no banco. — Lamentei, de fato, ele não estava tocando hoje, não imaginei que estivesse na disciplina, mas mãe também não aceita o casamento. — É porque ela não é da igreja? — Ele assentiu com um ar de pesar, senti por ele, mas fiquei feliz por mim, eu seria a noiva perfeita para ele não? Seria, pena que ele não via isso. — Sim, infelizmente, sim, ele só me afasta da igreja com isso. Danda, como você é minha amiga e minha cunhada, se não fosse por nossa amizade eu não teria conseguido conquistar a sua irmã, te agradeço tanto. Minha vontade era gritar, que em nenhum momento eu estava ajudando ele, mas sim, a mim queria que ele visse que eu sou parte do discurso que o pastor dizia sobre a escolha da mulher para o matrimônio. Amiga, confidente, companheira, aquela que sustenta a base, a que edifica o lar, em nenhuma parte ele falava em beleza, mas parece que esse é o quesito mais importante para o filho do Pastor. Chegamos a minha casa, no abrir da porta que vi o garoto apoiado na moto, nos olhando de lá, ergui o queixo, me olhava. — Boa noite! — Disse após Paulo adentrar. Não vi o que ele fez, não me importava. Entrei em casa, vendo o casal aos beijos, p**a merda, o Paulo parecia engolir a minha irmã, e o que era dito no culto? Sobre a demonstração em públicos, os uivos, e tal? Não, parece que naquele momento tudo era esquecido, fui pra o quarto, tendo certeza que o que os olhos não vêm, o coração não sente. Uma noite entre cochilos e insônia, Paulo ia sair da igreja, minha cabeça zumbia por isso. Sentei na cama, fiquei por horas pensando nisso, o que eu poderia fazer para agradar? Conquistá-lo? Parece que muitas coisas, é preciso a gente dizer, levantei cedo, fui direto a casa do Pastor, tomei café da manhã com eles, numa mesa cheia, bolos, beiju, banana-da-terra, cuscuz, uma fartura, admirava a sua família, apesar de a sua filha Ketllyn saber a minha intenção, por ser minha amiga, eu gosto muito dela. — Paulo precisamos conversar. — Pedi na primeira oportunidade, que tive ao ficar a sós com ele. Que me olhou diretamente, deu um sorriso branco, largo, matador, meu coração saltou em batidas. — Você me disse ontem que vai sair da igreja? — Fechou o riso quando lhe perguntei, mas assentiu. — Não faz isso, se a Isa te ama, ela vai entrar na igreja, vai se converter em Cristo por amor a você. — Engoliu em seco. — E eu sair da igreja não é uma prova de amor por ela? — Mordi meu lábio inferior com a sua resposta, de fato, sim, era. — Danda quando terminar, aí quero falar com você. — Olhei para Ketllyn, assenti, alguém algum dia me amaria assim? Não, eu não sou do tipo de mulher que nasce para amada, a anos que vejo que o fim das mulheres como eu, é apenas um. O barulho dele, deixando o caderno de lado, me fez olhá-lo, mas, na verdade, eu queria era dizer coisas que nem tinha certeza, que minha irmã o trai, nunca vi, mas a todos os homens que podia, dava frete. — Tô indo. — Disse para a minha amiga.
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