Tem gente que acha que a frieza nasce do nada, que a gente acorda um dia e decide ser pedra. Não foi assim comigo. Eu fui secando aos poucos, como roupa esquecida no varal de um inverno sem sol. Quando vi, já não escorria nada. Nem lágrima, nem culpa. Nasci no alto do morro, casa de madeira torta, telha remendada, fogão enferrujado. Meu pai? Um nome riscado na parede, promessas em tinta que a chuva levou. Minha mãe, Lurdes, foi quem segurou o resto: fazia faxina lá embaixo, carregava sacola pros outros, às vezes passava roupa a troco de pão velho. Eu cresci com a cara colada na janela, aprendendo cedo a diferença entre quem manda e quem pede licença. Eu tinha doze quando entendi de verdade o que era "dever". A geladeira vazia, minha mãe magra, os dedos queimados de água sanitária, e a ru

